Agroecologia e sustentabilidade: a gastronomia sustentável da Escola de Comer
08.10.2018
Para mostrar que equidade de gênero e respeito são valores necessários cotidianamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou que 2018 seria o Ano da Mulher Rural
Em diversas épocas o homem celebrou momentos especiais ao redor da mesa. Comer é cultura. Tradições culinárias são patrimônios valiosos para um povo, agrega saberes atemporais e traz conotação de memórias afetivas passadas de geração em geração. Uma comida não é boa ou ruim por si só, nossos hábitos e vivências nos ajudam a reconhecê-la como agradável ao paladar.
Foi pensando na definição do gosto e na influência alimentícia da sociedade em que vivemos, que em 2014, a chef de cozinha Ana Bueno, 27 anos, fundou o projeto Escola de Comer, em Paraty (RJ), que surgiu do objetivo de melhorar a merenda servida na rede de ensino local, engajando chefes de cozinha e integrantes da comunidade escolar na capacitação de merendeiras, adoção de cardápios mais nutritivos e saudáveis nas escolas e também, incorporando alimentos da agricultura familiar à merenda.
Ana virou cozinheira por necessidade, tornou-se chef de cozinha graças a sua paixão, empenho e talento para surpreender. Paratiense de coração e afinada com as raízes e tradições da cidade histórica, descobriu seu potencial na culinária aos 17 anos, quando saiu da terra natal, São José dos Campos (SP), para morar na praia do Cachadaço, Vila de Trindade, localizada em Paraty (RJ).
Na bagagem, memórias da comida caipira do interior e ainda, a necessidade de sobreviver. Cozinhar era o que ela sabia fazer. Passou a vender na praia tortas, sanduíches e bolos batidos à mão, assados em um fogão sem forno, na base do improviso com tabuleiros e no sopro para que a brasa não queimasse a massa.
Ana deixou a cozinha entrar em sua vida. Entre os tantos aprendizados, chegou a cultivar uma pequena horta para garantir parte da alimentação e a trocar verduras por peixes e outros frutos do mar com os pescadores locais. O que parecia brincadeira foi tomando outros rumos e acabou por engrossar o caldo de saberes e determinação de sua trajetória predestinada ao sucesso.
Em 2014, a chef Ana Bueno, visitou escolas municipais a fim de convidar merendeiras e alunos para participarem da Folia Gastronômica. Durante a visita, foi realizado um reconhecimento do cardápio oferecido nas escolas e identificada a baixa qualidade da alimentação escolar e a precariedade das instalações físicas.
Para solucionar o problema foi proposta à Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Paraty a realização do projeto de requalificação da merenda escolar do município. O planejamento foi iniciado e, no segundo semestre de 2015, começaram a fornecer refeições do novo cardápio.
Com foco na gastronomia criativa e contemporânea, mas sempre ancorada nas fortes raízes da tradição caiçara, Ana Bueno não perde a doçura nem o tempero ao ampliar fronteiras. Teve a ideia de criar “A Escola de Comer”, quando estava escrevendo cadernos de receitas para presentear seus filhos. Esses cadernos continham receitas, segredos, conselhos, letras de música e muito amor.
“Tive a ideia de reproduzir esses cadernos nas escolas municipais. E assim foi feito em 8 escolas. Depois dessa visita inicial resolvi visitar todas as outras 24 escolas. Hoje um programa que requalificou a merenda escolar, desenvolveu a agricultura local e ainda, garante a parceria com a sociedade em forma de apadrinhamento das escolas, com apoio direto às merendeiras e professores com canal direto de comunicação com os pais”, justifica.
No começo eram oito fornecedores e hoje são mais de cem. Pessoas que voltaram a produzir e tem na merenda escolar uma fonte de renda garantida. No entanto, as dificuldades não param, a manutenção do voluntariado, o envolvimento dos gestores das escolas e a garantia de continuidade dos processos são uma luta diária.
Ana relata que durante as visitas às escolas, conheceu as profissionais da cozinha responsáveis pela alimentação das crianças, um cargo exercido 99% das vezes por mulheres, as merendeiras, com diferentes histórias. “Escutei cada uma delas e como um dos objetivos do Escola de Comer, decidi empoderá-las, valorizando e desenvolvendo suas habilidades para estarem aptas a exercer suas funções e sabendo de todos seus direitos como cidadãs. ”
Atualmente, o programa reúne voluntários, professores, merendeiras, nutricionistas e agricultores familiares em um grande esforço para garantir merenda de qualidade para os alunos da rede pública do município.
Além da cozinha do Banana da Terra, seu restaurante, ela comanda um bufê e organiza e coordena o festival Folia Gastronômica, criado em 2003 e relançado em novo formato em 2014, quando passou a oferecer aulas gratuitas com chefs, programação cultural, programação infantil e juvenil, quiosques de rua, atividades de valorização da culinária local e circuito gastronômico nos restaurantes da cidade. A Folia e a Escola de Comer foram muito importantes para que Paraty recebesse da Unesco, em outubro de 2017, o selo de Cidade Criativa por sua gastronomia.
Sobre uma alimentação correta ela destaca: “não sou radical com relação à comida saudável. Considero comida saudável o alimento fresco, plantado e colhido pelos produtores da minha região e é nisso que meu trabalho é baseado. Foi assim desde o começo por que eu não tinha outro caminho. Era isso que eu sabia fazer, que eu conhecia e fazia parte da minha cultura. ”
Durante toda a jornada, Ana conheceu muitas mulheres, empresárias, cozinheiras, agricultoras, e isso a fez convicta de que a igualdade é essencial para que todos possam exercer cidadania, fazendo do mundo um lugar melhor. E finaliza dizendo: “como mulher tenho consciência de que o sexo feminino nunca me prendeu a nenhuma situação, acredito que lugar de mulher possa ser na cozinha e onde ela mais quiser estar, tendo direitos iguais a qualquer outra pessoa, independente de sexo ou crença. ”
15 dias pela autonomia das mulheres rurais
Os papéis desempenhados pelas mulheres rurais são tão numerosos quanto suas lutas e vitórias. O que não faltam são histórias de vida inspiradoras. No entanto, ainda não possuem o reconhecimento merecido. Sofrem com o preconceito, com a desigualdade de gênero e com outros problemas que herdaram da vida. Ainda há um longo caminho para o equilíbrio de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. A fim de mostrar que equidade de gênero e respeito são valores necessários cotidianamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou que 2018 seria o Ano da Mulher Rural.
Pensando nisso, a partir do primeiro dia do mês de outubro, iniciamos, no portal, uma série de matérias que fazem parte da Campanha Regional pela Plena Autonomia das Mulheres Rurais e Indígenas da América Latina e do Caribe – 2018. Serão 15 dias de ativismo em prol das trabalhadoras rurais que, de acordo com o censo demográfico mais recente, são responsáveis pela renda de 42,2% das famílias do campo no Brasil.
Assessoria de Comunicação
Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário
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