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Brasil

Mulheres estimulam produção literária e preservação das línguas indígenas



05.05.2022


Pelo protagonismo de escritoras indígenas, coletivo “Mulherio das Letras Indígenas” articula produção de conto, poesia e prosa como forma de expressão artística e cultural dos povos indígenas no país 

 

Mulheres estimulam produção literária e preservação das línguas indígenas/noticias mulheres indigenas

Eva Potiguara é uma das articuladoras do “Mulherio das Letras Indígenas”, que estimula a escrita entre mulheres indígenas Brasil afora
Foto: ONU Mulheres/Webert da Cruz

 

Valorizar o patrimônio linguístico dos povos indígenas em todo o mundo é um dos propósitos da Década Internacional das Línguas Indígenas, celebrada entre os anos de 2022 e 2032, por iniciativa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a  Cultura). No Brasil, a população indígena é estimada em 896 mil pessoas, de 305 etnias e 274 idiomas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

Muitos desafios podem ser enfrentados ao longo dos próximos dez anos, a exemplo do fortalecimento da produção literária dos povos indígenas. Eva Potiguara, escritora indígena e professora de Artes da Faculdade de Pedagogia da Instituto Superior de Formação de Professores, no Rio Grande do Norte, conta como surgiu o projeto “Mulherio das Letras Indígenas”, que visa agregar, Brasil afora, escritoras e autoras indígenas.  

“Mulherio das Letras Indígenas” veio para ampliar o nosso lugar de voz, dando prioridade às mulheres, porque o machismo e a misoginia são muito fortes. O machismo ainda diz que mulher não escreve. Lugar de mulher não é na escrita”, disse Potiguara. A origem da iniciativa, segundo ela, decorreu da “preocupação de escritoras pela invisibilidade e também negligência com a produção das mulheres indígenas de um modo geral. Sabemos que há leis que orientam a prioridade da literatura indígena nas escolas, mas fica no papel. Há uma questão racista: é como se indígena não escrevesse. Então, mulher indígena não escreve. Outro ponto falso é que o indígena apenas se limitou a uma produção oral. Por uma necessidade de se colocar, o indígena teve que aprender Português. Teve de aprender a mexer com câmeras fotográficas, smarthphones. Tudo são linguagens.  A escrita está no bojo das nossas necessidades há mais de quatro séculos. Ou seja, desde que o homem branco chegou aqui, os indígenas passaram a ser catequisados por pressão da Igreja Católica e tiveram de aprender a língua e a escrita trazidas pelo branco”, afirmou. 

A presença dos povos indígenas do Brasil nas linguagens é relembrada pela ativista, a fim de esboçar as diferentes colaborações invisibilizadas historicamente: “Esses indígenas, que aprenderam o barroco e as artes trazidas pelo branco, também foram aprendendo a se colocar no grafismo, na poética, na prosa. Contudo, esses materiais foram perdidos, queimados, extraviados, porque não eram importantes”. Eva Potiguara resgata histórico sobre a participação indígena em outros campos da vida cultural do país. “Assim como a arte indígena: só se vê o que era feito em cerâmica, madeira e pedra. Mas, existem muitos documentários sobre indígenas que já escreviam tanto homens quanto mulheres. No entanto, essas escritas foram ignoradas. Quando foi fundada a Academia de Letras do Brasil em nenhum momento pensaram nos povos indígenas. Até o nome Brasil surgiu como invenção de que ali começava o território, que era Pindorama. Então, o que existia antes não era levado em conta”, frisou.

 

Linguagens e representações – Eva Potiguara questiona a invisibilidade indígena, assinalando a presença contínua em diferentes períodos históricos e manuseio de novas tecnologias de comunicação – dos primórdios da escrita ao uso de dispositivos tecnológicos.  “Não há História. Só há Pré-História. Você não vê indígena na Arte Contemporânea. Estou falando de livros didáticos. No século 21, há muitos indígenas que escrevem e escrevem muito bem. O que escrevem? Escrevem  o que já se colocava no urucum e no jenipapo: suas dores, lutas, cosmovisões. É uma escrita feita de muita coragem, perseverança e resistência. E foi por isso que chegamos até aqui. Hoje a gente aprende o Inglês, o Espanhol e outras línguas para colocar o nosso lugar de fala em todo lugar. Se hoje temos fotógrafos, cinegrafistas, repórteres, jornalistas indígenas, é porque precisamos colocar o nosso lugar de voz”, ponderou.

De acordo com a ativista, poder, identidades e linguagens estão relacionados. “Assumir que neste país há indígenas, é assumir o direito à terra. Então, não é vantajoso dizer que o Brasil é país indígena. A nossa escrita traz as denúncias, os protestos, a dor da mulher, as memórias de nossas mães e avós estupradas. Traz o amor à natureza, a voz da Mãe Terra, da nossa Terra Pindorama, traz os quatro elementos que formam esse nosso universo”, explicou.

Entre os desafios enfrentados pelo coletivo, está o incentivo à produção literária das mulheres indígenas, inclusive diante da escassez de recursos e outras formas de linguagem. “Assumi essa articulação do “Mulherio das Letras Indígenas” com Eliana Potiguara, Telma Tremenbé, entre outras. Temos mais de 80 mulheres no nosso grupo, de 12 idiomas indígenas. Muitas vivem em áreas de retomada, têm mestrado e doutorado. E há muitas que nunca escreveram. Não tiveram o apoio para estudar. Não têm acesso à mídia de qualidade, internet, computador e impressora. Fizemos uma comissão de cunhãs escritoras para escrever por celular os poemas, os contos, as prosas com as cunhãs que não têm acesso a essas mídias”. 

Como um dos próximos projetos do “Mulherio das Letras Indígenas” está o lançamento de um e-book no Agosto Indígena. Até o momento, o projeto reúne 86 escritoras indígenas.