“Quando a gente pega o sabor da luta, a gente não quer parar mais”, afirma Iara Wassu Cocal
29.12.2015
Na quarta da série de cinco entrevistas sobre o projeto Voz das Mulheres Indígenas, saiba mais sobre como as mulheres indígenas constroem liderança e organização política nas suas aldeias. Essa imersão pode começar pela trajetória da professora de Cultura Indígena, mãe de nove filhos, e uma das três mulheres num colegiado de 13 líderes de seu povo, que vive na divisa entre Alagoas e Sergipe
Assista aqui a série de depoimentos de mulheres indígenas participantes do projeto Voz das Mulheres Indígenas no Youtube da ONU Mulheres Brasil
Confira aqui a galeria de fotos do projeto Voz das Mulheres Indígenas
Na divisa entre Alagoas e Sergipe, os Wassu Cocal teriam se fixado na região, no século 19, após a vitória da Tríplice Aliança – Brasil, Argentina e Uruguai – contra o Paraguai na disputa pelas terras do Mato Grosso. “A luta do meu povo começou desde a Guerra do Paraguai. Os guerreiros receberam as terras do imperador. O povo Wassu passou 10 anos lá. Depois desse período, os fazendeiros tomaram as terras. Muito massacre, negação de origem para não morrer. Espalharam-se e foram para as cidades. Há 30 anos, as pessoas estão retornando para exigir as suas terras”, relembra Iara Wassu Cocal, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais.
“Não diferente dos outros, a história do meu povo é muito sofrida. Temos direito a 57 hectares de terras, mas vivemos em 2,7 hectares. A gente vem se articulando para que, diante das dificuldades, possamos alcançar os nossos direitos”, acrescenta Iara.
Aos 44 anos, ela é professora de Cultura Indígena e acadêmica do 8º semestre de Pedagogia. Negocia o tempo todo, dentro e fora de casa. “Conseguimos ocupar o nosso espaço e somos respeitados pelo nosso líder. De 14 lideranças em nossa aldeia, nós temos 3 mulheres. Eu sou uma delas. A maioria dessas mulheres estuda”, explica.
Os primeiros passos de Iara no movimento político indigenista foram dados com o apoio de uma mulher há dez anos. “Quem me inspirou foi Maninha Xukuru Kariri, uma grande líder que, por ser uma das coordenadoras da Apoinme (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), sempre pedia a divisão das vagas de participação entre homens e mulheres. A minha participação foi assim. Lá precisavam de coordenador da microrregião Alagoas-Sergipe e eu me candidatei sem experiência alguma. Ela me incentivou muito. Falou que, mesmo que a gente não tivesse experiência, a gente tinha que ter coragem e vontade. Foi aí que entrei e não parei mais. Quando a gente pega o sabor da luta, a gente não quer parar mais”, recorda.
Contudo, os espaços de negociação e tomada de decisão revelou novas realidades, entre elas a da disputa. “Quando a gente chega nesse mundo, a gente passa a ser olhada diferente, muitas vezes, pelos homens que não querem aceitar que a mulher avance. E muitas vezes tentam impedir, articulando nos eventos. Mas, na união com as outras mulheres, a gente consegue passar por cima disso e não parar a luta. Se a gente for olhar as coisas negativas que aparecem no nosso caminho, a gente desiste de uma vez por todas, porque é muita coisa que vem de encontro a gente. Hoje, mostramos que a mulher pode estar ao lado do homem para fortalecer e ter força para lutar”, ensina.
Vida comunitária – Em casa, marido e nove filhas e filhos. No trabalho, alunas e alunos. Nada disso impede que Iara abra mão de se envolver no dia a dia da aldeia de 3 mil pessoas, que vivem no município de Joaquim Gomes. “A gente dá um jeito em casa, no trabalho, com o marido. Na minha comunidade, as mulheres cuidam da casa e dos problemas da comunidade que são muitos, porque a BR corta a nossa aldeia. É sala de aula, planejamento. A gente encontra força na nossa cultura e em Tupã”, diz Iara.
Muito engajada no projeto Voz das Mulheres Indígenas, a Wassu Cocal já elenca os resultados positivos. “Quando levamos o Voz das Mulheres Indígenas para as bases, a gente viu que criou uma esperança nas mulheres. Porque, muitas vezes, o que elas pensam não é divulgado. Nem todas participam dos movimentos. Mas elas ficam na expectativa de que a gente possa levar informação e também trazer delas. Esse projeto está sendo riquíssimo para nós, mulheres indígenas, porque temos a preocupação de andar ao lado dos homens na luta pelo território. Esse projeto é esperança para a gente se unir e falar sobre o que a gente quer e o espaço que queremos conquistar”, finaliza.
Sobre o Voz das Mulheres Indígenas – Por demanda das mulheres indígenas, a ONU Mulheres Brasil colaborou para a elaboração do projeto Voz das Mulheres Indígenas, numa cooperação com a Embaixada da Noruega, com o propósito de apoiar a incidência política. O projeto tem como objetivo identificar pauta comum de atuação política, norteando-se por cinco eixos: violação dos direitos das mulheres indígenas; empoderamento político; direito à terra e processos de retomada; direito à saúde, educação e segurança; e tradições e diálogos intergeracionais. O processo de coleta de informações e resposta ao questionário será concluído em fevereiro de 2016. Mulheres indígenas interessadas em colaborar, podem entrar em contato por meio do e-mail: mulheres.indigenas@unwomen.org
Mobilização das indígenas – As primeiras organizações de mulheres indígenas surgiram na década de 1980: Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro e Associação de Mulheres do Distrito de Taracuá. Contribua, resgatando o histórico dessas e de outras organizações de mulheres indígenas existentes do seu povo, estado e região.
Povos indígenas no Brasil – Conforme o censo de 2010, cerca de 900 mil indígenas vivem no Brasil. Destes, 450 mil são mulheres e têm menos de 22 anos. A população indígena brasileira está dividida em 305 etnias que falam 274 línguas.
Confira as entrevistas em vídeo:
Andreia Lourenço – Povo Guarani Nhandewa |Paraná
Iara Esmínia – Povo Wasso | Alagoas
Maria Leonice – Povo Tupari | Rondônia
Simone Eloy Amado – Povo Terena | Mato Grosso do Sul
Sônia Guajajara – Povo Tenetehara| Maranhão
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