06.03.2024

Os impactos das crises não são neutros em termos de gênero. Conflitos prolongados e os impactos acelerados das mudanças climáticas aumentaram as demandas de cuidado sobre mulheres e meninas. Quando essas demandas crescem e os sistemas públicos são incapazes de lidar com a pressão aumentada, mulheres e meninas absorvem a maior parte do trabalho de cuidado.

O trabalho de cuidado, um bem público vital, sustenta o bem-estar e uma economia próspera e sustentável. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5.4 busca valorizar o cuidado e o trabalho doméstico não remunerados, promover responsabilidades compartilhadas dentro dos lares e fornecer serviços essenciais e proteção social. No entanto, mulheres e meninas em todo o mundo assumem uma parcela desproporcional do trabalho de cuidado que é não remunerado, não reconhecido e desvalorizado.

Como as mudanças climáticas intensificam a crise do cuidado para as mulheres

A degradação ambiental e a emergência climática global estão intensificando a crise global do cuidado. Pessoas com menos recursos, incluindo mulheres indígenas, minorias étnicas, pessoas vivendo com deficiências e com HIV, mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTIQ+ em países em desenvolvimento e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento podem ser particularmente afetadas pela sobreposição dessas crises. Mulheres e meninas já gastam, em média, três vezes mais tempo em trabalho de cuidado do que homens e meninos. As mudanças climáticas amplificam ainda mais a carga desigual de cuidado não remunerado e tarefas domésticas das mulheres e meninas.

Mulheres sofrem os piores efeitos da escassez de água

Mulheres e meninas, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais, responsáveis por gerenciar recursos e administrar lares, são particularmente vulneráveis aos choques climáticos. Mulheres e meninas suportam o peso de fornecer água para beber, cozinhar e saneamento para suas famílias. Cerca de 1,8 bilhão de pessoas no mundo dependem de água potável de fontes que não estão nas suas propriedades, e mulheres e meninas são responsáveis pela coleta de água em sete de cada dez domicílios sem água encanada.

Mundialmente, as mudanças climáticas estão tendo um impacto significativo nos recursos hídricos. Secas estão cada vez mais frequentes e severas, enquanto os padrões de chuva estão cada vez mais imprevisíveis. Dez por cento da população feminina mundial, cerca de 380 milhões de mulheres e meninas, vivem em áreas com alto ou crítico estresse hídrico, número que deve chegar a 647 milhões até 2050.

Durante secas, mulheres e meninas ficam em longas filas e caminham longas distâncias para coletar água para suas famílias. No Iraque, mulheres gastam até três horas por dia coletando água. Na Índia, mulheres e meninas gastam mais de 50 minutos por dia coletando água, comparado aos quatro minutos dos homens e meninos.

Secas aprofundam a insegurança alimentar para mulheres

Mulheres também enfrentam maior insegurança alimentar do que homens. Quando há escassez de alimentos, é comum que homens e meninos sejam alimentados primeiro, com mulheres comendo por último e menos. Secas forçam muitas mulheres e meninas a se voltarem para a agricultura de subsistência e atividades que aumentam suas cargas de trabalho enquanto lutam para garantir provisões alimentares suficientes para suas famílias.

Choques climáticos aumentam o trabalho de cuidado de saúde não remunerado para mulheres e meninas

Um aumento nas doenças ligadas à crise climática está impactando desproporcionalmente a carga de cuidados para mulheres e meninas. Um estudo em Delhi, Índia, e Dhaka, Bangladesh, mostrou que mulheres gastavam em média uma hora adicional por dia em trabalho de cuidado quando um membro da família tinha uma doença relacionada ao clima, como uma doença transmitida pela água devido às enchentes.

Mulheres grávidas enfrentam um risco aumentado de complicações, incluindo perda de gravidez, diante da seca e escassez de alimentos.

Mulheres: “Salvadoras da sustentabilidade” não remuneradas

Historicamente, mulheres e meninas têm sido responsáveis por atividades de mitigação climática como gerenciamento de resíduos, reflorestamento e reabilitação de terras. À medida que as crises climáticas continuam a crescer, o ônus do cuidado ambiental agravou ainda mais as desigualdades de gênero e o número de horas que mulheres e meninas gastam cuidando do planeta.

Mulheres estão na vanguarda da justiça climática e dos esforços de sustentabilidade, em parte porque o acesso a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável é uma questão de vida ou morte para suas famílias. Muitas mulheres se envolvem em ações climáticas porque consideram isso essencial para cumprir seu papel como principais cuidadoras de suas comunidades.

Apesar do papel fundamental das mulheres no combate aos impactos das mudanças climáticas, mulheres defensoras dos direitos humanos ambientais estão enfrentando um aumento na violência de gênero e feminicídios. Em 2022, pelo menos 401 defensores e defensoras de direitos humanos foram mortos, a maioria na América Latina, e 17% eram mulheres. Mulheres também enfrentam resistência dentro de suas comunidades indígenas, que as acusam de perder tempo com ativismo e enfrentam difamação, ameaças e ataques físicos.

O que é uma sociedade do cuidado?

O mundo está enfrentando duas crises aparentemente distintas, mas profundamente entrelaçadas, cujas ligações são frequentemente negligenciadas nas discussões climáticas.

A primeira crise gira em torno da distribuição invisível e desigual do trabalho de cuidado não remunerado, principalmente conduzido por mulheres e meninas. A segunda é a emergência climática iminente, caracterizada pelo aumento das temperaturas e pela necessidade urgente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Embora essas crises possam parecer não relacionadas, elas estão inextricavelmente ligadas, exigindo nossa atenção e ação coletivas.

Notavelmente, apenas 11% das Contribuições Determinadas Nacionalmente — as medidas e ações que as partes do Acordo de Paris planejam adotar para reduzir as emissões de gases de efeito estufa — mencionam o trabalho de cuidado não remunerado de mulheres e meninas, e apenas o Camboja inclui ações para reduzir suas cargas de trabalho.

A 66ª Comissão sobre o Status da Mulher soou o alarme, alertando que “os recursos naturais, os ecossistemas e o trabalho das mulheres são tratados como infinitos e são subvalorizados nas métricas atuais de crescimento econômico, como o PIB, apesar de serem essenciais para todas as economias e o bem-estar das gerações presentes e futuras e do planeta”.

Dentro deste panorama complexo, o conceito de uma sociedade do cuidado surge como uma alternativa urgente ao atual modelo econômico e de desenvolvimento baseado na extração e exploração de recursos naturais, combustíveis fósseis e vidas humanas. Ele enfatiza o papel crucial de cuidar tanto das pessoas quanto do planeta. Reconhecer o valor insubstituível do cuidado é essencial, assim como abordar o ônus desigual do cuidado que mulheres e meninas atualmente suportam, e cada vez mais em meio à emergência climática. Oferecer cuidado deve ser uma responsabilidade compartilhada envolvendo o estado, mercados, comunidades e famílias.