A partir de 2018, a crise humanitária venezuelana passou a ter impactos mais significativos no Brasil. Em março daquele ano, foi instituída a Operação Acolhida como principal resposta do governo brasileiro ao fluxo de pessoas venezuelanas deslocadas em decorrência da situação de grave e generalizada violação dos direitos humanos naquele país.
A Estratégia de Interiorização é um dos pilares de atuação da Operação Acolhida. Trata-se de iniciativa que leva pessoas refugiadas e migrantes que estão em Roraima, principal porta de entrada dessa população, para outros estados do Brasil, apoiando o processo de acolhimento e proteção humanitários até então fortemente concentrados na fronteira com a Venezuela. Atualmente, a Operação Acolhida envolve uma complexa gama de articulações entre populações migrantes e refugiadas, gestores e operadores humanitários, militares e sociedade civil organizada, em mais de 800 municípios brasileiros.
Em 2020, a crise econômica e a pandemia da COVID-19 dificultaram a integração socioeconômica de refugiadas e migrantes à comunidade local. Para compreender melhor a dinâmica da integração da população refugiada e migrante nesse cenário, teve início a pesquisa “Oportunidades e desafios à integração local de pessoas de origem venezuelana interiorizadas no Brasil durante a pandemia de Covid-19”. A pesquisa é realizada pelo ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), a ONU Mulheres e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), a partir do programa conjunto Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil, financiado pelo Governo de Luxemburgo.
A pesquisa teve início em janeiro de 2021 e previu duas fases de coleta de dados quantitativos: a primeira aconteceu entre maio e julho de 2021 e a segunda ocorreu entre os meses de outubro e novembro de 2021. Foram entrevistadas 2 mil pessoas de origem venezuelana interiorizadas entre março de 2020 e agosto de 2021 e 682 pessoas residentes em abrigos em Boa Vista (RR), para fins de comparação. Foram realizadas, ainda, entrevistas com 48 gestores, gestoras e representantes de organizações internacionais, sociedade civil e atores governamentais atuando no nível federal, estadual e local, direta ou indiretamente envolvidos na Estratégia de Interiorização.
O estudo foi desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio do seu Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) e do IPEAD (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais), pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Nas abas do menu superior, você poderá ter acesso aos principais resultados da pesquisa, além de infografias e histórias de mulheres refugiadas e migrantes que hoje vivem no Brasil.
Clique aqui para acessar os resultados da primeira fase da pesquisa, lançada em dezembro de 2021.
Clique abaixo para fazer o download do relatório completo da segunda fase da pesquisa.
Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto MOVERSE - Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil é implementado por ONU Mulheres, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), com o apoio do Governo de Luxemburgo. O objetivo geral do programa, com duração até dezembro de 2023, é garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda diretamente mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero.
De maneira geral, o número de homens e mulheres venezuelanas interiorizadas é similar – enquanto eles representam 51,7% da população interiorizada, elas representam 48,2%. A população venezuelana interiorizada se declara majoritariamente morena/mestiça (59,8%) e branca (28,5%) (a referência de raça/cor utilizada segue as nomenclaturas utilizadas no censo venezuelano). Pessoas autodeclaradas negras e afrodescendentes são 6,3% entre as interiorizadas e 11,6% entre as abrigadas.
A pesquisa aponta diferenças significativas nas modalidades de interiorização no comparativo entre homens e mulheres, o que afeta diretamente a integração socioeconômica dessa população. Mulheres estão sub-representadas na modalidade vaga de emprego sinalizada (27,3%) e são maioria (57,3%) na modalidade de reunificação familiar.
A maior parte da população interiorizada e abrigada reside com cônjuge ou companheiro(a) no mesmo domicílio (aproximadamente 67%). Entre as abrigadas, verificou-se uma proporção maior de pessoas que têm filhos e filhas (91%) em relação às interiorizadas (79,2%). Pessoas interiorizadas com filhos e filhas têm participação expressiva entre as que se interiorizaram na modalidade institucional (92,2%) e reunificação familiar (83,8%) e menor entre as que foram interiorizadas com vaga de emprego sinalizada (74,5%). Ou seja, na interiorização, pessoas solteiras e sem filhos acabam tendo mais possibilidade de irem para outros estados com uma vaga de emprego sinalizada.
A pesquisa também aponta que há maior dificuldade de inserção laboral entre mulheres, sobretudo para mulheres com muitos filhos e famílias monoparentais. Essa dificuldade é percebida tanto entre as que são interiorizadas quanto entre as que permanecem em abrigos em Roraima. Porém, entre as interiorizadas, a falta de oportunidade de trabalho as leva a recorrer mais às políticas assistenciais do Estado.
Instituições participantes da pesquisa apontaram para casos de mães jovens e sozinhas com filhos pequenos interiorizadas e que, nessa condição, possuem demandas específicas de apoio e desafios maiores de inserção laboral. Isso acaba tornando mais longo seu processo de integração e, por conseguinte, o tempo de apoio das entidades atuantes com esse público nos locais de destino da interiorização, fora a necessidade de inseri-las nas redes de proteção social. O fechamento das creches pela pandemia e dificuldades de integração em alguns municípios apontam para necessidade de estratégias específicas para mulheres nessas situações
A falta de oportunidades para integração socioeconômica das mulheres, e mais ainda as que são mães, é reforçada também nos dados da pesquisa relacionados à compreensão da língua portuguesa. A maioria das pessoas abrigadas, tanto homens quanto mulheres, afirma ter alguma dificuldade de compreensão (75,7%). Porém, quando a análise é feita por sexo, 13,8% das mulheres em abrigos reportam não compreender o português, contra 7,34% dos homens. Entre as pessoas interiorizadas, a maioria (69%) relata que compreende bem ou perfeitamente a língua portuguesa, mas também são as mulheres que indicam mais dificuldade de compreensão (35,8% das entrevistadas contra 26,4% dos homens).
Dos quatro anos e meio que está no Brasil, Rosa Maria passou dois em Roraima. Viúva e com um filho de sete anos, ela deixou a Venezuela quando não tinha mais recursos e começou a faltar comida na mesa. Sozinhos, mãe e filho saíram da capital, Caracas, e caminharam por dias os mais de 1,2 mil quilômetros até a fronteira com a cidade de Pacaraima, em Roraima. Lá, cruzaram a fronteira, receberam vacinas, documentos, roupas, comida e uma passagem para Boa Vista.
Por dois anos, a vida de Rosa em Boa Vista foi bastante dura, como ela mesma descreve. Sem conseguir emprego, morou na rua, precisou tomar banho em rio, passou fome. Até que conseguiu uma vaga em um abrigo, de onde ela e o filho foram interiorizados para o Rio de Janeiro, na modalidade institucional (de um abrigo para outro). Mesmo tendo onde morar, a falta de uma rede de apoio e impediam que Rosa saísse em busca de emprego, já que o filho teria que ficar sozinho em casa. A única alternativa que conseguiu foi um emprego de tempo parcial como caixa de supermercado, logo no início da pandemia, onde trabalhava por três dias na semana e recebia R$ 500.
Foi nessa oportunidade que Rosa se agarrou. Realizou cursos oferecidos pelo RH da empresa, buscou aprimorar o aprendizado de português e, aos poucos, sua jornada de trabalho aumentou, junto com o salário. Atualmente, ela trabalha 44 horas por semana, com carteira assinada. Conseguiu alugar uma casa de dois cômodos, está inscrita no Bolsa Família, o filho está matriculado na escola e recebe auxílio de transporte escolar.
Conheça um pouco mais sobre a vida de Rosa Maria no vídeo acima.
Para saber mais sobre esses dados, consulte o relatório completo
De maneira geral, 8 em cada 10 pessoas interiorizadas estão dentro da força de trabalho. Porém, quando é feito o recorte de gênero, percebe-se que a participação feminina no mercado de trabalho é consideravelmente mais baixa – 72,2% contra 96,1% entre os homens. O mesmo se percebe nas taxas de desemprego, tanto para a população interiorizada quanto para a população que segue abrigada em Roraima. Entre pessoas interiorizadas, a taxa de desemprego é de 11% - no recorte de gênero, percebe-se que ela é de 17,7% entre as mulheres contra apenas 6,4% entre os homens. Entre as pessoas abrigadas, a taxa de desocupação é de 30,7%, chegando a 45% entre as mulheres e 24% entre os homens.
Apesar de a maioria da população venezuelana interiorizada ocupada encontrar-se empregada no setor privado (71,7%), o grau de informalidade laboral desta população é ainda relativamente alto (32,4%) e apresenta diferenças relevantes entre os sexos: a informalidade laboral das mulheres (37,3%) é 1,2 vezes maior que a dos homens (29,4%).
A pesquisa também aponta que, entre a população interiorizada, a taxa de subutilização da força de trabalho feminina (41,3%) é 3,5 vezes maior que a taxa de subutilização masculina (11,8%). Com relação à subutilização da força de trabalho, a menor taxa foi registrada na modalidade de vaga de emprego sinalizada (10,4%) e a maior na modalidade de reunificação familiar (30,1%).
O rendimento real médio mensal do trabalho principal habitual da população venezuelana interiorizada ocupada com 18 anos ou mais é de R$1.450,98, sendo quase 32% superior ao salário-mínimo vigente no Brasil em 2021, ainda que mais baixo entre as mulheres, R$1.177,63. Em comparação com a população brasileira, as mulheres têm rendimento médio mensal individual de R$2.215, enquanto as venezuelanas interiorizadas recebem, em média, R$1.177, quase metade do valor.
Quando chegou ao Brasil, há um ano e meio, Karlirys estava com 23 anos, o então esposo e duas crianças pequenas. O terceiro filho havia ficado com a família na Venezuela. Por três meses, a família viveu nas ruas de Boa Vista (RR), sem acesso a itens básicos, como água encanada e alimentação.
Neste período de incertezas, ela se viu sozinha com as crianças e um casamento encerrado. Foi quando ela conseguiu vaga em um abrigo e, depois de dois meses, a família foi interiorizada para o Rio de Janeiro. Assim como muitas mulheres venezuelanas levadas para outros estados, Karlirys teve moradia para ela e os filhos por alguns meses. Foi nessa oportunidade que aceitou a oferta de estudar corte e costura e, a partir da sua dedicação durante o treinamento, conseguiu um emprego em uma empresa que produz para grandes marcas do vestuário.
Atualmente, ela tenta multiplicar as horas do dia. Trabalha das 22h às 6h e, quando sai do trabalho, busca as crianças na casa de uma cuidadora. Por algumas horas, dedica-se à casa, aos afazeres domésticos e ao cuidado dos filhos. Entre as 17h e 18h, leva as crianças novamente para a cuidadora e segue, por mais de duas horas de ônibus, no trajeto entre a casa e o trabalho. O descanso acaba fracionado em pequenos intervalos, quando a rotina lhe permite.
Saiba um pouco mais sobre a história de Karlirys no vídeo acima.
Para saber mais sobre esses dados, consulte o relatório completo
O nível de escolaridade da população venezuelana interiorizada no Brasil é superior à média registrada para a população brasileira com 18 anos ou mais. Enquanto 7,8% das pessoas brasileiras têm apenas o nível fundamental completo e 30,6% completaram o ensino médio, segundo dados do PNAD, a pesquisa mostra que 6,2% das pessoas venezuelanas interiorizadas completaram o ensino fundamental e 51,4% completaram o ensino médio.
A pesquisa também chama a atenção para os reflexos do ensino superior na empregabilidade de pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas no Brasil. Entre a população brasileira em geral, 16,8% possuem ensino superior completo; entre pessoas venezuelanas interiorizadas, a parcela de quem possui essa escolaridade é similar, de 15%. Entre as mulheres venezuelanas interiorizadas, 17,5% possuem ensino superior completo, média acima da encontrada entre homens interiorizados, de 12,7%. Entretanto, as mulheres apresentam maior dificuldade de ingressarem no mercado formal de trabalho brasileiro.
Comparadas à população brasileira residente em Roraima, nota-se que entre as abrigadas, a proporção de pessoas com ensino superior (completo e incompleto) é bastante inferior para ambos os sexos à média do Estado. A diferença diminuiu significativamente para o ensino médio completo, com números mais próximos entre pessoas venezuelanas abrigadas e brasileiras residentes em Roraima, sendo que as mulheres abrigadas têm proporção ligeiramente superior (40,3%) entre aquelas com ensino médio completo em comparação com mulheres brasileiras residentes em Roraima (35,5%). Já entre as pessoas menos escolarizadas (ensino fundamental incompleto e sem instrução) a relação se inverte: são mais numerosas proporcionalmente entre a população de Roraima (6,7% sem instrução e 19,59% com ensino fundamental incompleto) do que entre a população abrigada (1,9% e 14,7%) para ambos os sexos, com diferença maior entre homens. Em geral, o perfil educacional das pessoas abrigadas é mais baixo que o das pessoas venezuelanas interiorizadas, o que pode apontar para seletividade nos critérios de seleção da estratégia.
Pessoas com ensino superior completo também representam uma proporção maior das interiorizadas na modalidade de vaga de emprego sinalizada (20,2%) – como esperado, por tratar-se de grupo com maior possibilidade de inserção laboral, ainda que subutilizada – e na modalidade institucional (17,1%). Em geral, pessoas interiorizadas na modalidade de vaga de emprego sinalizada possuem melhor perfil educacional (mais anos de estudo), com baixa participação de pessoas apenas com ensino fundamental, indicando impacto de seletividade
Neste cenário, a pesquisa ressalta a importância de se garantir as condições para devida inserção de pessoas refugiadas e migrantes com grau de escolaridade completo, seja por meio do reconhecimento e revalidação dos diplomas, seja pela possibilidade de continuidade dos estudos, sobretudo para a ampla proporção de pessoas venezuelanas interiorizadas com ensino médio completo em cenário de ampliação de vagas específicas nas universidades e institutos técnicos brasileiros.
Quando chegou ao Brasil, em 2018, Yrneth deixou para trás na Venezuela não apenas a vida pessoal, família e amigos, mas também o doutorado em Biologia Molecular, que tanto havia sonhado. Ela chegou com o namorado e, por muitos meses, dedicou-se ao processo de revalidação do diploma, com o sonho de conseguir seguir trabalhando e estudando na área de formação.
Menos de dois anos depois, ela conseguiu ter reconhecida sua formação no Brasil e começou a trabalhar no Laboratório de Bacteriologia e Bioensaios do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz, no Rio de Janeiro. E foi também na Fiocruz que ela conseguiu retomar os estudos, no programa de Mestrado.
Durante a pandemia de COVID-19, Yrneth esteve na linha de frente no trabalho de detecção de enfermidades infecciosas pulmonares. Atualmente, já mestra, ela segue trabalhando e espera poder, um dia, retornar ao local onde nasceu.
Confira no vídeo acima um pouco mais sobre a história de Yrneth e a importância da revalidação de diplomas de mulheres refugiadas e migrantes.
Para saber mais sobre esses dados, consulte o relatório completo
A pesquisa elenca uma série de vulnerabilidades e de desafios enfrentados por pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas no Brasil. A moradia, principalmente digna, aparece como um dos principais entraves para a população interiorizada e sua efetiva integração. Em centros urbanos, nas diferentes regiões do país, instituições relataram o aumento do valor dos aluguéis e processo de concentração das pessoas interiorizadas em zonas de periferia.
O impacto da dificuldade em ter recursos para itens básicos, como moradia, também reflete em problemas ainda mais graves, como a insegurança alimentar. Das pessoas interiorizadas entrevistadas, 33,7% das mulheres e 30,8% dos homens afirmaram que já sofreram situação de insegurança alimentar após a interiorização. Entre as pessoas abrigadas, a situação é relatada por 40,5% das entrevistadas.
Outro tema recorrente nas entrevistas é a discriminação: 26,1% das pessoas interiorizadas indicaram que, em algum momento, se sentiram discriminadas em função da nacionalidade. Há uma pequena diferença entre essa percepção de discriminação entre os homens (27,9%) e as mulheres (24,3%). No caso das pessoas abrigadas em Roraima, o sentimento de discriminação foi reportado por 20,1% (20,2% das mulheres e 20% dos homens entrevistados).
Com um peso maior na vida de mulheres, a dificuldade de acesso à saúde, em especial à saúde sexual e reprodutiva, também é destacada na pesquisa. No momento das entrevistas, 4,8% das mulheres venezuelanas interiorizadas e 6,5% das mulheres abrigadas em Roraima informaram estar grávidas. Apenas 29,3% das interiorizadas e 35,9% das abrigadas afirmaram que queriam engravidar naquele momento, enquanto 28,5% das interiorizadas e 36,7% das abrigadas grávidas reportaram não querer mais filhas e filhos quando engravidaram.
Esses percentuais mudam quando as mulheres são perguntadas sobre a gravidez de crianças nascidas no Brasil: 24,6% das interiorizadas e 42,7% das abrigadas não queriam ter filhas e filhos naquele momento, enquanto apenas 29,4% das interiorizadas e 46% das abrigadas queriam engravidar. Esses dados apontam para a necessidade de saber mais informações sobre planejamento familiar e acesso à saúde materna nas diferentes fases da vida reprodutiva das mulheres em situação migratória e sobre o impacto da gravidez para os projetos familiares e pessoais. Apontam, assim, para a importância do tema do planejamento familiar no processo migratório, desde a chegada até a integração nos municípios de acolhida.
Outro dado importante indicado pela pesquisa é com relação ao acesso aos serviços de saúde materna e de acompanhamento da gravidez: 26,5% das mulheres refugiadas e migrantes grávidas no momento da entrevista e 26,3% das mulheres abrigadas e com crianças nascidas no Brasil indicaram não ter ou não ter tido acompanhamento durante a gravidez, contra 8,1% e 6,2%, respectivamente, entre as interiorizadas.
A pandemia de COVID-19 teve impacto significativo na vida das famílias de pessoas refugiadas e migrantes, em especial no acesso à educação para crianças. Entre as pessoas interiorizadas, 70,4% dos filhos e filhas com menos de 18 anos de idade encontravam-se com matrícula escolar; entre a população abrigada, esse índice era de apenas 35,6%.
A pesquisa também aponta para uma incidência maior de crianças mais jovens nos abrigos de Roraima em comparação às interiorizadas – com uma diferença de cerca de dois anos, em média, o que leva a uma maior demanda por creches e escolas de ensino infantil. Em todos os casos, foi reportado o impacto da pandemia nas escolas, a dificuldade na obtenção de vagas e, em casos pontuais, a ausência de escolas próximas à residência e dificuldades de transporte.
Aproximadamente 23% das filhas e filhos de pessoas refugiadas e migrantes não tinham idade escolar quando da entrevista para ambas as populações – interiorizadas e abrigadas. Os cuidados com essas crianças são, prioritariamente, desempenhados por mulheres. Parte importante das mulheres venezuelanas empregadas encontram-se incorporadas no mercado de trabalho doméstico, fortemente desigual e com alto grau de exploração (informalidade, baixos rendimentos, jornada exaustiva etc.) e no setor de serviços precarizados (vendedoras, cozinheiras, autônomas etc.).
Aos 35 anos, Yusmali é mãe de quatro crianças, uma delas com deficiência, e é ela a responsável pelo cuidado de toda a família. Ela e o marido chegaram a São Paulo há quatro meses, após a venezuelana conseguir um emprego por meio do Empoderando Refugiadas – iniciativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Rede Brasil do Pacto Global e a ONU Mulheres focado na empregabilidade de mulheres refugiadas, solicitantes da condição de refugiado e migrantes que buscam no Brasil uma oportunidade de reconstruírem suas vidas.
Desde o aumento do fluxo venezuelano para o Brasil, em 2018, agências das Nações Unidas têm trabalhado na mobilização de empresas e iniciativas que possibilitem a integração socioeconômica de pessoas refugiadas e migrantes, em especial as venezuelanas. Entre essas iniciativas estão o Empoderando Refugiadas e, desde 2020, o Moverse. Garantir que mulheres refugiadas e migrantes tenham acesso a empregos formais e a renda traz benefícios não apenas a elas, nas também às empresas que as contratam e às sociedades às quais elas se integram.
A oportunidade de ingressar em uma das turmas do Empoderando Refugiadas surgiu logo que ela e o esposo conseguiram uma vaga em um abrigo em Boa Vista. Lá, ela foi capacitada para o mercado de trabalho brasileiro e foi selecionada pelo grupo Iguatemi, que direciona suas vagas a partir do projeto a mulheres com deficiência ou responsáveis por cuidados de pessoas com deficiência.
Atualmente, ela trabalha como assistente de loja em um dos shoppings do grupo na capital paulista. E sonha em poder permanecer no Brasil com estabilidade e oportunidades para seus filhos.
Saiba mais sobre a experiência do grupo Iguatemi com o Empoderando Refugiadas e sobre como a oportunidade alcançou a vida de Yusmali no vídeo acima.
Para saber mais sobre vulnerabilidades e desafios para pessoas refugiadas e migrantes interiorizadas e abrigadas, baixe o relatório completo abaixo
A pesquisa buscou, ainda que rapidamente, avaliar o interesse das pessoas participantes em permanecer no Brasil e suas perspectivas sobre o futuro. A maioria da população venezuelana interiorizada (96,9%) e abrigada em Roraima (98,7%) pretende permanecer no Brasil. Parte significativa das pessoas interiorizadas (85,5%) tem uma perspectiva otimista sobre o futuro de pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas no país, acreditando que o futuro será melhor que o presente.
Apenas 3% de pessoas interiorizadas pensa em sair do Brasil – e, dessas, 84,5% desejam retornar à Venezuela. Entre as pessoas residentes em abrigos em Roraima, 77% têm interesse em sair do estado, com predomínio de homens em relação às mulheres. Das pessoas que permanecem nos abrigos, 52,2% já realizaram algum cadastro para participar da estratégia de interiorização.
Apesar da grande parcela de pessoas interessadas na interiorização, parcela significativa (23%) da população abrigada demonstra desejo de permanecer em Roraima. Essa informação, somada aos relatos coletados durante as entrevistas, reforçam que a estratégia de interiorização deve ser acompanhada de políticas de integração local também em Roraima, com ampliação das possibilidades de socialização, convívio e acesso a direitos para além dos espaços de abrigamento e de forma mais autônoma em relação às estruturas institucionais que os gerenciam.
Aos 40 anos e com mais de uma década de experiência como gestora ambiental, Lisbeth veio da Venezuela para o Brasil há um ano e meio, fugindo da crise e em busca de oportunidades. Parte da família conseguiu vir com ela, outra parte chegou há menos de um mês ao Rio de Janeiro, onde ela conseguiu um emprego por meio do projeto Empoderando Refugiadas.
Criado em 2015, o Empoderando Refugiadas é um projeto implementado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Rede Brasil do Pacto Global e a ONU Mulheres, focado na empregabilidade de mulheres refugiadas, solicitantes da condição de refugiado e migrantes que buscam no Brasil uma oportunidade de reconstruírem suas vidas. Entre os objetivos do projeto estão o de capacitar as participantes para o mercado de trabalho brasileiro, facilitar a adaptação cultural e laboral no país, promover a contratação formal de refugiadas, sua educação financeira e empoderamento econômico, além de fomentar a sensibilização do setor privado.
Por meio do projeto, Lisbeth conseguiu se capacitar para o mercado de trabalho brasileiro e foi contratada pela Unidas. Foi interiorizada para o Rio de Janeiro já com um emprego garantido, o que lhe deu segurança para o recomeço.
No novo trabalho, não é apenas ela quem aprende com os colegas. O contato com culturas diferentes e experiências de vida promove a empatia, estimula o trabalho conjunto e beneficia as diversas equipes com as quais ela tem contato no dia a dia.
Assista no vídeo acima ao relato de Lisbeth e a importância da inclusão socioeconômica de mulheres refugiadas e migrantes por meio do mercado formal de trabalho.
Para saber mais sobre este tema, baixe o relatório completo e confira o conteúdo.