Deputadas federais unem esforços e defendem direitos das mulheres na resposta do Brasil à pandemia Covid-19
22.04.2020
Bancada Feminina tem atuado na proposição e na votação de projetos de lei nas áreas econômica, proteção social, educação, prevenção e eliminação da violência contra as mulheres
Na resposta à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março, e à calamidade pública no Brasil, decretada pelo Congresso Nacional em 20 de março, chama a atenção a baixa representatividade de mulheres na tomada de decisão em âmbito nacional às medidas de prevenção e ação contra a pandemia e a calamidade pública. No parlamento, senadoras e deputadas federais têm reagido com propostas legislativas para apoiar as mulheres e a atuação do poder público nas soluções às crises decorrentes da Covid-19.
Em entrevista à ONU Mulheres Brasil, quatro deputadas federais – Dorinha Rezende (DEM-TO), Maria do Rosário (PT-RS), Joênia Wapichana (Rede-RR) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) –, comentam como os seus mandatos estão trabalhando para colaborar com soluções às situações causadas pela pandemia Covid-19 no Brasil e as articulações da Bancada Feminina em meio às novas medidas de funcionamento da Câmara dos Deputados, que anunciou, em 30 de março, o Plenário Virtual.
As deputadas federais correspondem a 77 dos 513 assentos da Câmara dos Deputados – 51% a mais das parlamentares eleitas em 2014. Em relação aos deputados federais, elas são apenas 15% da casa. Este quadro coloca o Brasil na posição 140ª na lista de 193 países que mede a representatividade das mulheres na política em estudo da União Interparlamentar e da ONU Mulheres.
Concentração de poder em homens – Perguntada sobre a baixa participação das mulheres nas mesas de tomada de decisão sobre a resposta do Brasil à pandemia Covid-19, a deputada federal Maria do Rosário refere o quadro à concentração de poder aos homens. Ela avalia implicações na definição das medidas adotadas pelo poder público e que impactam toda a população, especialmente as mulheres que estão ainda mais sobrecarregadas pela pandemia do novo coronavírus.
“Infelizmente, grande parte das decisões no país têm sido tomadas pelos homens, porque são a absoluta maioria nos espaços de poder e decisão, e este é um dos elementos dos retrocessos em curso no país. As questões de gênero passam longe das políticas para enfrentamento à pandemia e às agendas de um modo geral”, diz Maria do Rosário.
Joênia Wapichana, primeira e única deputada federal indígena eleita, aponta a baixa participação política das mulheres na tomada de decisão à crise sanitária no Brasil para além do poder Legislativo. “Nós temos um desafio. Não somente agora no período de pandemia. Historicamente, as mulheres são desfavorecidas em termos de representação nos diferentes poderes: Parlamento, Justiça, Executivo. É preciso ter paridade de representações. Não digo nem cota, mas paridade de representações”, considera.
A parlamentar assinala o papel da Bancada Feminina como uma das instâncias estratégicas para fortalecer a tomada de decisão suprapartidária em favor dos direitos das mulheres. “A maior parte das decisões é tomada por homens é real, porque são 77 mulheres e muitas delas em diferentes partidos. A Câmara tem uma Bancada Feminina, que tem compartilhado alguns projetos. A gente tem compromisso de apoiar independentemente de partido. Temos o trabalho da Procuradoria da Mulher, que tem tornado a questão específica das mulheres mais visível. E nisso as mulheres indígenas são invisíveis. Somos invisíveis em pesquisas, dados”, acrescenta.
Corpos marcados pelas desigualdades – A falta de alinhamento das questões de gênero, raça, etnia e condição social e as políticas públicas contra as desigualdades trazem novos obstáculos ao direito à saúde de milhões de brasileiras e brasileiros durante a pandemia Covid-19. A deputada federal Talíria Petrone alerta que a pandemia se acentua diante de desigualdades históricas ao passo em que vulnerabiliza grupos populacionais de modo diferente.
“A gente está vivendo a maior crise sanitária, econômica, social, humanitária que as gerações vivas já experimentaram. Mesmo que todas as pessoas possam adquirir o vírus e, infelizmente vir a óbito, a gente sabe que uma crise não impacta igualmente todos os corpos. As favelas e periferias, que não têm esgoto tratado e, muitas vezes, não têm água para beber, são locais onde vai haver dificuldade de garantir que as pessoas lavem as mãos e se previnam do vírus. Uma ação básica”, avalia a parlamentar.
Petrone reitera que o histórico de exclusão deixa localidades mais expostas ao contágio do novo coronavírus. “Nas favelas e periferias, seis, sete pessoas vivem em um cômodo. Como garantir o isolamento social necessário dessa forma? A gente sabe que favelas e periferias são locais em que o poder público precisa estar mais atento para que faltas e ausências anteriores à pandemia não levem a mais óbitos destes corpos”, alerta.
Medidas econômicas – Em 2 de abril, o governo brasileiro estabeleceu medidas excepcionais de proteção social para atender universo de até 40 milhões de pessoas desassistidas economicamente ou com inserção na economia informal. “O país já vivia esta realidade, com 12 milhões de desempregados, penalizando a população economicamente ativa, em especial as mulheres que são 40% e estão nos piores postos do mercado de trabalho”, lembra a deputada federal Maria do Rosário. A situação já vinha sendo percebida pela Comissão Econômica da América Latina e Caribe (Cepal), a exemplo de anúncios nos anos de 2018, 2019 e 2020.
A parlamentar defende desenvolvimento econômico com igualdade e é crítica às medidas econômicas que não priorizem as pessoas, em geral, e as mulheres, em particular. “As reformas favoreceram o mercado e diminuíram a capacidade do Estado de incluir as pessoas. Com a epidemia, isso ficou mais grave e está evidenciado, os sistemas de políticas públicas estão comprometidos. Este quadro está ainda mais grave porque não só as demandas cresceram vertiginosamente, mas porque se aprofundou a disputa de poder entre o governo central e os locais, muito criticada na sociedade, que se vê entre o mar e o rochedo, sem ter onde se segurar”, avalia a parlamentar.
Em meio a tantas demandas sociais, grupos populacionais vulnerabilizados pelo machismo, racismo e outras formas de desigualdade têm necessidades urgentes para prevenção à Covid-19. “É preciso um planejamento emergencial de chegada de kits higiene e de informativos nas favelas e periferias sobre a pandemia. Importante é ter atenção a trabalhadores informais, grande parte são trabalhadoras domésticas, diaristas que, neste momento, têm o seu sustento inviabilizado. São 40 milhões de pessoas nessa situação. Mais de 15 dias depois vão contar com a renda básica, mas é preciso que se tenha atenção a esse grupo vulnerável”, salienta a deputada federal Talíria Petrone.
Em sessão na última quinta-feira (9/4), a deputada federal Dorinha Rezende rememorou a participação da Bancada Feminina em projetos de interesse público que beneficiam mulheres e homens. “Votamos temas importantes como o acesso e o direito à liberação da tarefa social para energia elétrica, inclusão de participantes no auxílio social. Agora, sobre o cadastro positivo, em que fomos acusadas de quebrar o sistema, quero dizer que várias deputadas defenderam e foram autoras do projeto. Estamos vivendo período atípico, em que situações dessa natureza nunca ocorreram. Não se trata de vontade do cidadão, mas situações furtuitas provocadas por uma mudança e desorganização completa no sistema de trabalho, renda e financeira do país”, defendeu.
Entre as medidas para atender à população com mais necessidades econômicas, Rezende citou a alimentação escolar. “Foi homologado projeto de alimentação escolar, aquela que atende crianças e jovens na escola. De um lado, observamos a situação de que o alimento estava na escola, o pequeno produtor está produzindo e deve vender, e, por outro lado, famílias carentes. O projeto vai atender as pessoas mais carentes, vinculadas às escolas”, completou.
Violência de gênero: pandemia das sombras – É pelo meio virtual que as deputadas federais têm agido para aproximar os seus mandatos das demandas das mulheres na pandemia. Uma delas é a resposta à pandemia das sombras: a violência contra as mulheres e meninas, que se acentua em meio à pandemia Covid-19 como tem alertado a ONU Mulheres por meio de posicionamentos públicos e recomendações.
Diversos países têm reportado à ONU Mulheres a ocorrência da pandemia da violência contra as mulheres junto à pandemia Covid-19. Na Argentina, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, autoridades governamentais, ativistas dos direitos das mulheres e parcerias da sociedade civil denunciaram crescentes denúncias de violência doméstica durante a crise e aumento da demanda para abrigo de emergência. As linhas de apoio em Singapura e Chipre registraram um aumento de chamadas em mais de 30%. Na Austrália, 40% de trabalhadores e trabalhadoras da linha de frente em uma pesquisa de New South Wales relataram um aumento de pedidos de ajuda, porque a violência está aumentando em intensidade.
Em 2 de abril, o governo brasileiro divulgou aumento de 9% das denúncias, na comparação de uma semana para a outra: a média diária entre os dias 1 e 16 de março foi de 3.045 ligações recebidas e 829 denúncias registradas, contra 3.303 ligações recebidas e 978 denúncias registradas entre 17 e 25 do mesmo mês, um aumento percentual de 8,47%.
Mobilização das parlamentares – Dentre as iniciativas da Bancada Feminina para responder às necessidades das mulheres na pandemia Covid-19, está o projeto de Lei 1291/2020, que propõe uma série de medidas de combate e prevenção à violência doméstica durante o estado de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, apresentado pelas deputadas federais Maria do Rosário (PT-RS), Professora Rosa Neide (PT-MT), Margarida Salomão (PT-MG), Mariana Carvalho (PSDB-RO), Luizianne Lins (PT-CE), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Dra. Soraya Manato (PSL-ES), Professora Marcivania (PCdoB-AP), Luiza Erundina (PSOL-SP), Rejane Dias (PT-PI), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Clarissa Garotinho (PROS-RJ), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Lídice da Mata (PSB-BA), Luisa Canziani (PTB-PR), Margarete Coelho (PP-PI), Tereza Nelma (PSDB-AL), Soraya Santos (PL-RJ) e Marília Arraes (PT-PE). Até a conclusão desta matéria, o projeto aguardava despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A união entre as parlamentares tem sido prática reforçada durante a pandemia Covid-19, como relata a deputada federal Maria do Rosário. “Além das medidas que em geral tenho tomado e que beneficia as mulheres, dei entrada ao Projeto de Lei 1291/2020, chamado Proteção à Mulher na Covid19, que busca assegurar medidas previstas na Lei Maria da Penha neste período de crise, em que as mulheres estão entre os segmentos mais vulneráveis em função das desigualdades de gênero. Mas fiz questão de convidar para a co-autoria todas as deputadas que se identificassem com a proposta e desta forma busquei fortalecer a Bancada Feminina e a integração entre todas que estão atentas à necessidade de mobilizar esforços na luta pela vida das mulheres. O projeto ganhou a adesão de mais de dez parlamentares de diversos partidos”, conta.
O acompanhamento para tramitação e aprovação do projeto tem sido feito pelas parlamentares. Na quinta-feira (9/4), a deputada federal Dorinha Rezende, coordenadora da Bancada Feminina e relatora do Projeto de Lei 1291/2020 fez pronunciamento. “A Bancada Feminina tem vários projetos apresentados com foco na melhoria e no olhar para a mulheres. Hoje, chamamos a atenção sobre a violência contra as mulheres. Vivemos momento de isolamento em que as estruturas públicas também não têm funcionado da maneira natural e como deveriam funcionar. E as mulheres estão expostas à situação de violência ainda maior. Os números têm crescido. Nós temos três projetos de lei que não só ampliam a divulgação de como a mulher pode buscar ajuda, pedir socorro e como a estrutura pública deve funcionar. Eu quero fazer esse apelo para que, na próxima semana depois da Páscoa, possamos dar urgência e o mérito desses projetos apresentados pelas deputadas da Bancada Feminina. Precisamos ter olhar à pandemia em diferentes aspectos e a violência contra a mulher é uma delas”, discursou.
Para a deputada federal Talíria Petrone, as mulheres brasileiras estão sobrecarregadas com a pandemia Covid-19. “As mulheres são maioria entre cuidadores e, por isso, estão na frente ao enfrentamento do vírus e com mais possibilidade de adquiri-lo, as chefas de família. Além disso, é fundamental que se tenha atenção à ampliação da violência doméstica. Neste momento de necessária reclusão, as mulheres podem estar sujeitas à violência de maridos, companheiros”, diz ela como uma das co-autoras do PL 1291/2020.
Territórios indígenas – A atenção das parlamentares às investidas políticas contra povos tradicionais é um dos focos de vigilância e interlocução da deputada federal Joênia Wapichana. “Temos proposição de que trata o acesso à água como fundamental. A proteção das terras indígenas já era preocupação antes da pandemia. A situação dos povos indígenas é de extrema vulnerabilidade. Não existe fiscalização permanente. Poucos recursos são colocados à disposição dos órgãos que deveriam realizar esse dever institucional. Enfraqueceu bastante a proteção dos territórios por meio da Funai, do Ibama, que deveriam cumprir o dever de proteger as terras indígenas”, pontua.
O mandato da parlamentar abarca “povos indígenas e recursos naturais no acompanhamento de denúncias. Algumas decisões judiciais estão suspendendo remoções. Temos feito proposições legislativas para sustar todas as decisões que visam remover indígenas das suas terras por disputa judicial. Esta é uma recomendação do mecanismo de expertos da ONU. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos reforçou a importância de não remover povos indígenas do seu território para quem queira se aproveitar de uma crise sanitária”.
Plenário Virtual – Numa breve avaliação da atuação das parlamentares durante a pandemia Covid-19, a deputada federal Maria do Rosário ressalta o trabalho em conjunto. “A Câmara dos Deputados assegurou no seu regimento a palavra à Bancada Feminina, o que foi um avanço. Mesmo sendo pequena numericamente, algumas exercem a liderança e isso faz a diferença. Tenho percebido ainda que a Bancada Feminina está retomando sua capacidade de atuar amplamente, debatendo não só a situação das mulheres especificamente, mas a crise de um modo geral, que afeta a vida de todas as pessoas. Nas reuniões virtuais da bancada feminina, que ocorrem quase diariamente, tem sido feitos debates sobre a economia e as políticas públicas, dando maior amplitude e profundidade às discussões”, registra.