No Brasil, venezuelanas encontram oportunidades para empreender e entrar formalmente no mercado de trabalho
01.05.2021
Por meio de projeto de agências da ONU e de parcerias com setor privado e com organizações da sociedade civil, migrantes e refugiadas têm acesso a cursos, treinamentos e mentorias para alcançar independência financeira
Com a pandemia de COVID-19, o ano de 2020 bateu recorde histórico de desemprego em 20 estados do Brasil, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Roraima, 16,4% da população encerraram o ano sem emprego – fato com maior incidência entre mulheres e pessoas com menos escolaridade. Muitas dessas pessoas desempregadas no estado são refugiadas e migrantes vindas da Venezuela. Mas esse cenário tem sido diferente para muitas delas que encontraram em iniciativas de agências das Nações Unidas uma possibilidade para geração de renda e independência financeira.
Desde 2019, ONU Mulheres, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com financiamento do Governo de Luxemburgo, atuam em Roraima por meio do programa conjunto Liderança, Empoderamento, Acesso e Proteção para mulheres migrantes, solicitantes de refúgio e refugiadas no Brasil (LEAP). Uma das frentes do programa é o empoderamento econômico de mulheres venezuelanas por meio de treinamentos para empreendedorismo e ingresso no mercado de trabalho. Até agora, apenas por meio de ONU Mulheres, cerca de 1.200 mulheres foram alcançadas por cursos e oficinas. Dessas, 250 conseguiram ser interiorizadas para outros estados para acessar vagas de emprego formal e outras 325 receberam incentivo econômico para iniciar o próprio negócio.
“A partir do LEAP, temos trabalhado ao lado de diferentes organizações para apoiar mulheres refugiadas e migrantes, desde a identificação daquelas que estão enfrentando grandes dificuldades até o acompanhamento nos cursos e treinamentos, abertura de pequenos negócios ou ingresso no mercado formal de trabalho. Para isso, atuamos com setor público e privado e com a sociedade civil, em uma rede de empoderamento e de oportunidades para essas mulheres que escolheram o Brasil para recomeçarem suas histórias”, afirma a gerente de Empoderamento Econômico em Ação Humanitária da ONU Mulheres em Roraima, Flávia Muniz.
Cursos, mentorias e incentivos ao empreendedorismo – Yohatzi é uma dessas mulheres. Aos 36 anos, a venezuelana vive em Boa Vista com três filhos – de 13, 11 e sete anos de idade. Até o ano passado, a renda da família era gerada por faxinas, venda de artesanatos e trabalhos como manicure e pedicure. Em 2021, ela tem buscado oportunidades para aumentar a produção de artesanato e investir no próprio negócio. Para auxiliá-la nessa empreitada, ela foi convidada pela ONU Mulheres a participar de mentorias voltadas para venezuelanas refugiadas e migrantes em Boa Vista, como parte das atividades desenvolvidas pelo programa LEAP.
A primeira mentoria de Yohatzi aconteceu no dia 30 de março. Foi também na última semana do mês que ela recebeu a primeira parte do incentivo financeiro do programa LEAP para iniciar o próprio negócio. No total, serão três pagamentos no valor de R$ 740, para que ela consiga também acompanhar os três meses de mentoria. Ao final do curso, o programa ainda irá subsidiar com o valor de R$ 2 mil, para que ela possa investir no pequeno negócio de artesanato.
“Para mim, é muito importante esse curso e esse incentivo, porque permitem que cada mulher que participa possa ser um pouco mais independente. Não podemos ficar esperando, porque as vagas de emprego são muito escassas. A maioria das pessoas está parada, as mulheres estão paradas. Então esse curso chega para que cada mulher possa empreender, ter seu próprio negócio, possa usar sua criatividade e seguir adiante com sua família”, comemora Yohatzi. “Com o incentivo, ter o próprio negócio se torna possível mais rapidamente. Em meu caso, a maioria dos materiais não são encontrados aqui, tenho que comprar em outro estado. Então, com o que já consegui comprar, e com o que estou aprendendo, posso ir começando pouco a pouco”, completa.
A mentoria para o empreendedorismo da qual Yohatzi participa é oferecida por meio de parceria com o Senac Roraima. Para a coordenadora dos cursos de Gestão, Comércio e Comunicação, Bárbara Carvalho, a parceria com ONU Mulheres, a partir do programa LEAP, é um passo importante para que os pequenos negócios abertos por essas mulheres refugiadas e migrantes prosperem e lhes garantam maior independência. “A mentoria ajuda essas mulheres a construir um plano de negócios a partir de um conhecimento que elas já possuem, de uma habilidade que elas já têm, para que ela transforme isso em uma fonte de renda”, explica.
Além da preparação para a abertura do próprio negócio, a parceria com o Senac Roraima também oferece opções para aquelas mulheres que preferem se capacitar para o mercado de trabalho. “A parceria oferece diversos cursos, como promotoras de vendas, desenvolvimento profissional, operadora de caixa, excelência no atendimento ao cliente. São diversos títulos que vão capacitar essas migrantes venezuelanas para que elas consigam se inserir no mercado de trabalho, conquistando a independência financeira e trabalhando a autoconfiança e a autoestima dessas mulheres”, explica a coordenadora do Senac Roraima. “Seja prestando serviço para uma empresa, sendo contratada, seja como autônoma, empreendendo no mercado local, são diversas possibilidades de elas alcançarem essa independência profissional”, completa.
Portas abertas no mercado formal de trabalho – Outra parceria no âmbito do programa LEAP que tem garantido emprego formal a refugiadas e migrantes venezuelanas é com o projeto Empoderando Refugiadas – uma iniciativa conjunta da ONU Mulheres, ACNUR e Rede Brasil do Pacto Global. Há cinco anos, o Empoderando Refugiadas oferece cursos e treinamentos para mulheres refugiadas e migrantes ao mesmo tempo que mobiliza o setor privado e organizações para oferecer vagas formais de emprego.
“Nestes cinco anos, já mobilizamos mais de 300 organizações do setor privado e terceiro setor para engajamento à causa. A maioria das empresas que apoia o projeto está comprometida com a iniciativa desde a primeira edição porque entendem a relevância, se identificam com a proposta e veem os resultados deste envolvimento no ambiente de trabalho”, afirma Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global.
É por meio do Empoderando Refugiadas que Carmen, de 50 anos, está recomeçando a vida no Brasil. Mãe de uma menina de 19 anos e de um menino de sete, ela chegou sozinha a Roraima no fim de 2018. O maior objetivo era conseguir se estabelecer financeiramente e trazer a família para o Brasil – e conseguir dar mais atenção à filha, que, assim como Carmen, tem nanismo e necessita de cuidados médicos que não são possíveis de alcançar na Venezuela atualmente.
“Soube do curso quando eu estava morando em um abrigo em Boa Vista. O coordenador do abrigo disse para eu participar, para eu ter mais oportunidades de trabalho e conseguir um futuro melhor”, lembra Carmen. “No Empoderando Refugiadas, aprendi a me relacionar melhor. E pude ver que não é porque tenho uma deficiência que eu não posso ter um bom futuro. Vi que posso trabalhar, que não tenho limitação para isso. Até então, eu achava que não iria conseguir emprego no Brasil, por minha estatura e por minha idade. Mas consegui, e agradeço às agências da ONU e ao Empoderando Refugiadas por isso”, comemora.
Atualmente, Carmen mora em São Paulo e trabalha em um shopping, no atendimento a clientes. Ela conseguiu o emprego também por meio do Empoderando Refugiadas, e optou por participar da interiorização já com uma vaga de trabalho. Com a pandemia e o comércio temporariamente em São Paulo, ter a carteira assinada lhe garante um salário e certa estabilidade. “Estar em São Paulo tem uma importância muito grande para mim, porque é uma cidade muito grande, com grandes centros comerciais, muita gente, muitos bairros. Estou trabalhando em um shopping muito luxuoso, nunca pensei que trabalharia em um lugar assim. Por isso a importância do curso, para eu estar aqui. Vim com um trabalho seguro, consigo mandar dinheiro a meus filhos. E agora quero trazer os dois, para que sigam estudando e conseguirmos ter um futuro melhor, como família”, planeja.
Para a gerente de Empoderamento Econômico em Ação Humanitária da ONU Mulheres em Roraima, Flávia Muniz, são resultados como os refletidos na vida de Carmen e Yohatzi que reforçam a importância da atuação em rede. “Por meio do LEAP, temos o objetivo de alcançar 1500 mulheres com cursos e treinamentos para empreendedorismo e para o mercado de trabalho até junho de 2021. Em um momento de pandemia, sabemos que o peso do desemprego e da falta de oportunidades tem afetado com mais força as pessoas que já viviam em situação de vulnerabilidade, como refugiadas e migrantes. Oferecer oportunidades de desenvolvimento e de autonomia para essas mulheres é um passo importante em nossa meta de não deixar ninguém para trás”, ressalta.
Sobre o programa conjunto LEAP – Conduzido pela ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA, o programa conjunto LEAP foi assinado em 2018 e está em implementação desde 2019. O programa se estabelece em três frentes: Liderança e Participação, Empoderamento Econômico, e Fim da violência contra mulheres e meninas. Junto com o Sistema das Nações Unidas no Brasil, organizações da sociedade civil e ONGs envolvidas na resposta humanitária, o LEAP busca o fortalecimento e coordenação de atores humanitários e poder público, o desenvolvimento de capacidades de organizações locais e a criação de espaços seguros, positivos e de resiliência para mulheres migrantes e refugiadas conseguirem a boa convivência com as comunidades locais. Dentro do cenário da pandemia de COVID-19, também tem oferecido apoio a mulheres líderes comunitárias, migrantes e brasileiras. Junto a instituições de ensino, ao Governo Federal por meio da Operação Acolhida, e com o engajamento do setor privado, o programa LEAP também promove ações a integração socioeconômica de migrantes e refugiadas venezuelanas. As atividades incluem qualificação profissional, auxílio financeiro, mentoria, apoio a grupos de mulheres empreendedoras e busca ativa por vaga formais de trabalho.