Belém poderá ser primeiro município a estabelecer piloto de Sistema de Economia de Cuidados no Brasil
30.05.2022
Nesta segunda-feira, 30 de maio, ONU Mulheres Brasil e Open Society Foundations anunciaram início de parceria com a Prefeitura Municipal e a FUNPAPA; além de promover direitos e oportunidades para cuidadoras, projeto visa atender a quem necessita de cuidados e a reequilibrar responsabilidades, incluindo nesses papéis também os homens, gestão pública, empresas e a sociedade como um todo e, assim, criando oportunidades para melhor inserção laboral das mulheres
Historicamente, são as mulheres quem mais assumem as tarefas de cuidado, remunerado ou não. Dados do IBGE apontam que elas dedicam 73% a mais do tempo aos trabalhos domésticos e tarefas de cuidado de outras pessoas em comparação com os homens – tanto de maneira exclusiva quanto em jornada extra, depois do trabalho formal, o que limita a participação dessas mulheres em atividades de desenvolvimento pessoal e profissional e sua participação na vida pública. Elas também são a maioria nas ocupações ligadas ao cuidado, como enfermagem (84% são mulheres) e trabalho doméstico (92%), de acordo com a Fiocruz e o IPEA. Porém, a baixa remuneração e os altos índices de informalidade limitam o acesso ao trabalho decente e a direitos sociais, como aposentadoria e licença maternidade. Pensando em alternativas para reconhecer, redistribuir, reduzir, remunerar e representar o trabalho e as trabalhadoras de cuidado, para atender a quem necessita desses serviços e viabilizando o empoderamento econômico das mulheres que o executam, a ONU Mulheres Brasil e a Open Society Foundations anunciaram, nesta segunda-feira, 30 de maio, parceria com a Prefeitura de Belém (PA) e a Fundação Papa João XIII (Funpapa) para estabelecer um piloto de Sistema Municipal de Cuidados no município. Com a iniciativa, Belém poderá ser o primeiro município brasileiro a estabelecer tal sistema.
O objetivo principal do projeto, que segue até agosto de 2024, é apoiar o município de Belém a desenvolver um sistema municipal que reconheça o valor do trabalho de cuidado, remunerado ou não, que responda às necessidades de quem necessita de cuidados e das mulheres que assumem esse papel de cuidadoras. As ações têm como norte a Economia do Cuidado, termo usado para designar os trabalhos ligados ao bem-estar e à sobrevivência das pessoas e do meio em que estão inseridas – que vão desde afazeres domésticos, compras no supermercado e preparo de refeições até a educação e ao cuidado de crianças, pessoas idosas e com deficiência. Embora sejam de responsabilidade de todas as pessoas (homens, mulheres e sociedade como um todo), são as mulheres que acabam carregando o maior peso nesse papel, na maioria das vezes, invisibilizado e não remunerado.
Para mudar o olhar sobre essa responsabilidade, o sistema que será desenvolvido por meio do projeto irá permitir que diferentes serviços de cuidado (como educação, creches, saúde, assistência a pessoas com deficiência e idosas, entre outras) funcionem de maneira integrada. Assim, por um lado, todas as pessoas que necessitam de cuidados, em qualquer estágio da vida, conseguem recebê-lo de maneira rápida e eficiente, valorizando e remunerando as profissionais que o realizam. Na outra ponta, as mulheres cuidadoras reduzem o tempo dedicado a essas tarefas não remuneradas, conseguindo ter mais disponibilidade para o desenvolvimento profissional, à integração socioeconômica pelo mercado de trabalho e à participação ativa na sociedade onde vivem.
“Em nossa sociedade, o desequilíbrio na divisão do trabalho de cuidado afeta de forma mais intensa as mulheres negras, pobres, rurais, indígenas, migrantes e mulheres com deficiência. Essas mulheres também têm menos oportunidades para entrar no mercado formal de trabalho. Assim, uma desigualdade acaba reforçando a outra, levando a uma lacuna de acesso a direitos. Com esse projeto, apoiaremos a prefeitura de Belém a construir ferramentas que possam identificar e atender às demandas de quem necessita de cuidado, reconhecer o trabalho exercido pelas cuidadoras, com condições dignas de trabalho e com remuneração adequada, além de mobilizar a sociedade para dividir a carga que esse trabalho exige quando não é remunerado”, explica a representante adjunta da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino.
Trabalho em duas frentes – Para alcançar os objetivos, o projeto seguirá com duas frentes principais de trabalho. A primeira terá como foco o apoio à gestão municipal e às instituições públicas na elaboração e implementação de um sistema piloto com ações e estratégias integradas para atender quem necessita de cuidados, para valorizar o trabalho das cuidadoras e para responder às demandas das mulheres que assumem essas tarefas. A segunda frente, por sua vez, trabalhará diretamente com as mulheres, atuando no desenvolvimento de suas capacidades para que conheçam seus direitos, acessem trabalho decente e participem dos processos de decisão, para que possam advogar por políticas públicas que garantam sua proteção social.
“Ambas as frentes contam com a participação ativa das mulheres que realizam trabalhos de cuidado. É urgente que elas conheçam seus direitos, que se vejam como agentes de mudança e que sejam ouvidas em todos os momentos ao longo do desenvolvimento desse sistema. Ao mesmo tempo, também é urgente que a sociedade reconheça a importância dos trabalhos de cuidado e ofereça às mulheres oportunidades para que recebam remuneração justa e tenham acesso à proteção social em todas as fases de suas vidas. Com mais mulheres participando mais ativamente da economia, mais renda será gerada, dinamizando a atividade econômica e permitindo um desenvolvimento mais sustentável e equitativo”, ressalta o diretor para a América Latina e Caribe da Open Society Foundations, Pedro Abramovay.
A escolha do município de Belém para a implementação desse projeto se dá a partir do comprometimento demonstrado pelo poder público com a igualdade de gênero e o interesse em investir na economia do cuidado. Assim como mostram os indicadores a nível nacional, o município de Belém também enfrenta dificuldades relacionadas à sobrecarga das mulheres em relação às tarefas de cuidado, sendo que as taxas mais altas de desemprego estão entre as mulheres, especialmente mulheres negras. A pandemia de COVID-19 intensificou esses desafios, visto que a rede local de cuidado ficou limitada e as mulheres tiveram que passar mais tempo em suas casas cuidando de seus filhos, por exemplo. No caso da a capital paraense, ainda foi observado um aumento no fluxo de pessoas saindo da Ilha de Marajó para as periferias de Belém, como uma forma de ter mais acesso aos serviços públicos de combate à COVID-19. Esse fluxo era formado, em sua maioria, por mulheres que são as principais provedoras de suas famílias, sem renda regular e com rendimentos de até um salário mínimo, de acordo com dados da Rede de Apoio Mulheres Marajoaras em Movimento. Com o início do projeto, a gestão pública identifica uma importante oportunidade para aumentar a atenção e a resposta às demandas dessas mulheres na capital.
“Este termo de cooperação técnica será o ponto de partida para que, de um lado, possamos criar e consolidar estratégias e meios que valorizem o trabalho das cuidadoras e, de outro, oferecer instrumentos que garantam direitos, voz, inserção e proteção social a essas trabalhadoras. Meu agradecimento à ONU Mulheres pelo reconhecimento ao nosso trabalho e pela cooperação oferecida, e meu respeito a todas as cuidadoras – as de coração, as voluntárias, as remuneradas, as profissionais. Para além dessa bonita iniciativa de hoje, a Prefeitura de Belém quer e vai construir novas iniciativas junto com todas vocês. As grandes transformações começam nos pequenos gestos de cuidado”, concluiu o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues.