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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Samara Garcia: “Jovens mães não devem perder a esperança de entrar e permanecer na universidade”



11.08.2023


Tornar-se mãe em meio à graduação transformou a jovem paraense em uma defensora de uma sociedade mais inclusiva para mulheres e crianças

Samara Garcia: Jovens mães não devem perder a esperança de entrar e permanecer na universidade/ver o cuidado noticias igualdade de genero empoderamento economico

Samara se uniu a outras mães que defendem políticas de acesso e permanência na universidade (Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco)

Os anos que englobam o período da juventude são decisivos na vida de uma pessoa. Esse espaço de tempo que vai dos 15 aos 24 anos é um momento de construção de consciência individual e coletiva, de planos e sonhos para o futuro, tornando-se também o tempo de iniciar o caminho até eles. Porém, esse processo não é vivenciado igualmente por todas as pessoas. O acesso a oportunidades é influenciado por inúmeros fatores, como classe, gênero e raça, por exemplo. Nesse contexto, quando as mulheres são as principais ou exclusivas responsáveis pelas tarefas de cuidado, como cuidado com filhos e com a casa, elas vivenciam grandes obstáculos, sendo apenas um deles a limitação de tempo para se dedicarem a atividades de desenvolvimento pessoal e profissional. Quando se fala de mulheres jovens, esses obstáculos se traduzem de diversas maneiras, como a dificuldade de acessar oportunidades de educação que podem transformar suas vidas e ajudá-las a alcançar seus sonhos. A história de uma jovem mãe moradora da cidade de Belém (PA) é um dos muitos exemplos desses atravessamentos.

Até poucos anos atrás, Samara Garcia não imaginava que sua experiência de vida a transformaria em uma defensora dos direitos das mulheres. Estudante do curso de Licenciatura em Dança na Universidade Federal do Pará (UFPA), ao tornar-se mãe, ela se viu imersa em uma realidade até então invisível aos seus olhos, de enfrentamentos de obstáculos para continuar os estudos. Os desafios como jovem mãe universitária alteraram a trajetória de Samara dentro do campus, fazendo com que hoje ela seja uma das mobilizadoras do Coletivo Mães Universitárias Pela Permanência.

Samara soube que seria mãe no segundo ano de graduação, em 2020, período que coincidiu com o início da notificação de casos de Covid-19 no Brasil. As adaptações impostas pela pandemia do coronavírus fizeram com que, em 2021, após o nascimento do filho, Samara acompanhasse as aulas de forma on-line. Começava ali a rotina de equilíbrio entre as demandas de uma mãe, puérpera, que também se entendia como universitária, papel do qual não pretendia abrir mão.

Quando seu bebê tinha apenas três meses, Samara precisou voltar à sala de aula presencialmente e uma nova adaptação foi necessária. Com o filho nos braços, a estudante enfrentava duas horas de deslocamento no transporte público para chegar até a universidade. “Trazia meu filho para a faculdade até ele ter uns nove meses. Chegou um momento que essa rotina começou a adoecer ele, então eu comecei a faltar muitas aulas”, lembra.

Foi nesse cenário que Samara começou a mobilização. Os ajustes que antes eram tratativas individuais com cada professora e professor se tornaram demandas junto ao setor de assistência estudantil. “Eu parei de frequentar as aulas e disse que não tinha mais condições. Eu não tinha como manter o meu filho nessa rotina, eu não tinha recurso para custear a alimentação dele fora de casa, porque às vezes eu não tinha nem R$ 1 para pagar a minha bandeja de refeição no restaurante universitário”, detalha a estudante. A partir daí, Samara teve acesso ao auxílio emergencial voltado para permanência de pessoas universitárias em situação de vulnerabilidade, e solicitou acesso ao auxílio creche, também disponibilizado pela universidade, porém, ainda sem cobrir totalmente a demanda. “Hoje, o auxílio creche não atende a todas as mães e, muitas vezes, não cobre suas necessidades. A creche do meu filho, por exemplo, é R$ 700 e o auxílio que recebo é de R$ 400”, Samara ressalta.

Sororidade – A vivência dos seus próprios enfrentamentos como mãe universitária fez com que Samara passasse a notar a realidade de outras estudantes. “Existem muitas manas que também precisam ou precisaram levar seus filhos para dentro da sala de aula e isso vai virando algo comum na universidade”, revela Samara que, se reconhecendo como parte desse grupo, aproximou-se de outras mães – e começava, ali, a sua jornada como defensora do direito das universitárias e de seus filhos.

Hoje, aos 24 anos, e ao lado de outras mulheres, ela atua para a implementação de políticas e programas que contribuam para a permanência de mulheres mães na universidade tendo como principais demandas a implementação de fraldários no campus, a construção de creches universitárias, a disponibilização de brinquedotecas, a gratuidade ou equivalência no valor da refeição para crianças no restaurante universitário e outras medidas de assistência estudantil.

A creche universitária e as brinquedotecas são vistas pelo Coletivo Mães Universitárias Pela Permanência como medidas que podem beneficiar não somente as estudantes que têm filhos, mas toda a comunidade discente, já que podem se tornar espaços para práticas que envolvam a disponibilização de bolsas para estudantes de áreas que se relacionem com essas atividades, ou até mesmo de voluntariado.

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Sem uma rede de corresponsabilidade de cuidados, Samara precisou levar o filho para a universidade, iniciando aí sua caminhada por mudanças que atendam às necessidades das mães (Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco)

Engajamento – Atuar ativamente na defesa dos direitos enquanto mãe universitária, buscando garantias para uma educação de qualidade, é mais um papel que Samara e outras integrantes do coletivo somam ao cotidiano. Equilibrar todas as demandas da rotina de estudos, do trabalho de cuidado e da defesa de uma sociedade mais inclusiva e justa não é uma tarefa simples. Porém, de acordo com Samara, é feita sem cobranças e só continua ativa devido à rede de acolhimento. “Hoje, as manas do coletivo são a minha rede de apoio. Ninguém larga a mão de ninguém e uma levanta a outra para que a gente possa continuar sendo ouvida. Nós precisamos continuar estimulando esse debate com rodas de conversa, com encontros e com estudos”, diz.

Estar ao lado de outras mães, buscando transformar suas próprias realidades, mas principalmente visando a garantia de oportunidades melhores para o futuro, é o que faz Samara não desistir. “Fui muito criticada por trazer meu filho para a universidade e até mesmo aconselhada a deixar os estudos para depois que ele crescesse, mas segui a minha intuição de mãe. A minha transformação é uma transformação de resistência ao lado de outras mulheres. As jovens mães não devem perder a esperança de entrar e permanecer na universidade”, reflete Samara.

Corresponsabilidade de cuidados – Nesse Dia Internacional da Juventude, lembrado em 12 de agosto, a ONU Mulheres busca visibilizar a história de Samara, uma história que se repete todos os dias, em todo o mundo, nos relatos de jovens mulheres que se unem em prol de uma sociedade que garanta Educação de Qualidade e promova a Igualdade de gênero.

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Ao lado de outras mulheres, Samara participou de roda de conversa do projeto Ver-o-Cuidado, compartilhando a vivência das mães universitárias (Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco)

Em seu território, compartilhando suas prioridades e demandas, Samara e outras mães universitárias contribuem para a construção de um piloto de Sistema Municipal de Cuidados em Belém, a partir do projeto Ver-o-Cuidado, uma parceria entre ONU Mulheres, Prefeitura de Belém (PA) e Fundação Papa João XIII (Funpapa), com apoio da Open Society Foundations. Iniciado em maio de 2022, o projeto é desenvolvido em duas frentes. A primeira tem como foco o apoio à gestão municipal e às instituições públicas na elaboração e implementação desse sistema de cuidado. Paralelamente a essa construção, as atividades também alcançarão as trabalhadoras do cuidado, remuneradas ou não, atuando no desenvolvimento de suas capacidades nos aspectos pessoais e profissionais, para que acessem trabalho decente e autonomia econômica.

A iniciativa é conduzida por um comitê gestor do qual fazem parte 12 organizações: Fundação Papa João XXIII (Funpapa), Secretaria Municipal de Administração da Prefeitura de Belém (Semad), Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec), Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), Banco do Povo de Belém, Coordenadoria da Mulher de Belém (Combel), Coordenadoria Antirracista (Coant), Coordenação das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Copsan), Coordenadoria da Diversidade Sexual (CDS), Coordenadoria de Comunicação Social de Belém (Comus), Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Município de Belém (Iasb) e ONU Mulheres.