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Brasil

A história do Julho das Pretas: maior agenda conjunta e propositiva de incidência política de organizações e movimento de mulheres negras do Brasil nasceu na Bahia



27.07.2023


No encerramento do Julho das Pretas, resgatamos o histórico desta ação que visa reforçar a voz e o valor das mulheres negras enquanto sujeitas políticas históricas no Brasil  

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Lideranças do Odara, Instituto da Mulher Negra, organização que criou o Julho das Pretas em 2013 (Foto: Cortesia Odara – Acervo institucional)

O  dia 25 de julho foi instituído como Dia da Mulher Afrolatino-americana, Afrocaribenha e da Diáspora, data que marcou a realização do  histórico 1º Encontro de mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana realizado em 1992. No Brasil, desde 2014 a data marca o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Esta data nacional foi instituída por meio de lei federal com o objetivo de  celebrar a vida e reconhecer a luta de Tereza dce Benguela,  reconhecida como rainha ao liderar o Quilombo de Quariterê, no Mato Grosso, por mais de duas décadas durante o século 18.  

Em 2013, insatisfeitas com as homenagens vazias que se acumulavam desde 1992, além dos certificados em papel que não resultavam em mudanças efetivas para realidade vivida pelas mulheres negras no Nordeste do Brasil, o Odara – Instituto da Mulher Negra, organização negra feminista, centrada no legado africano, sediada em Salvador, resolveu convidar outras organizações de mulheres negras da Bahia para realizar algumas atividades durante o mês de julho. O intuito era chamar atenção para situação das mulheres negras e debater sobre os problemas vivenciados por elas.  

“Inicialmente não pensamos no julho todo, mas aí Naiara [Leite, uma das fundadoras do Odara] surge com a ideia do nome Julho das Pretas. Daí fizemos alguns acordos como por exemplo ‘no dia 25 ninguém faz nada, vamos todas construir uma atividade única para o 25, e nos outros dias do mês, quem fizer atividade, nós vamos reforçar as ações umas das outras…’, então começamos no incipiente, sem saber para onde a proposta iria, mas pegando com força e fazendo. Tínhamos objetivo de mexer na cidade de Salvador, não pensávamos que viraria esse fenômeno nacional que temos hoje”, relembra Valdecir Nascimento, uma das lideranças do movimento de mulheres negras no Brasil, uma das coordenadoras da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora e fundadora do Odara.  

A temática trabalhada na primeira edição do Julho das Pretas, em 2013, chegou como ideia de seminário para pensar o fortalecimento das organizações de mulheres negras: “Naquele momento inicial a gente precisava impulsionar uma ação coletiva das organizações de mulheres negras em relação a forma como o 25 de junho era tratado no Brasil, pois eram mais de 20 anos de criação da data pela ONU, e a gente não tinha nesse mês uma agenda conjunta de grandes incidências”, recorda Valdecir.  

A partir de 2015, devido ao crescimento da articulação iniciada nos últimos anos para construção da Marcha Nacional de Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, realizada em Brasília em 2015, o Julho das Pretas começa a tomar uma amplitude nacional e segue em crescimento até os dias atuais. 

Desde então, o Julho das Pretas todos os anos traz temas importantes e necessários relacionados à superação das desigualdades de gênero e raça, colocando a pauta e agenda política das mulheres negras em evidência. Neste ano de 2023, a 11ª Edição tem como lema “Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver”, e é organizada pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Rede de Mulheres Negras do Nordeste e Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira.  “Há onze anos, começamos com 10 atividades somente na Bahia e hoje estamos realizando ações em 21 estados, com mais de 230 organizações envolvidas e 500 atividades na agenda, além do calendário 44 atividades que serão realizadas no âmbito da Agenda Julho das Pretas nas Escolas, em quatro estados do Nordeste e Norte”, celebra Naiara Leite.    

“O tema desse ano está alinhado com a discussão global que os movimentos negros no mundo têm discutido. É também influenciado pelos debates que vimos nas duas sessões do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, em Genebra e Nova Iorque”, explica Naiara, que também é membra da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora.

Além da possibilidade de construção de agendas e incidências efetivas para o enfrentamento ao racismo no Brasil, o Julho das pretas é uma estratégia vitoriosa em múltiplos aspectos para a sociedade brasileira, uma vez que quando mulheres negras se movimentam, toda a estrutura social se movimenta com elas. “Nas comunidades negras, é possível sentir a mudança positiva da narrativa sobre a geração de jovens meninas negras em relação à diferença do lugar de ser uma mulher negra na sociedade brasileira. E é revolucionário”, finaliza Naiara. 

A mulher negra nordestina da simplicidade à complexidade – A história do Brasil, marcada pelo mais longo período de escravidão do mundo ocidental, mostra que as mulheres negras sempre foram sujeitas políticas. Desde a chegada ao Brasil à construção e sustentação dos quilombos, na história da independência até os dias atuais as mulheres negras tiveram grande liderança.  

“É importante demarcar Nordeste ao falar sobre o nascimento de uma ação como o Julho, apresentar o que a gente constrói e dizer que nós continuamos fazendo a história desse país – da simplicidade à complexidade que a sociedade brasileira exige. Você não a enfrenta essa complexidade se não construir estratégias sofisticadas, como o Julho das Pretas, para poder fazer o enfrentamento ao racismo. Então, a marca do Nordeste é resgatar e reafirmar que nós sabemos que estamos pela nossa própria conta e vamos todos os dias apresentando soluções para que esse Brasil seja melhor para nós, negras, negros e toda a sociedade brasileira”, reforça Valdecir Nascimento.  

A Rede de Mulheres Negras do Nordeste (RMNNE), criada em 2013, é um resgaste ao passado e reafirmação da força da organização das mulheres negras da Região Nordeste. Este ano, mais de 100 lideranças de mulheres negras, de 33 organizações dos nove estados do Nordeste, se reuniram  em Sergipe entre os dias 27 e 30 de julho para celebrar o aniversário de 10 anos de RMNNE e coordenar estratégias de ações coletiva.  

Estabelecida durante o processo de organização da Marcha Nacional de Mulheres Negras contra o Racismo, a RMNNE surge num momento em que as mulheres negras nordestinas sentiram suas pautas e especificidades territoriais ausentes dos grandes debates nacionais daquele momento, do ponto de vista econômico e educacional primordialmente. Desde então, a RMNNE acumula e lapida a experiência do trabalho em rede, fortalecendo relações entre estados do nordeste através de atividades regulares, realizando diagnósticos a partir de fragilidades e potencialidades, avançando em articulações com organizações de mulheres negras de outras regiões do país, com foco na região Norte, bem como expandindo intercâmbios com organizações de mulheres negras da América Latina e do Caribe.