A primeira sessão, realizada virtualmente no final de setembro de 2020, teve como foco Interseccionalidade e a Inclusão de Múltiplas Camadas, e contou com acadêmicas feministas eminentes e ativistas da sociedade civil. Entre elas, a ativista Mozn Hassan do Egito e a acadêmica Alda Facio da Costa Rica compartilham suas reflexões e recomendações sobre o caminho para a igualdade e a justiça.
O que inclusão e interseccionalidade significam para você no contexto em que você trabalha?
Mozn Hassan: Existem muitos feminismos que existem no movimento e é aqui que a interseccionalidade ganha vida. Cada visão traz perspectivas diferentes que precisam ser levadas em consideração, uma vez que há um retrocesso nos direitos das mulheres em diferentes partes do mundo; cada perspectiva pode nos dar pistas sobre como reagir a esse retrocesso. É por isso que precisamos fortalecer as colaborações entre as comunidades locais e internacionais - para buscar soluções alternativas para os problemas.
Alda Facio: Existem semelhanças de discriminação e violência contra as mulheres que transcendem as fronteiras de raça, cor, credo, nacionalidade, classe e cultura, mas também existem diferenças enormes. Sem incluir todas as mulheres de todas as idades e condições em nosso pensamento, nunca eliminaremos todas as discriminações estruturais e individuais que as mulheres sofrem em todo o mundo. Essas formas cruzadas de discriminação reforçam-se mutuamente e devem ser tratadas simultaneamente.
Por que a inclusão e a interseccionalidade são tão críticas para alcançar a igualdade de gênero?
Mozn Hassan: Formuladoras e formuladores de políticas precisam se desviar dos estereótipos e realmente se engajar conosco - não apenas como interlocutoras, mas como produtoras de conhecimento, narradoras de nossas situações e criadoras de nossas políticas. Formuladoras e formuladors de políticas precisam colocar nossas vozes no centro do palco e fazer conexões entre nosso movimento e seus papéis. Precisamos olhar para o tipo de desigualdade de gênero que enfrentamos hoje, por exemplo, o que a comunidade trans está enfrentando, e desenvolver abordagens interseccionais específicas para serem incluídas na integração de gênero - inclusive dentro do sistema ONU - isso inclui como as feministas estão lutando para adicionar abusos de direitos humanos, sexualidade, assédio sexual e violência como questões no feminismo dominante.
Alda Facio: A discriminação não é apenas um problema individual, mas social que requer respostas abrangentes além da mulher individualmente. A discriminação interseccional e as barreiras estruturais imensamente diferentes que diversas mulheres enfrentam devem ser compreendidas e incluídas em nossas agendas pela igualdade. O problema não está nos corpos das mulheres nem em suas identidades diversas, mas nas muitas barreiras que a sociedade construiu para impedir a plena participação das mulheres em suas próprias sociedades.
Onde estão os desafios quando se trata de ser inclusiva, inclusivo e interseccional no trabalho feminista? O que precisa mudar?
Mozn Hassan: Precisamos criar espaços abertos e seguros para discussões diversas, a fim de criar uma narrativa que seja verdadeiramente inclusiva, em vez de adotar uma "abordagem de checklist". Também é responsabilidade da comunidade internacional criar uma estrutura direta e transparente e garantir que o fluxo de recursos inclua e seja orientado pelas comunidades locais.
Alda Facio: Até as feministas têm pontos de vista opostos em muitas questões. Então, como expressamos nossas preocupações de uma forma que inclua a todas? Com relação à interseccionalidade, o desafio é como reconhecer nossos pontos em comum como mulheres desvalorizadas, apesar das diferentes discriminações interseccionais que sofremos para que, juntas, possamos formar um movimento de mulheres poderoso com a capacidade de criar uma sociedade justa e melhor.
Se você pudesse compartilhar uma lição do Debate Selecionado com foco na inclusão e interseccionalidade de múltiplas camadas para compartilhar com o mundo, o que seria?
Mozn Hassan: As partes interessadas precisam ter essa conversa e se engajar em um ambiente mais inclusivo e interseccional para o movimento feminista. Recursos não são apenas sobre dinheiro, precisamos investir no movimento criando mais espaços de mobilização, buscando e disponibilizando recursos e respondendo rapidamente a emergências.
Alda Facio: O que eu gostaria de compartilhar e ecoar é algo que uma colega participante mencionou sobre esperar que "interseccionalidade" não se torne apenas mais uma palavra da moda. Esse é o meu maior medo!
Como você acha que os Debates Selecionados devem alimentar o processo do Fórum Geração Igualdade?
Mozn Hassan: O FGI poderia envolver as partes interessadas em uma tentativa de discutir e revisar como os recursos estão sendo alocados em diferentes regiões como no Oriente Médio e Norte da África. Além disso, ter discussões mais estruturais, como a que tivemos, mas entre grupos e pessoas a nível regional. Por fim, manter o financiamento dos movimentos feministas para que cada grupo produza seus próprios conhecimentos e soluções, criando espaços estruturais de ideias, independência e sustentabilidade
Alda Facio: Acho que deve haver um esforço para definir o que se entende por interseccionalidade e inclusão em múltiplas camadas, por meio de uma discussão sincera. Sim, uma maneira é ouvir as vozes das mulheres, especialmente aquelas que foram silenciadas e marginalizadas, mas e se suas vozes estiverem dizendo coisas contraditórias? Novamente, foi o que aconteceu em Pequim com "gênero", onde o conceito nunca foi definido, embora apareça mais de 200 vezes na Plataforma de Ação.
Para você, qual seria o resultado ideal do Fórum Geração Igualdade?
Mozn Hassan: Após 25 anos da Plataforma de Pequim, a comunidade internacional precisa apoiar a comunidade local em termos de deixá-las ter suas próprias narrativas e movimentos. Como feministas, precisamos também usar essa abordagem ao lidar com os diferentes feminismos do movimento.
Alda Facio: Que possamos chegar a um acordo sobre o que a "igualdade de gênero" exige de todass e todos. É hora de olharmos também para dentro de nós mesmas para reconhecer como contribuímos para tanta discriminação e violência contra todas as mulheres de todas as idades.
O que me mantém acordada à noite….
Mozn Hassan: ... é a paixão que tenho pelo meu trabalho e como trabalhar constantemente na criação de novas ferramentas para continuar a construir e fortalecer esses multifeminismos de que temos falado.
Alda Facio: ... é o fato de que os direitos das mulheres estão sendo atacados em muitas frentes e muitas das nossas conquistas desde Pequim estão sendo perdidas. Estamos vendo o apagamento das mulheres em muitas partes do mundo e ao mesmo tempo os ataques de grupos fundamentalistas estão se tornando cada vez mais normalizados, tanto que muitas mulheres não sabem realmente o que o gênero significa para elas ou mesmo o que igualdade é.
O que me dá esperança ...
Mozn Hassan: O constante surgimento de novos grupos no movimento e como esses grupos estão lançando luz sobre as diferentes lutas de sexualidade e gênero que fortalecem a luta de combate à violência sexual contra as mulheres.
Alda Facio: Que tantas mulheres jovens estão se tornando feministas e fazendo um grande trabalho criativo para acabar com a violência e a discriminação contra nós.