No mês da mulher negra latino-americana e caribenha, necessidades e prioridades da população negra de Belém (PA) em relação a cuidados são levantadas em rodas de conversa
21.07.2023
Parceria entre ONU Mulheres e Prefeitura de Belém, projeto Ver-o-Cuidado promoveu momentos de escuta e sensibilização sobre políticas de cuidado
“O que nos une dentro da nossa diversidade é essa relação muitas vezes doída com enfrentamento ao racismo”. A partir dessa perspectiva de vivências que se cruzam, Elza Rodrigues, coordenadora da Coordenadoria Antirracista (Coant) da Prefeitura de Belém (PA), expressa a motivação para estar junto ao projeto Ver-o-Cuidado, uma iniciativa que é resultado da parceria entre ONU Mulheres e Prefeitura de Belém, com o apoio da Open Society Foundations, que busca incorporar cada vez mais a perspectiva interseccional em sua implementação
Promover e reconhecer o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, lembrado em 25 de julho, é uma das maneiras para contribuir com essa incorporação, visibilizando as vivências particulares dessas mulheres. Para isso, uma série de três rodas de conversas foram planejadas e articuladas pela equipe do Projeto do Ver-o-Cuidado, lideradas pela Coordenação Antirracista de Belém (Coant), em parceria com a ONU Mulheres. As rodas de conversa buscaram engajar mulheres quilombolas, pessoas afro religiosas e profissionais trançadeiras e trancistas com o principal objetivo de escutar as demandas de cuidado dessas populações e sensibilizar sobre a perspectiva de criação de políticas públicas ligadas ao tema.
Para iniciar esse processo, no dia 8 de julho, na ilha de Mosqueiro (PA), foram ouvidas moradoras que estão à frente da defesa das pautas do quilombo de Sucurijuquara, o único reconhecido em Belém como território quilombola. Entendendo a importância das tranças na reafirmação da identidade negra e no cuidado da mulher negra, trancistas participaram do processo de escuta e sensibilização em Belém, no dia 12 de julho. As atividades foram finalizadas com um encontro para ouvir a perspectiva de cuidado na visão das religiões de matriz africana no dia 15 de julho no terreiro São Raimundo Nonato, na ilha de Outeiro (PA).
O processo faz parte das atividades de implementação do projeto Ver-o-Cuidado, cujo maior objetivo é a construção de um Sistema Municipal de Cuidados na cidade de Belém. As conversas contribuem na identificação daquilo que determinadas populações e territórios visualizam e entendem como ações prioritárias dentro da construção de uma política de cuidados, considerando suas vivências particulares.
Para a associada de programas de ONU Mulheres, Virginia Gontijo, o entendimento dessas realidades só pode ser feito a partir do processo de escuta ativa da população. “Para construirmos essas políticas públicas que o projeto almeja alcançar e para que, de fato, elas sejam eficazes, nós precisamos ouvir as pessoas, considerar que as demandas delas são o centro do que a política deve endereçar. É a partir dessa escuta que conseguimos entender o que de fato impacta essas pessoas. Não podemos assumir que as realidades de todas são iguais. Por isso esses momentos são tão importantes”, afirma.
“Buscamos entender qual é a perspectiva de cuidado que esses grupos têm, pois são grupos que, embora sejam de pessoas negras, têm suas vivências a partir das suas óticas, das suas experiências de vida, dos seus territórios. São momentos muito ricos, pois nos ajudam a identificar quem somos. O que nós vimos é o povo negro de fato, o povo que está aí no dia a dia lutando, resistindo, construindo, propondo, elaborando uma nova forma de reconstrução do Brasil que respeite a diversidade”, explicou Elza.
Articulação feminina – Nas escutas do projeto Ver-o-Cuidado durante o mês de julho, as vozes das mulheres reforçaram pautas como corresponsabilidade, oportunidades, reconhecimento, investimento, segurança, respeito. Foram as mulheres que na maior parte do tempo conduziram os debates, compartilhando suas vivências e perspectivas enquanto principais responsáveis pela manutenção de histórias, famílias e culturas dentro de seus contextos sociais.
“A nossa principal pauta enquanto trancistas é o reconhecimento da profissão, para que se perceba a função de saúde e bem-estar dessas profissionais, dando visibilidade para esse ofício que ainda é muito impactado pelo racismo e, por isso, não é visto como profissão. É muito importante que a gente se enxergue, se reconheça e se aproxime em busca desse movimento”, conta Gisele Ferreira, que há mais de 10 anos trabalha com trançado afro.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi instituído em 1992, quando foi realizado o primeiro encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana. No Brasil, a data também marca o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em homenagem à líder quilombola do século XVII. Para Elza Rodrigues, datas como essas relembram e incentivam as mulheres a continuarem ocupando espaços em busca da representação de suas pautas.
“O papel de protagonismo das mulheres negras é inquestionável. Do encontro de Santo Domingo para cá, se fizermos um retrospecto de todas as conquistas raciais, muitas delas tiveram lá o DNA das mulheres negras. Hoje vemos um aumento no número de entidades negras especialmente conduzidas por mulheres. Essa é uma caminhada positiva, mas é evidente que ainda há muito a se transformar”, afirma.
Ver-o-Cuidado – O projeto Ver-o-Cuidado é uma parceria entre ONU Mulheres, Prefeitura de Belém (PA) e Fundação Papa João XIII (Funpapa), com apoio da Open Society Foundations, que tem por objetivo estabelecer um piloto de Sistema Municipal de Cuidados no município. Iniciado em maio de 2022, o projeto é desenvolvido em duas frentes. A primeira tem como foco o apoio à gestão municipal e às instituições públicas na elaboração e implementação desse sistema de cuidado. Paralelamente a essa construção, as atividades também alcançarão as trabalhadoras do cuidado, remuneradas ou não, atuando no desenvolvimento de suas capacidades nos aspectos pessoais e profissionais, para que acessem trabalho decente e autonomia econômica.
A iniciativa é conduzida por um comitê gestor do qual fazem parte 12 organizações: Fundação Papa João XXIII (Funpapa), Secretaria Municipal de Administração da Prefeitura de Belém (Semad), Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec), Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), Banco do Povo de Belém, Coordenadoria da Mulher de Belém (Combel), Coordenadoria Antirracista (Coant), Coordenação das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Copsan), Coordenadoria da Diversidade Sexual (CDS), Coordenadoria de Comunicação Social de Belém (Comus), Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Município de Belém (Iasb) e ONU Mulheres.