Agências, organizações da sociedade civil e setor privado discutem empoderamento econômico de refugiadas e migrantes no Brasil
14.03.2022
Evento em alusão ao Dia Internacional das Mulheres foi promovido pela or agências da ONU e Governo de Luxemburgo em 8 de março, em São Paulo
O Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, foi marcado por um grande chamamento à ação de governos, empresas privadas e mídia em favor do empoderamento econômico e da inclusão social das mulheres refugiadas e migrantes. O evento “Integrar e Empoderar: por direitos e oportunidades para mulheres refugiadas e migrantes no Brasil” reuniu representantes de diferentes setores da sociedade para pensar iniciativas, refletir sobre demandas e dar o passo inicial para soluções voltadas para a integração socioeconômica de mulheres refugiadas e migrantes.
O evento foi promovido pela ONU Mulheres como parte do programa Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Migrantes e Refugiadas no Brasil, desenvolvido em conjunto com o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) e financiamento do Governo de Luxemburgo. A ação também foi realizada em parceria com a Aliança Sem Estereótipo, iniciativa da ONU Mulheres destinada a promover a igualdade de gênero na publicidade e eliminar a reprodução de estereótipos por meio de reflexões e ações conjuntas com os principais agentes do setor publicitário, incluindo agências e anunciantes.
A ação contou com painéis de debates e culminou com organizações assinando a Carta de Compromisso em prol do Empoderamento Econômico das Mulheres Refugiadas e Migrantes. Durante o evento, a carta foi assinada por Accor, CVC, C&A, Instituto C&A, Electrolux, Sodexo On-site, Renner, Instituto Lojas Renner, Riachuelo e Unilever.
Ação integrada – O formato do evento, com diferentes setores da sociedade envolvidos para ouvir e buscar responder às demandas das mulheres refugiadas e migrantes reflete o formato do programa Moverse. Iniciado em agosto de 2021, o programa é implementado conjuntamente por ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA e busca envolver diferentes atores para a integração econômica e social de milhares de mulheres que chegam da Venezuela ao Brasil todos os anos. Este é o segundo programa conduzido pelas três agências e apoio do Governo de Luxemburgo focada em mulheres refugiadas e migrantes.
A integração foi destacada pelo embaixador de Luxemburgo no Brasil, Carlo Krieger, durante a abertura do evento. “O Moverse é o segundo programa financiado por Luxemburgo junto à ONU Mulheres, ao ACNUR e ao UNFPA, com o objetivo de dar apoio às mulheres refugiadas e migrantes da Venezuela, para que tenham um futuro socioeconômico aqui no Brasil. Gostaria de agradecer a todas as pessoas aqui presentes, às empresas privadas e a sociedade civil brasileira que contribuem para o sucesso desse programa”, afirmou.
A representante da ONU Mulheres Brasil, Anastasia Divinskaya, ressaltou que “a integração das mulheres refugiadas e migrantes vindas da Venezuela é uma questão humanitária e desenvolvimento sustentável no Brasil, uma questão de direitos humanos, de igualdade de gênero e de bem-estar econômico do país”, por isso a importância de reunir profissionais de diferentes áreas e representantes das mulheres venezuelanas durante o evento.
Para Astrid Bant, representante do UNFPA no Brasil, “a garantia de direitos e a integração socioeconômica de mulheres refugiadas e migrantes precisa estar no centro do nosso esforço, ainda mais agora, quando milhares delas estão atravessando fronteiras ao redor do mundo em busca de uma vida melhor”. Ela também lembrou que, historicamente, mulheres e meninas são mais afetadas durante as crises humanitárias, e que “a saúde sexual e reprodutiva é parte integral do desenvolvimento e da integração socioeconômica das mulheres, em particular aquelas em situação de desvantagem”.
Falando em nome do ACNUR, a associada de proteção da agência em São Paulo, Silvia Sanders, afirmou que “este evento chega tristemente em um momento muito oportuno, uma vez que, pelo nono ano consecutivo, alcançamos um recorde no número de pessoas deslocadas de maneira forçada ao redor do mundo. Eram 82 milhões de pessoas nesse contexto em 2020 e, até o meio do ano passado, já eram mais de 84 milhões de pessoas”. “Seguindo o mote de não se deixar ninguém para trás, seguindo o mote da Agenda 2030, este evento, para nós, representa uma oportunidade única de se avançar mais alguns passos nesses temas”, completou.
Painel 1 – Empregabilidade na prática: o papel do setor privado na integração de mulheres refugiadas e migrantes
O evento foi composto por quatro painéis simultâneos, cada um voltada para um público distinto. O painel 1 teve como tema “Empregabilidade na Prática: o papel do setor privado na integração de mulheres refugiadas e migrantes”. Reuniu lideranças de negócios e especialistas para debater o papel do setor privado na integração de mulheres refugiadas e migrantes, abordando ainda as oportunidades e desafios das empresas para garantir mais diversidade em seus quadros profissionais. A mediação foi de Flávia de Moura Muniz, especialista em Empoderamento Econômico da ONU Mulheres.
Gisele Netto, assistente sênior de campo do escritório do ACNUR em São Paulo, iniciou a exposição, dando uma perspectiva sobre os fluxos migratórios no Brasil. Em seguida, a procuradora Adriane Reis de Araújo, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), respondeu a questões relacionadas à legalidade de políticas afirmativas para recrutamento.
Carlo Pereira, diretor executivo do Pacto Global das ONU, deu continuidade ao debate destacando a importância crescente de ações inclusivas para as empresas e lideranças de negócios. “Por muito tempo, foi preciso mostrar que ações de diversidade trazem resultados financeiros – e existem diversas pesquisas e uma vasta literatura que mostra isso. Mas, agora, a sociedade e, especialmente a brasileira, está demandando que as lideranças de negócios sejam lideranças de fato, que elas não falem apenas de negócios, mas também de outras questões da sociedade e ajam no sentido de melhorá-la.”
Para falar sob a perspectiva das empresas, participaram Gustavo Venâncio Narciso, diretor executivo do Instituto C&A; Lilian Rauld, head de Diversidade e Inclusão na Sodexo, e Arno Duarte, coordenador de Responsabilidade Social do Instituto Lojas Renner.
Uma das empresas pioneiras no Brasil na integração de mulheres refugiadas e migrantes, a Sodexo começou a atentar para o tema ainda em 2014. “Hoje, já são 300 colaboradores e colaboradoras refugiadas e migrantes de diversos países, como Síria, Congo, Haiti e Venezuela. É um resultado que seria difícil de ser alcançado sem ações estruturadas ou sem o apoio de instituições e agencias como a ONU Mulheres, ACNUR e o Pacto Global”, disse Lilian, da Sodexo. “Nossa troca tem sido fantástica e os resultados, muito bons. Nós ganhamos em produtividade, inovação e também engajamento. Há melhoras no comprometimento do time, não apenas pelas próprias refugiadas, que entendem o trabalho como uma oportunidade de retomar a vida, mas também de outras colaboradoras. É também uma experiencia elas terem contato com pessoas de diversas origens e elas gostam disso”, concluiu a executiva.
O painel contou ainda com a participação Camila Batista, vice-presidente da Migraflix (que trabalha com fomento de negócios de migrantes da América Latina) e da empreendedora venezuelana Carmen Julia. Também deram seus depoimentos Risette, que chegou da Venezuela em fevereiro de 2021 e hoje trabalha para a CVC, e Yusmeli, que segue abrigada em Roraima, e falou sobre os esforços em formação e cursos profissionalizantes enquanto aguarda uma oportunidade de trabalho e sua interiorização.
Como produto deste painel, 10 organizações, entre empresas e institutos, assinaram a Carta de Compromisso em prol do Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes. Por meio da assinatura, as organizações se comprometeram publicamente a desenvolver um plano de ação que envolve salários dignos, emprego decente e possibilidade de desenvolvimento profissional a mulheres refugiadas e migrantes. Também está entre os compromissos da carta a visibilidade à temática da empregabilidade das mulheres refugiadas e migrantes no Brasil, e implementar estratégias internas para efetivamente integrar as mulheres refugiadas e migrantes, em sua diversidade. Assinaram a carta: Accor, CVC, C&A, Instituto C&A, Electrolux, Sodexo On-site, Renner, Instituto Lojas Renner, Riachuelo e Unilever.
Confira a íntegra do painel 1
Baixe conteúdo que fala um pouco mais sobre a Carta de Compromisso em prol do Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes
Painel 2 – Políticas públicas para a integração socioeconômica: iniciativas públicas que mudaram as vidas de mulheres refugiadas e migrantes
Pensar, criar e executar estratégias para a formulação e adaptação de políticas públicas que atuem em favor da integração socioeconômica de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil foram pontos que nortearam o painel “Políticas públicas de integração socioeconômica: iniciativas públicas que mudaram a vida de mulheres refugiadas e migrantes”.
O painel dedicado a pensar em políticas públicas com atenção às particularidades das mulheres migrantes e refugiadas no Brasil reuniu Vanessa Sampaio, gerente da Área de Empoderamento Econômico da ONU Mulheres; Niusarete de Lima, coordenadora do Subcomitê Federal da Interiorização; Tânia Soares, secretária do Trabalho e Bem-estar Social do Estado de Roraima; Joyce Trindade, secretária de Políticas para Mulheres do Rio de Janeiro; Gisela Zapata, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, e Marifer, liderança venezuelana e empreendedora. A mesa teve como resultado final um documento que reúne estratégias desenvolvidas para apoiar municípios no empoderamento socioeconômico de mulheres migrantes e refugiadas, além de exemplos de iniciativas adotadas por municípios brasileiros.
Após uma fala de contexto de Niusarete de Lima, a venezuelana Marifer dividiu com o público como as políticas públicas brasileiras influenciaram sua vida observando aspectos como geração de renda, enfrentamento à violência, garantia à saúde, educação e moradia. Entre os principais desafios observados por ela está a barreira do idioma – principalmente no que tange atendimentos de saúde – e a burocracia para acesso ao ensino médio e superior. “A palavra-chave da política tem que ser abrir, incluir, acessar, garantir e, sobretudo, educar tanto quem acolhe, quanto quem vai ser acolhido. Desse jeito vamos eliminar um monte de barreiras e conseguir que as políticas públicas sejam realmente acessíveis”, pontuou Marifer.
“Facilitar a inclusão de mulheres refugiadas e migrantes em grupos e comitês consultivos já existentes no município” está no documento do painel como uma das estratégias para integrar mulheres refugiadas e migrantes em políticas públicas já existentes. Também foi uma ação citada pela secretária Joyce Trindade como fundamental para reunir dados desagregados e conhecer o público de mulheres migrantes mulheres migrantes e refugiadas em sua diversidade, sendo negras, indígenas, com deficiência, LBTs (lésbicas, bissexuais e trans), cada uma com seu grupo de necessidades e especificidades.
Durante a ocasião, a secretária anunciou que ao longo do ano será lançado no Rio de Janeiro o programa “Mulheres Bilingues”, com aulas de inglês e espanhol que serão ministradas por mulheres refugiadas e migrantes. O objetivo é formar mulheres brasileiras para serem inseridas no mercado do turismo. Outra ação confirmada são cursos de tecnologia para inserir mulheres neste mercado que está em plena expansão e baseia-se na linguagem de programação. Em março haverá uma turma para 100 pessoas, sendo que 15 vagas serão destinadas exclusivamente a mulheres migrantes e refugiadas. “A gente precisa garantir, além da comida, da vida e da segurança, os sonhos também, porque isso é revolucionário e quando a gente tem possibilidade de sonhar, a gente consegue também alcançar muitos outros mundos”, acrescentou Joyce.
Ao frisar que às mulheres refugiadas e migrantes não basta somente garantir qualificação, Tânia Soares apontou a necessidade de recursos para garantir o empoderamento econômico dessas mulheres. A secretária do Trabalho e Bem-estar Social do Estado de Roraima destacou o projeto “Potencializando Mulheres”, criado para minimizar os impactos da pandemia e para fortalecer o empreendedorismo feminino e a inserção das mulheres no mercado de trabalho, garantindo mais geração de renda. “As venezuelanas fazem parte do público-alvo do projeto. A ideia é emancipar, empoderar e dar autonomia”, concluiu a secretária.
Confira a íntegra do painel 2
Confira também vídeo gravado pela embaixadora da ONU Mulheres, Camila Pitanga, sobre a importância de políticas públicas voltadas para o empoderamento econômico de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil
Painel 3 – Eliminação de estereótipos discriminatórios baseados em gênero e raça: as experiências da indústria de mídia e publicidade
O terceiro painel do evento foi mediado por Daniele Bulmini Godoy, gerente da Aliança sem Estereótipos da ONU Mulheres que apresentou reflexões sobre a inserção de mulheres no mercado de trabalho de comunicação em sua diversidade de representação. Como as mulheres aparecem na mídia? Há espaços para negras, migrantes, refugiadas, corpos diversos, pessoas com deficiência, LBTQIA+? E por trás das câmeras, quais os espaços ocupados por elas?
O objetivo do painel foi realizar a troca de experiências bem-sucedidas para inclusão de mulheres diversas na publicidade e na mídia e o impacto disso em termos de representatividade das mulheres negras e indígenas, com especial foco em como transportar essa vivência a mulheres migrantes e refugiadas. Para isso, a ideia foi que panelistas compartilhassem lições aprendidas sobre como a diversidade dentro das equipes está mudando campanhas, comunicação e marcas e como isso pode contribuir para a inclusão de mulheres refugiadas e migrantes. Isso se alinha com o objetivo da Aliança Sem Estereótipos de erradicar estereótipos de gênero, raça, orientação sexual, religião, corpos e etnia no ambiente publicitário a partir de uma mudança de paradigma que se inicia dentro das equipes.
Marianna Souza, gerente executiva da Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais (APRO), afirmou acreditar que o audiovisual é ferramenta de transformação social e apresentou o dado de que 87% do mercado audiovisual é composto por homens e 13% por mulheres. Apresentou, ainda, o movimento free the work – plataforma internacional para promover talentos sub-representados: hoje, 90 mulheres diretoras de publicidade estão interligadas a essa plataforma. Para Marianna, o maior desafio é ter mulheres na liderança de toda a cadeia de filmes. A APRO se propõe também a olhar para mulheres refugiadas e pensar formas de ajudá-las a se inserir nesse mercado, como por exemplo, orientações de como tirar o DRT.
Michelle Nunes, especialista em diversidade da empresa CVC, trouxe o case do Projeto Oportunizando Sonhos, e apresentou como passos importantes para contratar pessoas refugiadas na área do turismo – como ter um olhar de cuidado, uma jornada mais intencional e tomar todas as medidas necessárias para que a contratação de fato aconteça. “É preciso dar um primeiro passo, começar hoje. Quais pessoas você vai dar oportunidade hoje?”, pergunta.
Por sua vez, Yessica Morais, jornalista venezuelana que vive no Brasil desde 2018, abordou em sua fala os desafios de ser mulher, mãe, migrante e recomeçar a vida em outro país, praticamente zero. Ela destacou a importância de agências como a ACNUR, UNFPA e ONU Mulheres no apoio para integração e empoderamento dessas migrantes e contou como usa as redes sociais para trazer à tona questões sociais que não vê habitualmente na mídia brasileira. “A mídia brasileira reforça muito os estereótipos em relação aos migrantes e especialmente às mulheres migrantes”, destaca.
Já Prudence Kalambay, atriz, modelo, artista visual, mãe de cinco filhos e avó de uma menina, veio do Congo para uma nova vida no Brasil e relata que não foi fácil. Uma das maiores dificuldades apontadas por ela é ser reconhecida apenas por ser refugiada. Para Prudence, foi preciso correr atrás para conquistar novos espaços de trabalho no mundo das artes e das mídias, pois trabalhar nos espaços tradicionais é mais desafiador: ela consegue fazer contatos, participar de testes, mas não chega ainda nos espaços que gostaria. Ela acredita que isso é fruto de uma sociedade racista. “Foi preciso reunir forças, sabedoria e fé para resistir”, afirmou, antes de encerrar sua fala cantando uma música tradicional de seu país de origem.
O painel também contou com um vídeo gravado por Taís Araújo, defensora dos Direitos das Mulheres Negras da ONU Mulheres Brasil. Confira:
Confira a íntegra do painel 3
Acesse também o Guia de Boas Práticas para Jornalistas, relacionado à cobertura de temas envolvendo mulheres refugiadas e migrantes, apresentado durante o painel.
Painel 4 – Eliminação e prevenção de violência contra mulheres refugiadas e migrantes
O quarto painel do evento teve como o tema “Eliminando e prevenindo a violência contra mulheres refugiadas e migrantes”. O painel chamou atenção para dados recentes sobre o processo de interiorização e a violência contra mulheres e meninas refugiadas e migrantes, destacou iniciativas para reduzir esses índices e listou boas práticas de enfrentamento à violência na busca para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de zero violência contra todas as mulheres e meninas até 2030.
Com mediação de Luana Silva, oficial de Programa de Gênero, Raça e Etnia do UNFPA, o painel contou, logo na abertura, com discursos da ativista Maria da Penha e da atriz Juliana Paes, defensora para a Prevenção e a Eliminação da Violência contra as Mulheres da ONU Mulheres. Também teve participação da representante da UNFPA no Brasil, Astrid Bant, da coordenadora em violência baseada no gênero do UNFPA, Patrícia Ludmila Melo, da defensora pública do Acre, Rivana Ricarte, da associada de Proteção da ACNUR, Silvia Sander, e da migrante venezuelana Karla, que foi interiorizada pela Operação Acolhida em 2019.
Astrid Bant abriu o painel lembrando que, em contextos de crise e emergência, mulheres, meninas e população LGBTQIA+ se tornam os maiores alvos de violência, por isso é essencial a elaboração de políticas de acolhida sensíveis a gênero. “Longe de seus lares, elas ficam em situação de extrema vulnerabilidade, se distanciam e perdem redes de proteção e apoio. Quando chegam, têm dificuldades para acessar serviços básicos. Apesar de esforços como os das agências dentro e fora do Sistema ONU, a violência contra mulheres e meninas é uma triste realidade em todo o mundo e precisa ser transformada”, explicou a representante.
Informações da pesquisa “Limites e desafios à integração local de refugiadas, refugiados e pessoas migrantes da Venezuela interiorizadas durante a pandemia de Covid-19”, realizada por ACNUR, UNFPA e ONU Mulheres e que será lançada em breve, revelam que a desigualdade de gênero é um fator que ainda marca os processos migratórios e de interiorização no Brasil. A pesquisa indica que mulheres interiorizadas sofrem discriminação pelo simples fato de serem venezuelanas, e algumas mulheres ouvidas reportam ter sofrido violência após o processo, inclusive violência física. Entre as mulheres refugiadas que vivem em abrigos, há relatos de violência após a chegada ao Brasil, tanto física quanto psicológica. Por outro lado, mais da metade mulheres interiorizadas que relatam violência afirmam ter procurado algum serviço de ajuda após sofrerem violência.
“É um dado interessante, pois a pesquisa de 2020 mostrava que apenas 20% das mulheres refugiadas no Brasil buscavam ajuda. Isso significa que a informação está chegando até elas, mas também mostra como devemos planejar nossas ações futuras. O que falta para que 100% dessas mulheres saibam como acessar esses serviços de proteção?”, questionou Patrícia Ludmila, coordenadora em Violência Baseada no Gênero do UNFPA.
“É preciso desmistificar: o Brasil não é uma nação que acolhe imigrantes e refugiados. O país apenas tolera migrantes, por isso precisamos somar vozes para tratar desse problema”, explicou a defensora pública Rivana Ricarte, que acompanhou a migração haitiana no Acre e fez paralelos com o contexto venezuelano em Roraima. “Os haitianos eram 70% homens que vinham na frente para se estabelecer e depois traziam suas famílias. Já a situação venezuelana é de quase 50% mulheres, então é preciso se atentar para as especificidades da violência baseada em gênero. O problema é que o governo poderia ter aprendido com a migração haitiana para usar essas políticas públicas em outros contextos, mas isso não aconteceu. Houve avanço jurídico, mas não adianta se isso não vier acompanhado de mudanças de cultura e percepção. As pessoas refugiadas precisam ter possibilidade de compreender seus direitos, principalmente as mulheres, que muitas vezes já vêm de contextos de violência no seu país”, acrescentou a defensora.
Karla, refugiada de Venezuela, é prova viva da necessidade de informar e educar mulheres refugiadas sobre como acessar direitos e serviços como parte da acolhida humanitária na fronteira. “Saí da Venezuela com uma irmã, vendemos o pouquinho que tínhamos e quando cheguei a Boa Vista, não deu certo com a pessoa que ia nos acolher. Não teve outro jeito se não morar na rua. Morei sete meses na rua, não sinto vergonha, para mim foi uma experiência que me fez valorizar a minha história. Quando você é refugiada, todos têm medo de você, te rechaçam”, explicou Karla, que conseguiu ter acesso a um abrigo, onde passou a colaborar com a identificação de casos de violência baseada o gênero entre as mulheres refugiadas.
“Sempre tive dentro de mim essa coisa de querer ajudar outras mulheres. Vi o trabalho que o UNFPA fazia e me senti apaixonada pela maneira como conseguiam fazer outras mulheres crescerem e não desanimarem. Depois que fiz o curso de capacitação, entendi que fui uma mulher muito maltratada em meu país e não sabia. Agora que eu sei, não posso permitir que nem eu nem outras mulheres passem por isso”, acrescentou Karla, que depois de meses no abrigo da Operação Acolhida em Roraima, foi interiorizada e hoje vive com o marido e os filhos em Santa Catarina, onde abriram uma pequena empresa de serviços gerais.
A empregabilidade e o empoderamento econômico são fatores fundamentais para a integração de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil. Segundo dados do ACNUR a partir da análise do perfil de 216 mil pessoas venezuelanas refugiadas, 28% dos homens e 27% das mulheres têm ensino médio completo, mas em relação ao ensino superior, as mulheres são mais bem instruídas: 10% das venezuelanas têm ensino superior completo contra 6% dos homens. No entanto, as cifras mostram que o desemprego entre mulheres é maior, o que ilustra as desigualdades e torna urgentes políticas para garantir o empoderamento econômico das refugiadas e migrantes.
“As boas práticas devem incluir quatro fatores: é necessário ampliar a visibilidade sobre o problema por meio de dados para promover políticas eficientes; garantir que as regiões de fronteira tenham atenção às vulnerabilidades de gênero e necessidades de proteção especifica que diversas mulheres tem trazido, como mulheres lésbicas, trans, com deficiência, etc.; depois da resposta humanitária, garantir a integração a partir de políticas públicas e acesso a direitos e serviços; e estimular a proteção comunitária, os movimentos entre as próprias refugiadas e migrantes”, resumiu Silvia Sander, associada de Proteção da ACNUR.
Confira a íntegra do painel 4
Ao final do evento, uma Carta-manifesto pela eliminação da violência contra meninas e mulheres foi apresentada. Confira o conteúdo.
Acesse as boas práticas apresentadas no painel:
Publicações para auxiliar refugiadas e migrantes contra violências
Cartilha – Entenda a Lei Maria da Penha
Cartilha – A construção de uma sociedade não-violenta: uma questão de gênero
Cartilha – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo no contexto migratório
Animação – Violência de Gênero (Esp/Warão)
Animação – Como buscar apoio em casos de violência de gênero (Esp/ Warão)