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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Pensamento crítico, feminismo e acolhimento familiar: a trajetória de Symmy Larrat, liderança travesti e defensora de direitos humanos



30.05.2023


“Ser questionadora me fez chegar até aqui, e sempre me ajudou a encontrar saídas para superar momentos de dor, violência e preconceito”

Pensamento crítico, feminismo e acolhimento familiar: a trajetória de Symmy Larrat, liderança travesti e defensora de direitos humanos/lbgt direitosdasmulheres defensoras de direitos humanos

Ao longo da sua trajetória, Symmy vem abrindo caminhos para pessoas trans e quebrando paradigmas enquanto ocupa espaços inéditos na sociedade. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

A trajetória de Symmy Larrat na defesa de direitos tem um tanto da dualidade que enfrentou dentro da família. Filha de uma professora de história, com família natural de Cametá, município ribeirinho no estado do Pará, Symmy sempre foi incentivada a leitura, aos estudos e ao pensamento crítico. Por outro lado, sua mãe e família, apostavam em uma educação fortemente religiosa. “Houve muita dificuldade de aceitação quando ‘saí do armário’ pela primeira vez aos 16, assumindo a homossexualidade. Apesar disso, minha mãe nunca deixou de ser essa referência para a indagação das injustiças, e isso me movia a questionar e lutar”, explica a jornalista de formação, que atualmente lidera a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, pasta inédita no Ministério dos Direitos Humanos.

Foi somente quando assumiu sua travestilidade, por volta dos 30 anos, que a aceitação por parte da família aconteceu de forma mais naturalizada, e a libertação assumiu o lugar do medo em sua vida. “Conseguimos superar, nos reconectar e fazer uma retomada de laços potentes”, comenta emocionada.

A organização política aconteceu na vida de Symmy desde muito cedo, quando ainda frequentava a igreja e se interessou pela Teologia da Libertação. “Comecei nos movimentos de bairro, de igreja, movimentos estudantis e sociais. Foi a partir da militância que fui superando dores, ajustando respostas reativas, encontrando saídas coletivas para melhorar capacidade de diálogo e me perceber como uma liderança”, relembra a respeito do processo que vivenciou até se identificar enquanto defensora de direitos humanos.

“Quando me reconheci mulher, eu já era uma defensora de direitos humanos”. Symmy conta que foi a partir do feminismo que ela conseguiu fazer uma transição de gênero mais segura e confortável consigo mesma. “Fundamentada no feminismo, parei com a autocobrança de performar o feminino a partir da ansiedade e padrões sociais, então isso se deu de maneira muito simbiótica em minha vida: já era defensora de direitos humanos, mas só tive a concretude do meu existir, quando me tornei mulher”, explica, reforçando que sentiu a necessidade de ser defensora de direitos não somente para a mulher que estava se tornando, mas para todas as mulheres que têm seus direitos violados em diferentes contextos.

Em 2017 Symmy foi a primeira travesti eleita presidente de uma associação nacional de organizações LGBTQIA+, e questionou fortemente padrões de representatividade dentro da comunidade: “O exercício de ser representada e liderada por uma travesti, mexeu muito com a organização e suas associadas. Colocou o coletivo para repensar sua atuação, e esse é o maior legado que pude deixar”, conta.

Nos seis anos que esteve à frente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), confiou na transversalização das pautas LGBTQIA+ em todos os espaços e agendas durante sua gestão. Ela acredita que para alcançar uma sociedade menos violenta para todas as pessoas – e que contemple todas as existências, não basta falar sobre demandas e violências sofridas pela comunidade LGBTQIA+, mas sim conversar com isso dentro dos debates sociais e democráticos de gênero, raça, classe, etnia e meio ambiente.

Hoje, Symmy enxerga que ocupar o cargo de Secretária Nacional de Políticas para População LGBTQIA+ é estar em lugar relevante em que pode realizar uma gestão crítica. “Isso não me distância do meu fazer militante. Isso ressignifica o meu fazer militante, uma vez que esse é um espaço com tempo de ação diferenciado em relação as ansiedades quando se defende direitos a partir da sociedade civil. Para que isso não seja doloroso, eu tive que entender da importância de cada passo aqui, de cada pequena coisa que a gente consegue construir”, conclui.

ABGLT e ONU Mulheres

Em 2022, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), recebeu apoio financeiro de ONU Mulheres, no âmbito do projeto “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, para fortalecimento de suas capacidades institucionais. O apoio facilitou que a ABGLT, juntamente com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), protocolasse uma ação civil pública contra a União, em outubro de 2022, a fim de que a Carteira Nacional de Identificação (CNI) tivesse o campo “sexo” retirado, com intuito de evitar situações de constrangimento e humilhações para a população trans e travesti no país. Na semana do 17 de maio, quando é celebrado do Dia Internacional contra a Homofobia, Lesbofobia, a Transfobia e a Bifobia, o Ministério dos Direitos Humanos anunciou que a nova CIN irá atender a

demanda das associações LGBTQIA+, com objetivo de possibilitar o uso do nome social e identidade de gênero das pessoas travestis, transexuais e aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais.

Conectando Mulheres, Defendendo Direitos

A iniciativa da ONU Mulheres Brasil financiada pela União Europeia visa a fortalecer solidariedade, habilidades e comunicações entre as defensoras de direitos humanos para o alerta precoce e autoproteção contra ameaças e violência contra mulheres e meninas, e tem como objetivos: 1. Garantir que as defensoras de direitos humanos se beneficiem de espaços seguros para desenvolver ações coletivas, defesa e estratégias de proteção em todas as regiões do país; e 2. Influenciar o alcance público para abordar estereótipos prejudiciais e discurso de ódio.

Por Lis V. Santos.