Trabalhadoras domésticas fazem campanha por direitos durante a pandemia Covid-19 e articulam apoio da cooperação internacional
03.04.2020
Categoria é uma das que mais concentra trabalhadoras no país: 6 milhões de profissionais, sendo mais de 90% mulheres e 60% de mulheres negras. Em meio à baixa cobertura de direitos trabalhistas, seguridade social e equipamentos de proteção individual, trabalhadoras domésticas residem longe do trabalho, dependem da saúde pública, estão mais expostas a contraírem o coronavírus nas residências onde trabalham e vivem sob a ameaça de não receberem remuneração durante a quarentena
O trabalho doméstico concentra uma das maiores forças de trabalho de mulheres no Brasil: cerca de 90% de 6 milhões profissionais. Do total de trabalhadoras domésticas, 60% são mulheres negras e menos de 40% das profissionais têm carteira assinada. Desde a classificação do novo coronavírus (Covid-19) como pandemia, anunciada em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) está desenvolvendo uma série de estratégias que vão desde campanha para liberação de trabalhadoras domésticas com postagens nas redes sociais, defesa pública junto a empregadoras e empregados para continuidade de pagamentos de salários durante a quarentena, nota técnica para apoiar a decisão de juízas e juízes do trabalho até ofício dirigido ao Ministério da Economia em busca de interlocução para posicionar as demandas da categoria.
Em entrevista à ONU Mulheres Brasil, Luiza Batista, presidenta da Fenatrad, comenta as estratégias políticas da categoria para assegurar o direito à saúde das trabalhadoras domésticas. “A Fenatrad fez um ofício endereçado ao Ministério da Economia. Vimos o anúncio do valor para trabalhadores e trabalhadoras informais, mas as diaristas não foram mencionadas. E elas não têm proteção. No ofício, solicitamos a revogação da lei que retirou a isenção do Imposto de Renda, porque a gente sabe que isso desestimula o empregador doméstico, a empregadora doméstica a contratar a trabalhadora. E a trabalhadora doméstica sem contrato firmado fica sem aposentadoria. O Ministério Público do Trabalho entendeu que o momento demanda responsabilidade e seriedade”, diz Luiza Batista.
Além da fragilidade de garantia de trabalho, emprego e renda que se acirra em períodos de crise, as trabalhadoras domésticas estão expostas ao contágio da Covid-19 pela natureza do trabalho que desenvolvem nas residências. A primeira mulher vítima fatal da doença no Brasil foi uma trabalhadora doméstica, de 63 anos, após ser infectada pela empregadora. O óbito ocorreu em 17 de março. “Teve uma trabalhadora doméstica que faleceu em Miguel Pereira, no Rio de Janeiro. Em São Paulo tem duas comprovadamente infectadas pelos empregadores, que viajaram [a entrevista foi feita em 24 de março de 2020]. Esse vírus não foi trazido pelas trabalhadoras domésticas. Não foi o trabalhador que ganha dois ou três salários mínimos. O vírus foi trazido ao Brasil por pessoas de alta renda. Só que essas pessoas foram [ao exterior] e quando elas chegaram, é que foi detectado o coronavírus. São pessoas que têm condição de fazer os testes. Têm plano de saúde caro. Podem pagar hospital particular”, salienta Batista.
As trabalhadoras domésticas foram destacadas, pela ONU Mulheres para Américas e Caribe, em 19 de março, como um dos grupos de mulheres que precisam de mais atenção durante e após a pandemia. As vozes das mulheres e a inclusão delas nos espaços de tomada de decisão é uma das 14 recomendações à região: “trabalhadoras do setor de saúde, trabalhadoras domésticas, mulheres na economia informal, migrantes, refugiadas e mulheres em situação de violência são algumas das mulheres mais expostas à Covid-19 e precisam ser envolvidas em todas as fases da resposta e nas tomadas de decisão nacionais e locais”.
Negociações e orientações na quarentena – A Fenatrad defende o diálogo e a negociação como caminhos para reorganizar a relação de trabalho durante a quarentena. “Passadeira, diarista não são trabalhos imprescindíveis durante a quarentena. O que a Fenatrad avalia como imprescindível são aquelas pessoas que tomam conta de pessoas idosas ou crianças. Aí, sim, a orientação que o empregador, a empregadora – claro que isso aumenta os custos, mas ajuda a evitar uma possibilidade maior de contágio – possa oferecer o transporte alternativo e garantir os EPIs – equipamentos de proteção individual assim como álcool em gel –, inclusive um “vidrinho” que ela possa levar na bolsa no coletivo, no transporte público ou no transporte alternativo porque isso vai evitar que ela esteja num transporte com grande quantidade de pessoas”, sugere Batista.
As diferentes modalidades de trabalho doméstico também são cobertas pelas estratégias da Fenatrad independente de vinculação sindical. “Quanto às diaristas, eu conheço várias pessoas e instituições que estão liberando as diaristas. Esse valor já está incluído no orçamento. Então, deixa essa pessoa em casa com os vencimentos, porque essa pessoa precisa se alimentar. Precisa comprar alguma medicação, caso necessite. Então, a orientação é essa. É a cota de sacrifício que cada uma vai fazer e passar por essa quarentena com menos danos”, avalia.
No estado de Pernambuco, onde reside, Luiza conta que a parceria com o sindicato patronal está sendo fundamental. “A gente está fazendo esse mesmo apelo. Em Pernambuco, o sindicato patronal está fazendo as mesmas recomendações, para que a trabalhadora seja liberada sem o prejuízo do salário, porque esse salário já está no orçamento mensal da família. A trabalhadora não é responsável pela pandemia e é preciso que se torne questão de responsabilidade do empregador, empregadora evitar que a trabalhadora se exponha. Além de expor a saúde da trabalhadora, é exposta a família com quem ela trabalha”, conta.
Serviços públicos – A presidenta da Fenatrad chama a atenção para a situação da saúde pública no Brasil, que atende a população mais pobre, entre ela as trabalhadoras domésticas. “É a gente que vai para uma fila do SUS [Sistema Único de Saúde]. Então, a trabalhadora doméstica e todos os trabalhadores que ganham menos de dois salários mínimos, estão num grupo de risco muito grande e utilizando transporte público. Geralmente, nos horários de pico, só andam em ônibus abarrotados e essas pessoas ali respirando o mesmo ar. Elas seguem conversando e rindo, porque as pessoas se conhecem e não ficarão sem olhar uma para o rosto da outra nem deixar de se comunicar. E isso tudo aumenta as chances de contágio” comenta Luiza Batista.
Ela faz o apelo público para que a quarentena seja ampliada para as trabalhadoras domésticas e que a sociedade e o poder público se envolvam em buscar soluções para garantir o direito à saúde das trabalhadoras domésticas. “Se não for respeitada a quarentena da forma devida e se essa curva, como os especialistas falam, não for achatada, o sistema público entra em colapso total e o sistema particular também. Quando chega a 50% de comprometimento dos pulmões, a pessoa tem que ir para o respirador. E, muitas trabalhadoras domésticas têm doenças crônicas, o que pode lhes expor a outras complicações, infartos, acidentes. Sabemos que casos graves precisam de respirador. Pessoas precisam ser entubadas. E aí, vai ter para todo mundo? Não vai”, alerta.
Conscientização da categoria – Entre as medidas priorizadas pela entidade, estão ampliar a circulação de mensagem pró-liberação remunerada das trabalhadoras domésticas e envolver os públicos estratégicos envolvidos na questão. “Ainda não é a quantidade de pessoas que a gente esperava alcançar. Mas a gente está orientando as trabalhadoras. Quando a gente fez o vídeo, estava orientando também empregadores e empregadoras. A gente fez para ambas as partes, porque tem que ter um diálogo: o empregador, a empregadora precisa entender que a trabalhadora vai ficar em casa não por vontade própria ou porque está com preguiça ou se recusando a trabalhar. E a trabalhadora precisa entender que tem que ficar de quarentena. É para ficar em casa”.
Mudança de mentalidade e tomada de decisão destituídas de preconceito do trabalho doméstico são atitudes determinantes para garantir o direito à saúde das trabalhadoras domésticas em tempos de pandemia. “Entre as queixas, estão comentários de empregadora do tipo: ‘ah, eu não vou pagar para ninguém ficar em casa. Quer ficar em casa? Fica, só não vai receber’”, reproduz Luiza a partir dos relatos da categoria à Fenatrad.
Conforme Batista, “não é assim: é um momento para todas as pessoas entenderem que todas têm de dar a sua cota de colaboração, de sacrifício até porque, se não existisse essa quarentena, a trabalhadora estaria trabalhando e esse salário já estaria dentro do orçamento”.