Após visita ao Brasil, relatora da ONU destaca alto risco para mulheres defensoras dos direitos humanos no país
19.04.2024
Mary Lawlor visitou o quilombo de Pitanga dos Palmares e conheceu os filhos de Mãe Bernadete e Binho do Quilombo
A Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação das pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, apresentou nesta sexta-feira (19) as principais conclusões de sua visita e uma prévia das recomendações que serão feitas às autoridades e à sociedade brasileira. Entre as preocupações elencadas pela relatora está o alto risco que as mulheres defensoras de direitos humanos correm no país.
“Mulheres indígenas, mulheres quilombolas e trabalhadoras rurais estão liderando os movimentos para que os direitos sejam respeitados em suas comunidades. Contaram-me como seguem os passos de suas mães, avós e das bisavós. Os riscos que correm por fazer isso são imensos. As suas famílias e filhos são alvejadas. Sofrem abusos e assédio sexual. Estou extremamente preocupada com a situação delas no Brasil”, afirmou a relatora. Mary Lawlor conheceu a realidade de defensoras brasileiras no Pará, Bahia, São Paulo e Mato Grosso do Sul
Ela destacou ainda o risco que correm as mulheres negras defensoras de direitos humanos em áreas urbanas. “Embora, a princípio, suas lutas possam parecer distintas das defensoras de direitos humanos nas áreas rurais, há muitas semelhanças. Não apenas na coragem que demonstram, mas no tipo de ataques dirigidos contra elas e nas causas raiz do abuso do poder do Estado, da corrupção e da defesa de poderosos interesses econômicos”, disse Mary Lawlor, durante a entrevista.
A relatora descreveu ainda a forma como as famílias dessas mulheres são alvos de seus opositores para atingí-las. Ela descreveu relatos de extrema violência e crueldade que ouviu de uma indígena do povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, de uma mulher negra defensora de direiots humanos na Bahia e de uma mulher do movimento dos trabalhadores rurais no Pará. “Elas são atacadas por buscarem prestação de contas e reparações. Isto é completamente inaceitável. O Governo Federal não pode permanecer em silêncio diante de tais ataques”
Mary Lawlor demonstrou preocupação com as falhas do mecanismo de proteção de defensores de direitos humanos. Ela mencionou o assassinato de Mãe Bernadete, líder da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, que foi assassinada em agosto de 2023, mesmo incluída no mecanismo de proteção.
A Relatora também mencionou o trabalho do Grupo de Trabalho Sales Pimenta, no âmbito do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, que está focado especificamente no desenvolvimento de um plano nacional e no projeto de legislação sobre os próprios defensores dos direitos humanos. “ouvi repetidamente preocupações de defensores de direitos humanos sobre sua falta de progresso e a falta de investimento por parte do Governo Federal. O GT precisa ter um orçamento adequado para que consiga desenvolver aquilo que foi encarregado de fazer e deve contar com a participação genuína de todos os ministérios relevantes, bem como dos próprios defensores dos direitos humanos que estão em risco. Em suma, precisa ser politicamente priorizado e devidamente financiado”, afirmou a relatora. ONU Mulheres participa como entidade observadora do Grupo de Trabalho Sales Pimenta desde fevereiro de 2024.
Leia, em inglês, o comunicado completo pós-missão da Relatora Especial da ONU sobre a situação das pessoas defensoras de direitos humanos.
Recomendações às autoridades Brasileiras
Mary Lawlor apresentou uma prévia das recomendações que serão feitas ao governo brasileiro em resultado de sua visita. A relatora recomendou com urgência às autoridades que considerem todas as possibilidades de garantir urgentemente direitos sobre seu território para todos os povos indígenas e quilombolas do país, em especial por meio da demarcação e titulação, e da remoção de invasores. Ela também pediu garantia de orçamento ao Grupo de Trabalho Sales Pimenta e a priorização da ratificação do Acordo de Escazú, um instrumento internacional da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) que define requisitos sobre os direitos dos defensores ambientais e traça parâmetros para o acesso à informação, participação pública e acesso à justiça em assuntos ambientais na América Latina.
Informações atualizadas
As mulheres defensoras de direitos humanos brasileiros estão entre as que correm maior risco no mundo. O país ocupa o segundo lugar em assassinatos de defensores ambientais (376 assassinatos entre 2012-2022). Entre 2015 e 2019, 1.323 defensoras e defensores de direitos humanos foram mortos no mundo, mais de 70% dos casos ocorreram na América Latina e Caribe, e o Brasil também ocupou o segundo lugar (174 assassinatos). Entre 2019 e 2022, organizações especializadas da sociedade civil registraram 1.171 casos de violência contra defensores (incluindo 169 assassinatos); 63,7% dos casos ocorreram nas regiões Norte e Nordeste.
Sobre a especialista
Mary Lawlor é a Relatora Especial sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos. Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como a estrutura de Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior órgão de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de avaliação e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todo o mundo. Especialistas em Procedimentos Especiais trabalham voluntariamente; não são funcionários da ONU e não recebem um salário por seu trabalho. Não dependem de qualquer governo ou organização e trabalham em sua capacidade individual.