ONU Mulheres debate importância da transversalidade de raça e gênero nas políticas públicas
29.11.2024
Painel foi realizado em Brasília, no âmbito do XXIX Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública
Como transversalizar gênero e raça na gestão e nas políticas públicas? Foi essa a pergunta que deu o tom da mesa de discussões “Interseccionalidades e administração pública”, que contou com a mediação da representante interina da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino. O debate integrou a programação do XXIX Congresso Internacional do Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimeto (CLAD) sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, realizado nesta quinta (28) na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), em Brasília.
Querino abriu os trabalhos lembrando que o termo interseccionalidade foi cunhado pela jurista afro-americana Kimberlé Crenshaw em 1989, embora outras intelectuais, como a brasileira Lélia Gonzalez, já explorassem essas interseções antes mesmo de a expressão ser criada. Basicamente, continuou a representante da ONU Mulheres, o termo se refere às formas de discriminação cruzada e a como as mulheres negras as enfrentam de forma diferenciada.
“Falar das dimensões de gênero e raça na gestão pública tem a ver com vários aspectos. Envolve tanto a presença de mulheres e pessoas negras no quadro de pessoal quanto as formas como essa diversidade pode ser incorporada nas políticas públicas. Também pode estar relacionada aos processos de monitoramento, avaliação e elaboração do orçamento, por exemplo”, enumerou Ana Carolina Querino.
Boas práticas
A diretora de Governança e Inteligência de Dados do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), Miriam Bittencourt, compartilhou alguns esforços concretos da pasta para a transversalização das políticas. Um deles é o LideraGOV, que busca formar novas lideranças “em resposta a um conjunto enorme de deficiências diagnosticadas no processo sucessório da gestão pública”, definiu. A última edição, dedicada exclusivamente a servidores negros, formou 51 pessoas, sendo 33 mulheres, em 31 órgãos e entidades da Administração Pública.
Outro exemplo foi o Observatório de Pessoal, que centraliza dados e informações sobre a gestão de pessoas na Administração Pública Federal, incluindo recortes de gênero, raça e etnia em cargos de gestão. “A transparência de dados está sendo uma grande indutora da gestão baseada em evidências. A partir disso, fomenta-se o debate”, avaliou Bittencourt. A servidora apresentou ainda a pesquisa recém-lançada Vozes do Poder Público, que busca levantar a percepção dos servidores públicos federais sobre as políticas de gestão de pessoas, a partir de variáveis como engajamento, satisfação e suporte.
A diretora de Educação Executiva da ENAP, Iara Cristina Alves, contou que a adoção da transversalidade de gênero e raça nas atividades de pesquisa, formação e inovação da Escola se deve também ao apoio da alta gestão, que permitiu a incorporação do tema no planejamento estratégico 2023-2026 da Casa. “Isso foi essencial, já que todas as nossas ações são mensuradas e monitoradas de acordo com esse planejamento”, disse. Formações específicas para gestores estaduais e municipais e inserção de disciplinas com foco em gênero e raça nos cursos oferecidos pela Escola são exemplos de transversalização na prática.
Para a coordenadora-geral de Áreas Transversais, Multissetoriais e Participação Social do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), Danielle Cavagnolle, a transversalidade deve estar também a própria elaboração da política. Ela compartilhou uma experiência recente do órgão na elaboração do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) 2024-2027: ministérios e secretarias que têm públicos específicos, como Igualdade Racial, Mulheres e Povos Indígenas, foram convidados pelo MPO para oficinas de planejamento colaborativo. “Então, se vou elaborar uma política pública, chamo quem vai ser beneficiário, atendido por ela, e coloco as pessoas pra conversar. Não é fácil, mas é assim que fazemos algo mais consistente e consciente”, sustentou Cavagnolle.
Por dentro das políticas
Fechando o painel, a diretora de Avaliação, Monitoramento e Gestão da Informação do Ministério de Igualdade Racial (MIR), Tatiana Silva, explicou que “a interseccionalidade diz respeito a tudo que a administração pública faz, ainda que nem sempre isso coincida com a forma como a gestão está compartimentalizada”. É também uma forma de ler a realidade a partir de múltiplas opressões, continuou Silva, inspirada no pensamento da socióloga norte-americana Patrícia Hills Collins.
Segundo a servidora, essa interseccionalidade deve estar refletida nas diferentes etapas de uma política pública para que esta possa efetivamente dialogar com a realidade. “Transversalizar não é colocar essas questões ao lado, mas tratá-las por ‘dentro’ da política pública e da forma como a entendemos”, frisou. Para Silva, essa integração é essencial para que se avance em termos de desenvolvimento. “Todas as políticas devem ter a promoção da equidade no seu cerne”, pontuou.
O MIR tem liderado a construção do ODS 18, uma iniciativa voluntária do Brasil para inserir o enfrentamento do racismo no centro dos esforços para o desenvolvimento sustentável e para o alcance da Agenda 2030 da ONU.