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Brasil

Instituto de Mulheres Negras do Amapá aposta na educação antirracista e empoderamento de meninas para enfrentar o racismo e fortalecer a II Marcha Nacional das Mulheres Negras



19.12.2023


Instituto de Mulheres Negras do Amapá aposta na educação antirracista e empoderamento de meninas para enfrentar o racismo e fortalecer a II Marcha Nacional das Mulheres Negras/violencia contra as mulheres direitos humanos direitosdasmulheres

Parceiras do Instituto de Mulheres Negras do Amapá recebem equipe de ONU Mulheres para visita de monitoramento e Ciranda das Meninas Kandengues. Foto: Lis Santos/ONU Mulheres

 “O Amapá é uma Amazônia Afro-indígena”, garante a socióloga Neucirene Almeida, vice-presidente do Instituto de Mulheres Negras do Amapá, o IMENA. Tal frase pode ser confirmada pelos dados recentes da PNAD Contínua do IBGE, que aponta em Infográficos elaborados pelo Dieese, que o Amapá é o estado com o maior número de pessoas que se autodeclaram negras no Brasil. No entanto, apesar de 82% da população se identificar enquanto negra, o IMENA questiona a falta de representatividade de autoridades e tomadores de decisão no estado, onde muitas vezes as pessoas que ocupam tais espaços não têm origem local, e não conhecem as histórias, manifestações culturais e tradicionais do estado.   

 

A presença de mulheres negras amazônidas em determinados espaços, principalmente nacionais, é bastante estratégica pois há uma especificidade intrínseca à existência da população amazônica acerca de sua relação com a natureza – do rio à chuva, passando pelas medicinas e cuidados tradicionais.  

 

“Há muitos anos falamos sobre o racismo ambiental, não com o conceito hoje difundido por especialistas acadêmicos, e comumente nos falavam que essa era uma pauta local, que não havia espaço na agenda nacional… Hoje é um dos assuntos mais debatidos e preocupantes no Brasil porque começou a afetar outras regiões e populações. Nós temos sabedoria e entendimento das nossas pautas, mas falta reconhecimento público disso”, explica Durica Almeida, coordenadora o projeto “Mulheres Negras da Amazônia em Movimento”, implementado pelo IMENA e apoiado por ONU Mulheres Brasil.  

 

O IMENA, parceiro do projeto “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, executado pela ONU Mulheres e apoiado pela União Europeia, para atuar com mulheres defensoras de direitos humanos, tem 23 anos de fundação e uma trajetória singular do campo à cidade, na atuação para defesa de direitos humanos das populações negras, no combate ao preconceito, da discriminação racial e do sexismo. 

 

Atualmente, além de compor conselhos municipais e estaduais, o Instituto de Mulheres Negras do Amapá conta com 40 associadas, trabalha em parceria com 08 organizações do Amapá, 03 da região amazônica, colabora com o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (NEAB) e, a partir da coordenação da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), movimenta um ecossistema de 57 entidades de defensoras de direitos humanos. Também compõem a rede da ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), o Grupo de Trabalho Amazônico, a Rede Fulanas, a Coalização Negra por Direitos e a Rede de Direitos Humanos. 

 

Ao longo dos últimos 23 anos, o trabalho da organização influenciou diversas políticas públicas e sempre esteve focado nas agendas de raça, gênero e primeira infância. O IMENA foi pioneiro na formação do grupo de estudos para debater temáticas da educação e relações raciais no estado do Amapá. Também foi uma das organizações responsáveis pelo grupo de trabalho que criou o Conselho Municipal da Mulher, além de ter sido o principal impulsionador da Rede de Atendimento à Mulher (RAM), uma das políticas públicas mais importantes e bem avaliadas há 10 anos, e que atua para efetivar os quatro eixos previstos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: combate, prevenção, assistência e garantia de direitos às mulheres em situação de violência.  

 

Fundado majoritariamente por educadoras, é a partir do viés pedagógico que a presidenta do IMENA, Rivanda Lina, acredita na mudança para um Brasil menos racista. “A revolução para enfrentar o racismo precisa necessariamente ser iniciada na escola. Para isso, precisamos estar com profissionais mais bem preparados para essa questão. Ou seja, que compreendam e realmente estejam comprometidos com o valor de se trabalhar a Lei 10.639, que já tem 20 anos, mas que as pessoas ainda não entenderam sua complexidade e relevância para a verdadeira mudança da sociedade racista que vivemos”, explica Rivanda, que trabalha na administração pública estadual e observa de perto como o racismo afeta gravemente crianças e adolescentes em diferentes fases escolares. A Lei Federal 10.630 estabelece diretrizes e bases curriculares da educação fundamental para incluir o ensino obrigatório da “História e Cultura Afro-brasileira” a fim de ressaltar a importância da cultura negra e africana na formação da sociedade brasileira e combater o racismo.  

Instituto de Mulheres Negras do Amapá aposta na educação antirracista e empoderamento de meninas para enfrentar o racismo e fortalecer a II Marcha Nacional das Mulheres Negras/violencia contra as mulheres direitos humanos direitosdasmulheres

Ana Carolina, 11, Maria Flor, 8 e Ana Rebeca, 14, demonstrando que a força do futuro antirracista vem da base de meninas amazônidas. Foto: Lis Santos/ONU Mulheres

Ana Carolina, de 11 anos, é neta de Goreth e sobrinha-neta de Durica Almeida, duas das fundadoras do IMENA. Ela participou da edição da Ciranda das Meninas Kandengues em Macapá, no dia 9 de dezembro, enquanto a equipe de ONU Mulheres fazia visita à organização. Ela á tem a consciência que as diversas situações de racismo que sofreu e presenciou na escola são fruto de um racismo estrutural e de uma falta de ação da coordenação da escola diante de alguns episódios.  

 

Prestes a lançar o projeto que idealizou sozinha, “Educação nas escolas: se você quer ser respeitado, respeite o outro”, Ana Carolina diz que não gosta de deixar de fazer as coisas por conta do racismo, mas sabe que muitas vezes, as violências racistas causam efeitos inclusive na saúde mental das crianças: “Eu já tive uma amiga que teve que sair da escola, porque entrou em depressão, pois todo mundo a xingava e dizia que o cabelo dela era de bombril. Os meninos também às vezes não choram e fingem que não ligam para não serem chamados de fracos, mas eu sei que eles ficam tristes quando chamam eles de macaco. Eu sei.”, lamenta a menina que sonha em ser defensora pública.  

 

A Ciranda das Meninas Kandengues realizada em Macapá foi um momento histórico para 21 meninas de Macapá e região, com idades de 8 a 15 anos. A ocasião foi uma oportunidade inédita para as crianças conhecerem a história da I Marcha das Mulheres Negras, refletirem sobre as referências de mulheres negras nas suas vidas, conhecerem um pouco sobre a Organização das Nações Unidas, defesa de direitos, e debaterem com outras meninas sobre situações de racismo que já vivenciaram em suas vidas, principalmente na escola. 

 

Ana Rebeca, 14 anos, gostou muito da atividade da Ciranda por “incentivar as crianças a lutar contra o racismo e o assédio”, e está animada imaginando como será sua atuação na II Marcha de Mulheres Negras, em 2025. “Deve ser muito legal marchar por direitos em Brasília, e eu quero estar lá para defender as crianças e mulheres negras do racismo”, complementa Rebeca, que considera sua avó a grande referência de mulher negra de sua vida, pelo fato dela nunca ter desistido de “lutar e viver diante das dificuldades da vida”. 

“Não é fácil dar continuidade ao legado de quem veio antes, mas ficamos muito felizes porque nossa juventude é mais audaciosa do que a gente”, finaliza esperançosa Rivanda Lina, animada para ver crescer o sentimento de pertencimento à luta nas jovens e meninas negras amazônidas.   

 

Instituto de Mulheres Negras do Amapá aposta na educação antirracista e empoderamento de meninas para enfrentar o racismo e fortalecer a II Marcha Nacional das Mulheres Negras/violencia contra as mulheres direitos humanos direitosdasmulheres

Rivanda Lina, atual presidente do Instituto de Mulheres Negras do Amapá. Foto: Lis Santos/ONU Mulheres

IMENA e Conectando Mulheres, Defendendo Direitos   

Atualmente, o IMENA atua como organização articuladora da rede de organizações de mulheres negras nos estados da região Amazônica, levando novas organizações filiadas à AMNB. O projeto “Mulheres Negras da Amazônia em Movimento”, implementando pelo IMENA, é um dos projetos realizados em parceria com ONU Mulheres no âmbito do projeto “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, iniciativa da ONU Mulheres Brasil financiada pela União Europeia que visa fortalecer solidariedade, habilidades e comunicações entre as defensoras de direitos humanos para o alerta precoce e autoproteção contra ameaças e violência contra mulheres e meninas, tendo como objetivos: 1. Garantir que as defensoras de direitos humanos se beneficiem de espaços seguros para desenvolver ações coletivas, defesa e estratégias de proteção em todas as regiões do país; e 2. Influenciar o alcance público para abordar estereótipos prejudiciais e discurso de ódio.