Novo relatório mostra como o feminismo pode ser uma ferramenta poderosa para combater as mudanças climáticas
06.03.2024
Até 2050, as mudanças climáticas podem levar mais 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza e fazer com que 236 milhões enfrentem mais insegurança alimentar. A crise climática provoca aumentos nos conflitos e migração, bem como retórica política anti-direitos e excludente, visando mulheres, refugiados e outros grupos vulneráveis.
Essas tendências alarmantes — e maneiras de reverter isso — estão mapeadas em um novo relatório da ONU Mulheres intitulado “Justiça climática feminista: Um modelo para ação” (original em inglês).
O relatório mostra como as mudanças climáticas amplificam crises ao redor do mundo, que vão desde a desigualdade econômica até o impasse geopolítico, todas com impactos desproporcionais sobre mulheres e meninas. Ele aponta uma visão clara de justiça climática feminista, que integre os direitos das mulheres na luta global contra a catástrofe ambiental.
A visão para a justiça climática feminista é um mundo no qual todos possam desfrutar da gama completa de direitos humanos, livres de discriminação, e florescer em um planeta que seja saudável e sustentável. O relatório decompõe essa visão nos quatro Rs:
Reconhecer os direitos, o trabalho e o conhecimento das mulheres
As políticas devem reconhecer que as mulheres podem oferecer conhecimentos e experiências únicas — incluindo entre as populações indígenas, rurais e jovens — que podem ser usadas para apoiar uma ação climática eficaz.
Mulheres e meninas ao redor do mundo estão na vanguarda do ativismo climático e usam uma variedade de métodos para proteger o meio ambiente e se opor a projetos de extração prejudiciais. Agricultoras também formaram cooperativas e grupos para compartilhar suas cargas de trabalho e aumentar sua produtividade e renda.
As políticas públicas devem expandir esses sucessos, ao mesmo tempo em que reconhecem que as mulheres assumem responsabilidades desproporcionais de cuidado, possuem menos recursos econômicos que os homens e têm níveis mais baixos de alfabetização e acesso à tecnologia. As mudanças climáticas exacerbam essas desigualdades.
Alguns fatores agravam o fardo existente do cuidado familiar não-remunerado: a alta nos preços dos alimentos devido a colheitas ruins, ou o aumento nas necessidades de saúde dos membros da família em meio à alta das temperaturas. Meninas têm mais probabilidade de abandonar a escola em áreas propensas à seca. Os governos devem garantir que as necessidades e direitos das mulheres e meninas sejam integrados às políticas sobre resposta a desastres, violência de gênero, produção de alimentos, economia, discriminação social e outros tópicos que atravessam a crise climática.
Redistribuindo recursos econômicos
O relatório diz, ainda, que reverter as mudanças climáticas exigirá retirar recursos de atividades extrativas e ambientalmente prejudiciais e realocar naquelas que priorizam o cuidado com as pessoas e o planeta.
As políticas devem garantir que a transição para uma economia verde ajude as mulheres no acesso a oportunidades de emprego, terra, educação e tecnologia. Sistemas de proteção social com financiamento público devem apoiar o bem-estar econômico e social das mulheres e meninas e sua resiliência, à medida que as mudanças climáticas avançam.
Por exemplo, programas de alimentação escolar são capazes de aliviar parte do trabalho de cuidado não remunerado das mulheres, fornecendo comida nutritiva às crianças, além de apoiar a política climática feminista, adquirindo refeições de pequenas agricultoras ambientalmente responsáveis.
Representando as vozes e a agência das mulheres
Defensoras dos direitos humanos das mulheres, grupos feministas e outros que defendem uma abordagem sensível ao gênero para as mudanças climáticas devem ser integrados à formulação de políticas públicas ambientais em todos os níveis.
Atualmente, as mulheres estão sub-representadas em ministérios de proteção ambiental no nível nacional. Enquanto a participação das mulheres nas delegações nacionais para as conferências climáticas COP da ONU aumentou de 30% para 35% entre 2012 e 2022, a proporção de delegações lideradas por mulheres diminuiu ligeiramente, de 21% para 20% no mesmo período.
Um exemplo promissor dado no relatório é La Via Campesina, uma organização global que representa cerca de 200 milhões de agricultores, trabalhadores rurais e camponeses. Mulheres e pessoas com identidades de gênero diversas estabeleceram uma Assembleia das Mulheres dentro da organização, que trabalha para garantir paridade de gênero, integra uma abordagem baseada em gênero às demandas do grupo e as capacita na tomada de decisões sobre sistemas alimentares e clima em todos os níveis, desde comunidades locais até o Sistema ONU.
Reparando desigualdades e injustiças históricas
Os compromissos financeiros para combater as mudanças climáticas devem focar nas pessoas e países em maior risco. Responder à crise climática exigirá abordar desigualdades existentes e injustiças históricas.
Um exemplo é a questão da dívida climática: o fato de que, desde 1850, os países do Norte global foram responsáveis por 92% das emissões excessivas do mundo. Para abordar esse desequilíbrio, o relatório convoca os países ricos a cumprirem seus compromissos de financiar programas climáticos e garantir que os fundos cheguem aos países mais vulneráveis e às organizações femininas de base.
Embora um fundo de perdas e danos tenha sido aprovado na COP em 2022, as contribuições são voluntárias e nenhum mecanismo foi estabelecido para responsabilizar os países ricos por danos ambientais históricos e suas consequências, como a perda de terras, habitação e colheitas devido a eventos climáticos extremos.
No entanto, reparações financeiras são apenas uma parte do programa. Países ricos também precisam encontrar respostas para as consequências não-econômicas das mudanças climáticas, como o aumento dos níveis de violência baseada em gênero e trabalho de cuidado não remunerado, e o deslocamento de pessoas de suas terras ancestrais resultando em perda de patrimônio cultural e conhecimento.
O que vem a seguir
A conferência climática COP28, que inaugura a Avaliação Global, é um marco crucial para responsabilizar os países por suas ações climáticas.
Nessa conferência, bem como em todos os outros espaços onde as políticas climáticas são discutidas e implementadas, líderes e formuladores de políticas devem garantir que suas respostas aos desafios ambientais também integrem as necessidades e direitos das mulheres e meninas do mundo.
Trabalhando com parceiros, ONU Mulheres planeja desenvolver uma nova ferramenta, o quadro de avaliação de políticas climáticas e igualdade de gênero, para monitorar sistematicamente as políticas climáticas nacionais sensíveis ao gênero, o que criará uma base sólida para futuras políticas climáticas inclusivas de gênero.
As recomendações no relatório de Justiça Climática Feminista são apenas os primeiros passos em direção a respostas climáticas globais que incorporam políticas sensíveis ao gênero. É essencial que os objetivos feministas continuem sendo integrados à resposta mundial à crise climática.