Mulheres refugiadas e migrantes venezuelanas no Brasil demandam capacitação e oportunidades de trabalho
22.12.2021
Em missão a Roraima para marcar início de novo programa conjunto, ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA, com apoio do Governo de Luxemburgo, ouviram sobre principais desafios enfrentados pela população refugiada e migrante para integração socioeconômica no país; ações conjuntas seguem até 2023
A integração socioeconômica da população refugiada e migrante vinda da Venezuela para o Brasil depende de oportunidades e condições de trabalho mais igualitárias entre homens e mulheres. Esta é a principal indicação feita por mulheres venezuelanas à comitiva que viajou a Roraima na primeira semana de dezembro de 2021 para marcar o início das atividades do programa conjunto Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil. O programa começou a ser implementado em setembro por ONU Mulheres, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), com o apoio do Governo de Luxemburgo, e segue até dezembro de 2023.
A falta de oportunidades indicada pelas mulheres venezuelanas é percebida tanto em vagas de emprego em Roraima quanto em outros estados, sinalizadas no processo chamado de Estratégia de Interiorização – a qual se refere à transferência voluntária de pessoas refugiadas e migrantes, que estão em Roraima, para outros estados. Pesquisa realizada pelas três agências indica que homens têm três vezes mais acesso a vagas de emprego que mulheres após a interiorização. Uma das consequências dessa desigualdade é vista no grande número de mulheres que permanecem com crianças em Roraima, enquanto homens seguem sozinhos para outras regiões do Brasil.
É o caso de Johandri. Aos 28 anos, ela está desempregada e espera, junto dos três filhos pequenos, uma oportunidade para ir para Curitiba (PR), onde o marido conseguiu uma vaga de emprego por meio da interiorização, há cerca de dois meses. Ela chegou em Roraima em 2018 e, em todo esse tempo, não conseguiu um emprego formal. “Na Venezuela, trabalhei por quatro anos em uma loja, com atendimento ao cliente. Minha experiência não conta aqui. Além disso, há poucas vagas de emprego em Roraima. Os empregos que conseguimos é de faxina, por R$ 40 ou R$ 30 a diária. Mas isso é muito pouco, porque, se trabalho, tenho que pagar alguém para cuidar da minha filha menor”, conta.
Assim como Johandri, milhares de mulheres venezuelanas esperam por oportunidades que lhes permitam autonomia financeira e desenvolvimento profissional no Brasil. Cientes dessa demanda, ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA, com o apoio do Governo de Luxemburgo, uniram esforços no Programa Conjunto Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil. “O objetivo geral do nosso programa é garantir que políticas e as estratégias de empresas e de instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos das mulheres e as oportunidades de desenvolvimento de todas as mulheres venezuelanas no Brasil”, ressalta a representante da ONU Mulheres Brasil, Anastasia Divinskaya.
Foco no empoderamento econômico – Este é o segundo programa conjunto entre as três agências da ONU no Brasil, com o apoio de Luxemburgo. A parceria anterior, implementada entre 2019 e 2021, alcançou mais de 18 mil mulheres com informação e acesso a mecanismos de proteção, cerca de 3 mil mulheres com inciativas de empoderamento econômico, e mais de 4 mil mulheres puderam participar da construção da estratégia e das ações de resposta ao fluxo venezuelano no Brasil.
“A Cooperação de Luxemburgo para o Desenvolvimento decidiu apoiar um novo programa com as três agências, sob a liderança de ONU Mulheres, com o suporte de ACNUR e UNFPA, em favor do empoderamento de mulheres, igualdade de gênero e direitos humanos para mulheres, crianças e migrantes. Estes são temas extremamente importantes para Luxemburgo, somos um país aberto para pessoas refugiadas e migrantes e apoiamos a solidariedade internacional nesse campo. E esse projeto é parte de nossa política geral, não apenas para mulheres, mas todas as pessoas refugiadas. E, é claro, faz parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, aos quais aderimos”, destaca o embaixador de Luxemburgo para o Brasil, Carlo Krieger, que acompanhou a missão a Roraima.
O objetivo geral do programa é garantir que políticas e estratégias de empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento para venezuelanas refugiadas e migrantes. Entre as metas até 2023 estão o desenvolvimento de ao menos 15 planos de ação para o empoderamento econômico de mulheres refugiadas e migrantes por empresas e organizações apoiadas pelo programa, além da capacitação de 15 mil mulheres venezuelanas refugiadas e migrantes em temas de empreendedorismo, trabalho autônomo, educação financeira, com acesso a oportunidades no mercado laboral e beneficiadas com transferências financeiras.
O programa conjunto visa alcançar mais de 3 mil mulheres e meninas venezuelanas refugiadas e migrantes no apoio ao acesso a serviços de resposta à violência de gênero. E, junto a organizações e governos, pretende fortalecer as capacidades de 6 mil profissionais de instituições envolvidas na resposta humanitária para prevenir e responder casos de exploração, abuso e assédio sexual.
“Acreditamos que a resposta mais eficaz em qualquer situação de vulnerabilidade, de emergência, é aquela realizada em conjunto. Cada agência possui as suas potencialidades que, se trabalhadas de forma coordenada e harmônica, junto ao poder público e atores da sociedade civil, levam ao sucesso”, assinala a oficial associada de Relações Externas no ACNUR, Chiara Orsini.
Ações integradas – A nível nacional, as três agências atuam junto à Operação Acolhida, uma força-tarefa executada e coordenada pelo governo federal para assistência emergencial a pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas que entram no Brasil pela fronteira com Roraima. É por meio da Operação Acolhida que essas pessoas podem ser transferidas voluntariamente para outros estados, no processo de interiorização.
“No contexto da Operação Acolhida, esse projeto de empoderamento das mulheres refugiadas e migrantes é fundamental, porque estamos dando capacidade às mulheres venezuelanas para que sejam interiorizadas dignamente, retomem sua esperança e sejam incluídas na nossa sociedade, com inclusão socioeconômica”, afirma o comandante da Operação Acolhida, General Sérgio Schwingel.
Regionalmente, o programa conjunto também atua com o governo de Roraima, em especial por meio de programas voltados às mulheres. Segundo a secretária do Trabalho e do Bem-Estar Social de Roraima (SETRABES), Tania Soares, mulheres venezuelanas representam atualmente 30% dos atendimentos de proteção contra a violência realizados na Casa da Mulher Brasileira, e 10% das famílias atendidas pelo programa estadual de segurança alimentar e nutricional.
“Em todos os programas que executamos, por meio do governo do Estado, existe a presença significativa da população migrante. Essa aproximação com o programa e com as agências da ONU fortalece as organizações para desenvolver cada vez iniciativas dentro dessa política voltada para as mulheres, não só no enfrentamento à violência, mas também no empoderamento econômico, e isso tem sido extremamente positivo”, reforça.
Demandas específicas de mulheres – A representante do UNFPA, Astrid Bant, considera a importância de se trabalhar ambas as pautas – empoderamento econômico e eliminação da violência contra mulheres. Ela ressalta que mulheres e meninas em contextos de deslocamento forçado se encontram em situação de maior vulnerabilidade, e que é necessária a atuação conjunta para garantir o acesso a serviços essenciais, como proteção, saúde e assistência social.
“Para que mulheres refugiadas e migrantes possam alcançar a independência financeira, a eliminação da violência é muito importante. Nesse sentido, o programa realizado pelo Fundo de População com o ACNUR e a ONU Mulheres, e financiado pela Embaixada de Luxemburgo, é fundamental para potencializar ações que visam empoderar essas mulheres. Elas precisam ter acesso às informações sobre onde e como buscar apoio em casos de violência, quais são seus direitos no Brasil e como o Estado brasileiro pode protegê-las em casos graves de violência”, completa.
Demandas específicas também foram apontadas durante reunião da comitiva com lideranças indígenas das etnias Warao e Eñapá, em especial no reconhecimento como povos indígenas e no acesso a locais onde possam se estabelecer. “Indígenas não têm fronteiras. Somos indígenas caribenhos latino americanos. Somos migrantes e também temos direitos. Queremos acesso à saúde, à educação. E são esses os desafios que encaramos nesse momento”, frisa Alexandrina, de 70 anos, liderança Warao.
“Muito de nossa cultura indígena se parece com a cultura indígena brasileira, mas temos outra cultura. Não somos povos originários de Brasil, mas buscamos uma terra, um local onde possamos viver com tranquilidade. Temos direitos internacionais de povos indígenas, temos direitos como pessoas refugiadas. Temos direitos e precisam que os respeitem”, completa Carlina, 32 anos, liderança Warao.
Missão conjunta – A missão conjunta a Roraima aconteceu entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro de 2021 e envolveu equipes da ONU Mulheres, do UNFPA e do ACNUR, que acompanharam o embaixador do Grão-Ducado de Luxemburgo no Brasil, Carlo Krieger. A missão marcou o início dos trabalhos do Programa Conjunto Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil.
Durante os três dias da missão a Roraima, a comitiva se reuniu com autoridades locais, com a coordenação da Operação Acolhida e com mulheres venezuelanas que têm assumido o papel de liderança em comunidades – inclusive mulheres indígenas, de diferentes etnias.
Confira, no vídeo a seguir, um pouco mais sobre como foi a missão conjunta a Roraima: