ONU Mulheres participa de marco histórico para a elaboração da política de cuidados no Brasil
23.05.2023
Equipe esteve em evento de grupo de trabalho interministerial; projeto Ver-o-Cuidado, implementado em parceria de ONU Mulheres com a Prefeitura de Belém, foi apresentado
O dia 22 de maio de 2023 se tornou um marco para discussões sobre o trabalho de cuidado no Brasil. Nessa data, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) responsável por elaborar a Política Nacional de Cuidados foi oficialmente lançado, no auditório do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), em Brasília. O evento de lançamento contou com a presença de diversas autoridades governamentais, representantes de organizações da sociedade civil e de agências do Sistema das Nações Unidas no Brasil. A ONU Mulheres participou do evento reforçando a importância da pauta e foi acompanhada por representantes da Prefeitura de Belém, que apresentaram o projeto Ver-o-Cuidado, que é realizado em parceria com a entre as duas instituições, com apoio da Open Society Foundations.
A cerimônia de abertura do evento contou com a presença das ministras e ministros Wellington Dias (MDS), Cida Gonçalves (do Ministério das Mulheres), Esther Dweck (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), Anielle Franco (Ministério da Igualdade Racial) e Silvio Almeida (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania). As autoridades representam cinco das 20 instituições do governo federal que integram o GTI. Também compuseram a mesa que oficializou o lançamento do grupo interministerial, a Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Kátia Schweickardt; a Secretária Nacional de Cuidados e Família do MDS, Laís Abramo; a Secretária Nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane Silva; a chefe de gabinete do Ministério do Trabalho e Emprego, Lene Gonçalves e a coordenadora geral da Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista.
Coordenado conjuntamente pelo MDS e pelo Ministério das Mulheres, o GTI será responsável pela formulação de um diagnóstico dos programas e os serviços de cuidados já existentes no país para, posteriormente, elaborar propostas para a Política Nacional de Cuidados e para o Plano Nacional de Cuidados. “Consideramos a criação dessa política como parte do sistema de proteção social do Brasil e como base de um Estado de bem-estar social fundamental para que realmente possamos avançar rumo a uma sociedade mais democrática, mais igualitária aonde as desigualdades de gênero, raça e etnia, território e idade sejam realmente pensadas como eixos estruturantes”, disse a secretária Laís Abramo ao abrir a agenda do dia.
Inter-relação – Para o desenho da Política Nacional de Cuidados, o grupo de trabalho irá atuar de forma intersetorial e interfederativa, por isso o entendimento da necessidade do envolvimento de diferentes instituições do governo federal que incluem não só ministérios, mas também órgãos públicos. Além disso, o GTI irá envolver representantes do poder legislativo, de organizações da sociedade civil, da academia, de organizações internacionais – como ONU Mulheres, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) -, entre outros. Para a secretária Rosane Silva, o trabalho de observação começa no próprio país e tem como centralidade as mulheres. “Será um grande desafio construir essa política olhando não somente as experiências internacionais, mas olhando em especial a nossa experiência local, a realidade do nosso país, sabendo que a maioria das pessoas que realizam o cuidado no nosso país são mulheres, em especial, mulheres negras”, destacou.
O valor e o peso da escuta das mulheres nesse processo foram reforçados pela ministra Cida Gonçalves. “Temos escutado as mulheres brasileiras de diferentes idades, territórios, de movimentos sociais, sindicais, as mulheres das comunidades rurais. Temos visto no dia a dia o que já está confirmado em números. Apesar de ser uma demanda de todos e de todas, a responsabilidade pelo cuidado é distribuída de forma desigual na sociedade brasileira, deixando a maior parte para as famílias e, especialmente para as mulheres”, afirmou.
De acordo com o ministro Wellington Dias, a política de cuidados é uma prioridade para o Brasil. “Não há uma política mais humana do que a política de cuidados. O Brasil quer se somar a outros países do mundo para que também possamos pautar essa temática no mundo, fazendo o nosso dever de casa”, disse.
Considerando a amplitude do tema de cuidados, para balizar o início da construção da política nacional, o GTI definiu como entendimento que cuidados são as atividades realizadas para o sustento da vida e bem-estar das pessoas. Partindo da observação da atual organização social dos cuidados, em que as famílias são as principais responsáveis pelas tarefas de cuidado, o que sobrecarrega especialmente as mulheres, o grupo de trabalho do governo federal definiu que os públicos-alvo prioritários para construção dessa política serão as crianças e adolescentes (em especial a fase da 1ª infância), pessoas idosas, pessoas com deficiência e trabalhadoras e trabalhadores do cuidado.
Mesas temáticas – O lançamento do grupo de trabalho foi também uma oportunidade fortalecer o debate sobre os caminhos para construção de uma sociedade dos cuidados, partindo da dicussão sobre trabalho de cuidado e a economia do cuidado. Foi nessa perspectiva que Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres no Brasil, falou durante a mesa “A importância de políticas de cuidados para o Brasil”. Anastasia apresentou, entre outras informações, os principais dados de impacto gerados pela desigual organização social do cuidado.
Se somarmos o número de horas de trabalho não remunerado realizado no mundo em um dia, o total seria equivalente a dois bilhões de pessoas no mundo todo, por oito horas por dia, realizando um trabalho invisível sem qualquer tipo de remuneração. Anastasia lembrou que no Brasil, as desigualdades incidem majoritamente sobre as mulheres negras e das camadas mais pobres da população.
A representante ainda reforçou a disposição da ONU Mulheres em colaborar com os trabalhos desenvolvidos pelo GTI, que considera, entre outras experiências, a identificação de soluções locais adaptadas às necessidades do Brasil. É o caso da parceria com a Prefeitura de Belém, apoiada pela Open Society Foundations. “No Brasil, Belém do Pará é o primeiro município que assumiu um compromisso e onde temos pilotado uma iniciativa para construir caminhos para um sistema de cuidados integrados. Acreditamos que as políticas municipais que estamos desenvolvendo em Belém não serão apenas um complemento aos esforços feitos em nível federal, mas também serão um meio de implementação local da Política Nacional”, frisou Anastasia.
Foi o compartilhamento de experiência para a construção de uma política de cuidados a nível municipal e a troca aprendizados e lições que levaram representantes do GTI até Belém em abril, para conhecer o projeto Ver-o-Cuidado, citado por Anastasia. A visita contou com momentos de relatos da experiência do projeto, que conta com um modelo de gestão compartilhada interinstitucional , além de momentos de conversas sobre políticas de cuidado com representantes das diversas instituições governamentais envolvidas e moradoras das regiões das Ilhas de Belém. Partindo dessa troca, as representantes do projeto foram convidadas para dividirem os relatos dessa construção durante o lançamento do grupo de trabalho interministerial.
Nesse contexto, a exposição ocorreu durante a tarde, com a apresentação entitulada “A construção da Política de Cuidados em Belém do Pará”. Sandra Valente, diretora geral da Fundação Papa João XXIII (Funpapa) e Georgina Galvão, coordenadora do Banco do Povo de Belém, integrantes do comitê gestor do Ver-o-Cuidado, realizaram a apresentação, representando o projeto e a prefeitura de Belém. As pessoas presentes no auditório e que acompanhavam a transmissão pelo Youtube puderam conhecer mais sobre a trajetória dessa construção para a consolidação de uma política de cuidados na capital paraense. De acordo com informações apresentadas, as mulheres formam a maioria da população de Belém, mas ainda figuram como menor força de trabalho remunerado na economia local dada a dificuldade em conciliar as atividades domésticas e os cuidados com a casa e com os filhos com trabalho remunerado.
“Participar desse momento foi de extrema importância, pois conseguimos visualizar questões e dados que mostram que estamos no caminho certo, em consonância do que é pensado para uma política de cuidados. Trouxemos nossa experiência, fizemos conexões e mostramos o nosso comprometimento com o tema”, disse Sandra Valente.
Já a experiência da América Latina foi abordada por Maria Lucía Scuro, Oficial Superior de Assuntos Sociais da divisão de assuntos de gênero da Cepal. A oficial apresentou dados da publicação “A Sociedade do Cuidado: horizonte para uma recuperação sustentável com igualdade de gênero”, em que constam reflexões e discussões sobre o cuidado, ocorridas durante a XV Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, realizada em novembro de 2022, em Buenos Aires.
Representando as vozes de milhares de mulheres brasileiras, Luíza Batista, coordenadora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), falou sobre a necessidade de olhar para as trabalhadoras do cuidado. “Sempre estivemos na invisibilidade, estar hoje aqui significa que nossa luta não foi em vão. Somos as principais responsáveis pelo cuidado. Se nós temos essa importância na vida das pessoas, por que não valorizar?”, indagou. Na abertura do evento, os ministérios presentes assinaram um protocolo de intenções com a Fenatrad com o objetivo de elaborar um programa de ampliação de escolaridade e qualificação das trabalhadoras domésticas.
Primeira reunião – Na tarde do dia 22 de maio, o GTI realizou sua primeira reunião oficial. Restrita a membros integrantes do grupo de trabalho, a primeira do encontro contou com a participação de ouvintes convidadas, entre elas equipes da ONU Mulheres e do projeto Ver-o-Cuidado. Na oportunidade, Ana Carolina Querino, representante adjunta de ONU Mulheres, apresentou detalhes da publicação “Rumo à construção de sistemas integrais de cuidados na América Latina e no Caribe: Elementos para sua implementação”, em que destacou os principais elementos que necessitam ser considerados para a implementação de um sistema integral de cuidados.
Um dos pontos observados por Ana Carolina Querino foi o da importância da articulação interinstitucional para a construção desse sistema que deve, primordialmente, considerar a lógica da necessidade das pessoas. A representante adjunta celebrou a oportunidade de a ONU Mulheres participar desse momento e reforçou a crença de os esforços conjuntos resultarão em muitos frutos para a sociedade.
Ver-o-Cuidado – O projeto Ver-o-Cuidado é uma parceria entre ONU Mulheres, Prefeitura de Belém (PA) e Fundação Papa João XIII (Funpapa), com apoio da Open Society Foundations, que tem por objetivo estabelecer um piloto de Sistema Municipal de Cuidados no município. Iniciado em maio de 2022, o projeto é desenvolvido em duas frentes. A primeira tem como foco o apoio à gestão municipal e às instituições públicas na elaboração e implementação desse sistema de cuidado. A segunda busca alcançar as trabalhadoras do cuidado, remuneradas ou não, atuando no desenvolvimento de suas capacidades nos aspectos pessoais e profissionais, para que acessem trabalho decente e autonomia econômica.
A iniciativa é conduzida por um comitê gestor do qual fazem parte 12 organizações: Fundação Papa João XIII (Funpapa), Secretaria Municipal de Administração da Prefeitura de Belém (Semad), Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec), Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), Banco do Povo de Belém, Coordenadoria da Mulher de Belém (Combel), Coordenadoria Antirracista (Coant), Coordenação das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Copsan), Coordenadoria da Diversidade Sexual (CDS), Coordenadoria de Comunicação Social de Belém (Comus), Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Município de Belém (Iasb) e ONU Mulheres.