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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Celebrando a nossa Amefricanidade e o legado de Lélia Gonzalez: 5 coisas que você precisa saber neste 25 de Julho



25.07.2024


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25 de Julho é o Dia Internacional da Mulher Negra Afro-Latinoamericana, Afro-Caribenha e da Diáspora.

A data foi criada em 1992, como resultado do ativismo e da solidariedade entre meninas e mulheres negras da América Latina e do Caribe, em reconhecimento à sua resistência, luta e contribuições na região.

Neste Julho das Pretas, nós também lembramos o legado da intelectual e defensora de direitos humanos brasileira Lélia Gonzalez, que nos deixou há 30 anos.

Aqui estão cinco coisas sobre a Amefricanidade e o legado de Lélia Gonzalez – e o que tudo isso tem a ver com o trabalho da ONU Mulheres no Brasil.

 1 – Quem foi Lélia Gonzalez?

Lélia Gonzalez foi uma escritora, pesquisadora, professora, intelectual e defensora de direitos humanos brasileira.

Pioneira nos estudos sobre mulheres negras no Brasil e no mundo, Lélia combinava conhecimentos de filosofia, história e antropologia e emprestava conceitos da psicanálise para desmantelar tabus fundamentados no racismo e no sexismo da sociedade. Um dos principais pontos de crítica era o mito da “democracia racial”, isto é, a ideia de que o Brasil seria um País livre do racismo.

Lélia Gonzalez contribuiu para momentos importantes de consolidação do movimento negro brasileiro, como a fundação do Movimento Negro Unificado – MNU, em 1978. Ela também colaborou para a redemocratização e participou da política institucional no País.

Com base em dados demográficos e em análises sobre a situação e a posição da mulher negra na sociedade, inclusive na mídia, nas artes e no cinema, Lélia Gonzalez liderou uma geração que escancarou a extensão da discriminação racial no País, em suas dimensões estruturais e simbólicas.

 

Você sabia?

  • No Brasil, as mulheres negras são a maior parte da população. Somos quase 57 milhões de mulheres e meninas negras no País, de acordo com o último Censo.

 

2 – Uma pioneira da interseccionalidade

“Interseccionalidade” é um conceito atribuído à intelectual negra norte-americana Kimberlé Crenshaw, que o introduziu em 1989. Ela defende que as experiências das mulheres negras na sociedade não são um simples somatório de formas de discriminação, como o racismo enfrentado por homens negros e as opressões de gênero sofridas por mulheres brancas.

Assim, a interseccionalidade propõe um método de análise que considere as mulheres negras como ponto de partida. Isso significa olhar para os efeitos de formas múltiplas ou agravadas de discriminação sobre elas, de modo específico.

Anos antes de Crenshaw, os trabalhos de Lélia Gonzalez exploravam essas interseções, como em “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, publicado em 1984.

Lélia Gonzalez desenvolveu conceitos como “Amefricanidade”  e  “Pretuguês” para descrever identidades coletivas, territórios e padrões linguísticos, estéticos, artísticos e culturais característicos desses espaços de interseção entre gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, etc.

 

O que é Amefricanidade?

“Amefricanidade” é um conceito desenvolvido por Lélia Gonzalez, combinando palavras distintas: América e África. Essa é uma inovação teórica de Lélia, inaugurando uma identidade política que ultrapassasse fronteiras nacionais e valorizasse as contribuições dos Povos originários e da diáspora africana nas Américas, reconhecendo esses elementos como parte constitutiva da nossa identidade.

 

Para Lélia, esse seria um passo fundamental para eliminar o racismo na sociedade, pois, especialmente no Brasil, a sua principal característica seria a supressão e o não reconhecimento da negritude como parte constitutiva da identidade nacional.

 

Com essas inovações, Lélia indicava que era preciso usar a imaginação política para reivindicar o reconhecimento de direitos humanos e lutar pela igualdade, construindo alianças que valorizassem as diferenças e potencializassem a solidariedade entre movimentos de mulheres, da população negra, de Povos Indígenas, Quilombolas, pessoas LGBTQIAPN+, etc.

 

3 – Lélia Gonzalez e o papel das mulheres negras no Brasil e no mundo

As contribuições de Lélia Gonzalez foram transformadoras porque destacaram a importância das contribuições das mulheres negras e a sua centralidade enquanto agentes políticas e da mudança social.

A história da formação nacional brasileira não é contada a partir dos “grandes feitos” de heróis de guerra, governantes ou elites. Em vez disso, ela assume a perspectiva e o local de fala dos muitos milhões de mulheres negras que exerceram, de fato e simbolicamente, o papel de “mães” na estrutura social do País.

Desafiando a separação tradicional entre espaços públicos e privados, Lélia destaca o papel exercido pelas mulheres negras desde os espaços familiares e unidades domésticas como o de maior consequência e relevância para a constituição do Brasil e de tudo aquilo que caracteriza a nossa Amefricanidade.

Por meio dessa função, as mulheres negras foram capazes de transmitir conhecimentos, saberes, valores, costumes, palavras, tradições.

Isso foi feito, por exemplo, a partir do exercício dos trabalhos de cuidado e das diversas formas de resistência social, política, espiritual, artística, científica e cultural, principalmente nas religiões afro-brasileiras e festas populares.

Esse diferencial brasileiro impactou a  negociação de diversas agendas globais para a igualdade de gênero, raça e direitos humanos.

As mulheres negras brasileiras, articuladas com outras mulheres da região e do mundo, foram fundamentais para integrar perspectivas interseccionais na Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim (1995) e a Declaração e o Programa de Ação de Durban (2001), documentos que guiam o progresso internacional para a igualdade de gênero e raça.

 

“O processo de participação das mulheres negras em Pequim foi liderado por Lélia Gonzalez. Pela participação nos Comitês da ONU e junto com Esmeralda Brown, da ONU, nós asseguramos, nesse coletivo, o debate profundo e sério sobre a questão da mulher negra no mundo.

 

Vários outros grupos de mulheres de outros países que não tinham a possibilidade de fazer esse debate interno, fizeram o debate no processo de construção de Pequim e acabaram criando processos de políticas públicas em seus próprios países”  

Dulce Pereira 

 

 

4 – Desenvolvimento sustentável e Bem Viver: enegrecer os ODS

A partir do seu espaço diferenciado de atuação e pensamento político, as mulheres negras do Brasil e do mundo têm a ambição de futuro com reconhecimento, justiça e desenvolvimento para todas as pessoas e povos.

Essa visão é traduzida a partir da ideia de “Bem Viver”, um conceito compartilhado também por Mulheres e Meninas Indígenas e rurais.

Bem Viver significa cultivar um modo de vida e de relacionamento com as pessoas e com a natureza, pautados na solidariedade e na harmonia ente todas as formas de vida, em especial, o cuidado e a proteção do Planeta e da vida das meninas e mulheres. Em outras palavras, o Bem Viver é a visão das mulheres negras sobre o Desenvolvimento Sustentável.

Em 2015, as mulheres negras brasileiras marcharam em Brasília contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver. Em 2025, elas pretendem retornar à capital do País, com a II Marcha Nacional das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver.

Para as mulheres negras, as metas pretendidas pela Agenda 2030 só poderão ser cumpridas se houver compromissos mais significativos para a eliminação do racismo e formas de discriminação a ele associadas. Para isso, é necessário “enegrecer os ODS”, de acordo com a defensora de direitos humanos Lúcia Xavier.

Nas Nações Unidas, o Estado brasileiro tem apoiado a criação de um novo Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável que contemple especificamente as desigualdades de raça, o ODS 18.

https://youtu.be/4tSkpL8Dn88?si=qXd4FwDYIJGLVABe

 

5 – O que isso tem a ver com a ONU Mulheres?

O legado de Lélia Gonzalez foi fundamental para que compromissos com a igualdade de gênero e raça estivessem incorporados aos instrumentos internacionais, como os consensos de Pequim e Durban.

Isso fez com que perspectivas interseccionais fossem colocadas como horizonte das agendas e normas globais de direitos humanos que regem a atuação da ONU Mulheres e demais entidades do sistema das Nações Unidas, no Brasil e no mundo.

ONU Mulheres e a interseccionalidade

O Plano Estratégico da ONU Mulheres (2022-2025) reconhece que, quase trinta anos depois da adoção da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim, “apesar de importantes avanços em algumas áreas, barreiras estruturais para alcançar plenamente a igualdade de gênero permanecem. Mulheres e meninas que enfrentam formas múltiplas de discriminação, inclusive com base em idade, classe, deficiência, raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero ou status como migrante, são quem fez menos progresso”

Considerando as características nacionais, o enfrentamento ao racismo é parte fundamental da atuação para a igualdade de gênero das Nações Unidas no país.

A ONU Brasil é única no mundo por ter um Grupo Temático Inter-Agencial de Gênero que inclui também raça e etnia. Liderado pela ONU Mulheres e pelo UNFPA, esse grupo apoia a coordenação dos trabalhos do Sistema ONU no país nessas áreas.

A ONU Brasil também é pioneira por ter incorporado parâmetros raciais ao mecanismo de monitoramento do desempenho do Sistema ONU para a igualdade de gênero na organização, conhecido como Gender SWAP.

Em 2015, em reconhecimento da importância de Lélia Gonzalez para o mandato das Nações Unidas no País,  o Sistema ONU deu o seu nome a um dos prédios no complexo em Brasília. Na Casa da ONU, o Prédio Lélia Gonzalez é lar da ONU Mulheres e de outras entidades da equipe de país, incluindo UNFPA, PNUMA e UNAIDS.

A criação do dia 25 de Julho e da Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e da Diáspora (RMAAD) fez parte do processo de mobilização das mulheres negras para a Conferência de Pequim, em 1995.

Em 2025, a revisão da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (Pequim +30) será o momento para resgatar a história de contribuições globais das mulheres negras do Brasil e da região para a igualdade global, seguindo as lições deixadas por essa importante intelectual e defensora de direitos humanos brasileira, Lélia Gonzalez.