Após ingressar no mercado formal de trabalho, refugiada da Venezuela reconstrói a vida em São Paulo
01.09.2022
Solange se beneficiou da estratégia de interiorização e teve acesso à programa de capacitação profissional; hoje, com carteira assinada, ela consegue manter a família e fazer planos para o futuro
Sem medo de aprender novas atividades, Solange foi a única mulher do curso de manutenção de bicicletas (©ONU Mulheres Brasil / Claudia Ferreira)
Aos 42 anos de idade, Solange lembra com orgulho da época em que iniciou o negócio próprio na Venezuela, na área da construção civil. Superando preconceitos, ela conseguia fazer a empresa prosperar, até que a crise a fez perder clientes, fechar as portas e, em pouco tempo, deixar o país onde nasceu.
“Meu pai é mestre de obras e sempre teve empresa de construção. Eu aprendi com ele e depois de um tempo abri a minha própria cooperativa. Tínhamos contratos importantes para fazermos casas, eletrificação, e outros serviço. Isso acabou e não contrataram mais obras. Foi quando decidimos sair do país e achamos melhor vir para o Brasil”, lembra.
Em 2018, ela chegou ao Brasil pela cidade fronteiriça de Pacaraima (RR). Depois, foi para a capital, Boa Vista, e por um ano viveu em um abrigo da Operação Acolhida (resposta governamental ao fluxo de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela), onde participou de cursos e treinamentos com a intenção de ingressar no mercado de trabalho brasileiro.
Quando recebeu a oferta de interiorização, aceitou imediatamente mudar-se para São Paulo, onde teria uma casa e alimentação durante os três primeiros meses de adaptação. Para ela, era o suficiente para conseguir recomeçar a vida ao lado da família.
“Em março de 2019, cheguei em São Paulo. Graças a Deus, comecei a trabalhar nesse mesmo ano. Fiz um curso de manutenção de bicicletas e em três meses me contrataram”, afirma Solange, a única mulher a participar e a se formar naquela turma.
Com muito esforço e dedicação, ela conseguiu juntar dinheiro e trazer os dois filhos, os cinco netos, o esposo e os pais para o Brasil. “Eu vim pra cá com toda a minha família. Minha mãe, meus filhos, meus netos, todos estão aqui. Meu esposo chegou tem pouco tempo e meu pai também vive aqui”, conta feliz.
De acordo com pesquisa divulgada pela ONU Mulheres, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), no âmbito do programa conjunto Moverse, com apoio do Governo de Luxemburgo, as mulheres representam 72,7% da população venezuelana que permanece nos abrigos em Roraima e que desejam ser interiorizadas.
Assim como Solange, 91% das pessoas venezuelanas abrigadas têm filhos e filhas, mas a taxa de desemprego recai mais sobre as mulheres – enquanto quase 34% das venezuelanas abrigadas estão desempregadas, entre os homens este índice é de 28%.
Com base nessas informações, o Moverse tem atuado junto a organizações e empresas para que mais mulheres refugiadas e migrantes consigam ingressar no mercado formal de trabalho, garantindo condições de integração social e econômica em diferentes regiões do Brasil e alcançando autonomia e melhoria na qualidade de vida.Ainda segundo a pesquisa, depois de interiorizadas, as mulheres sofrem mais com o desemprego, com baixos salários e com a subutilização do trabalho. De maneira geral, 8 em cada 10 pessoas interiorizadas estão dentro da força de trabalho. Porém, quando é feito o recorte de gênero, percebe-se que a participação feminina no mercado de trabalho é consideravelmente mais baixa – 72,2% contra 96,1% entre os homens.
A pesquisa também aponta que, entre a população interiorizada, a taxa de subutilização da força de trabalho feminina (41,3%) é 3,5 vezes maior que a masculina (11,8%).
Mas Solange conseguiu ir na contramão das estatísticas. Graças à estratégia de interiorização e à sua dedicação, ela foi contratada assim que finalizou o curso e hoje consegue manter a família e fazer planos de seguir estudando e construir um futuro melhor.
“Esse suporte que eu tive foi muito importante para mim e minha família. As pessoas me ajudaram e agradeço muito pelo que fizeram comigo. Quando você sai do seu país, onde você tem toda uma vida, e depois vai para outro país, onde não conhece nada, é como se chegasse à deriva, sem ter ao menos um teto, ou um apoio, é muito difícil. Quando você tem esse respaldo e esse apoio as coisas se tornam mais fáceis. Eu dizia sobre o curso ‘eu não quero ficar com as mãos sujas de graxa, porém eu vim aqui pra trabalhar’. E o curso foi excelente. Aprendi como montar uma bike, aprendi os nomes em português dos itens da bicicleta e foi magnifico. Foi uma experiência única e que nunca imaginei em toda minha vida”, comemora.
Assista no vídeo a seguir um pouco mais sobre a trajetória de Solange:
Sobre o Moverse – Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto MOVERSE – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil é implementado por ONU Mulheres, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), com o apoio do Governo de Luxemburgo.
O objetivo geral do programa, com duração até dezembro de 2023, é garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes.
Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda diretamente mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero.
Para receber mais informações sobre o Moverse e sobre a pauta de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil, cadastre-se na newsletter do programa em http://eepurl.com/hWgjiL