ONU produzirá relatório sobre relação entre racismo, violência policial e caso Floyd
22.06.2020
Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos deverá preparar um relatório sobre racismo sistêmico, violações dos direitos humanos de africanos e pessoas de ascendência africana por órgãos policiais

Protestos têm ocorrido na cidade de Nova Iorque contra o racismo e a violência policial, após a morte de George Floyd
Foto: ONU/Evan Schneider
Embora alguns delegados do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, tenham pedido na semana passada uma investigação internacional sobre os assassinatos de negros nos Estados Unidos e a violência contra manifestantes, outros sustentaram que o problema tem impacto em todas as nações e exigiram uma abordagem mais ampla.
De acordo com a versão final da resolução aprovada, a alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, deverá preparar um relatório sobre racismo sistêmico, violações dos direitos humanos de africanos e pessoas de ascendência africana por órgãos policiais, especialmente aquelas que resultaram na morte do norte-americano George Floyd.
A principal autoridade de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, precisa liderar os esforços de combate ao racismo sistêmico da polícia contra pessoas afrodescendentes, decidiu o Conselho de Direitos Humanos na sexta-feira (19/6).
A resolução – aprovada por unanimidade – segue um raro debate urgente no Conselho no início da semana, solicitado pelo grupo de nações africanas, após a morte no norte-americano George Floyd no estado americano de Minnesota.
A morte do afro-americano desarmado em 25 de maio foi capturada em vídeo enquanto um policial se ajoelhava no pescoço dele por mais de oito minutos em Minneapolis, provocando protestos em todo o mundo.
Durante o debate sobre racismo, acusações de brutalidade policial e violência contra manifestantes que precederam a adoção da resolução, nada menos que 120 oradores tomaram a palavra.
Muitos expressaram sua solidariedade à família de Floyd, cujo irmão também se dirigiu aos membros do Conselho em Genebra, em uma apaixonada mensagem em vídeo pré-gravada, na qual ele instou as Nações Unidas a agirem.
Sem investigação internacional – Embora alguns delegados tenham pedido uma investigação internacional sobre os assassinatos de negros nos Estados Unidos e violência contra manifestantes, outros sustentaram que o problema tem impacto em todas as nações e exigiram uma abordagem mais ampla.
De acordo com a versão final do texto da resolução, a alta-comissária da ONU deverá “preparar um relatório sobre racismo sistêmico, violações do direito internacional dos direitos humanos contra africanos e pessoas de ascendência africana por órgãos policiais, especialmente aqueles incidentes que resultaram na morte de George Floyd e outros africanos e descendentes de africanos”.
O texto também pede a Bachelet – apoiada por especialistas e comitês independentes nomeados pela ONU – “que examinem as respostas do governo (norte-americano) aos protestos pacíficos antirracistas, incluindo o alegado uso de força excessiva contra manifestantes, espectadores e jornalistas”.
Supervisionando a resolução, a embaixadora Elisabeth Tichy-Fisslberger (Áustria), presidente do Conselho de Direitos Humanos (14º ciclo), anunciou que o texto estava pronto para consideração e perguntou se uma votação poderia ser dispensada, à luz do consenso geral.
Passo histórico – Em seu discurso aos Estados-membros como coordenador do Grupo Africano, Dieudonné W. Désiré Sougouri, representante permanente de Burkina Faso nas Nações Unidas, declarou que o debate urgente era “um passo histórico” no combate ao racismo, do qual o Conselho de Direitos Humanos poderia estar “orgulhoso”.
“A indignação internacional causada pelos trágicos eventos que levaram à morte de George Floyd sublinhou a urgência e a importância de o Conselho de Direitos Humanos expressar sua voz contra a injustiça e a brutalidade policial com que todos os dias os africanos e descendentes de africanos são confrontados diariamente em muitas regiões do mundo”, disse ele.
O Conselho também ouviu declarações generalizadas de apoio a uma investigação sobre a violência contra manifestantes que apoiam o movimento Black Lives Matter.
Combate ao racismo permanecerá uma prioridade – “A luta contra todas as formas de racismo e discriminação racial continua sendo uma prioridade para nós”, disse Michael Ungern-Sternberg, representante permanente da Alemanha nas Nações Unidas em Genebra.
“Nas últimas semanas, muitas pessoas em todo o mundo levantaram suas vozes e foram às ruas para enviar um sinal claro de que o racismo e o uso excessivo da força por policiais contra populações minoritárias não podem mais ser aceitos.”
Outros oradores insistiram que a resolução era necessária e importante na promoção da conscientização sobre o racismo sistêmico e na continuação do trabalho de implementação de compromissos-chave adotados em 2002 na Conferência Mundial de Durban contra racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias relacionadas.
“Vidas negras importam”, disse o embaixador Coly Seck, representante permanente do Senegal no escritório das Nações Unidas em Genebra. O racismo continua ocorrendo também em muitos países, disse ele, observando que isso ocorre em “flagrante contradição” à Carta da ONU, “na qual depositamos nossa fé nos direitos humanos básicos e no valor da pessoa humana”.
Acusações do governo dos EUA de “terrorismo doméstico” – Em outro desenvolvimento referente às consequências dos protestos pela morte de George Floyd, especialistas independentes da ONU manifestaram na sexta-feira (19) “profunda preocupação” com recente declaração do procurador-geral dos EUA descrevendo o chamado movimento Antifa e outros ativistas antifascistas como “terroristas domésticos”.
Segundo os relatores, tais declarações prejudicam os direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica no país.
“O direito internacional dos direitos humanos protege o direito à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica”, disse Fionnuala Ní Aoláin, relatora especial da ONU para a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais no combate ao terrorismo.
“É lamentável que os Estados Unidos tenham decidido responder aos protestos de uma maneira que comprometa esses direitos fundamentais.”
Após manifestações em todo o país que começaram depois que a polícia de Minneapolis matou o afro-americano George Floyd, o procurador-geral dos EUA, William Barr, alertou que a suposta violência realizada por Antifas e outros movimentos “é terrorismo doméstico e será tratada de acordo”, observou o comunicado de imprensa do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Embora não tenha havido uma ação legislativa após a declaração de 31 de maio, Ní Aoláin – advogada que trabalhou extensivamente no campo dos direitos humanos e do terrorismo em sua terra natal, Irlanda do Norte – disse que “o uso solto da retórica do terrorismo mina os protestos legítimos e diminui a liberdade de expressão nos EUA, que tem sido uma marca dos valores constitucionais do país e um farol muito além de suas fronteiras”.
Ecoando o desconforto expresso pelo ACNUDH em relação à discriminação racial estrutural nos EUA, particularmente no campo do policiamento, a relatora especial disse que a regulamentação de protestos e violência através das lentes do antiterrorismo pode apenas aumentar as divisões e acentuar as tensões, alimentando novas violações dos direitos humanos.
O grupo de especialistas independentes recomenda enfaticamente que os elementos violentos entre manifestantes pacíficos identificados pela polícia sejam tratados de forma justa e de acordo com o devido processo nos termos da legislação penal existente.
Ní Aoláin pede ao governo dos EUA que adote uma abordagem baseada nos direitos humanos em sua resposta a protestos e violência e evite o uso indevido e a apropriação indébita da linguagem do terrorismo.
Os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos constituem o maior corpo de especialistas independentes no Sistema de Direitos Humanos da ONU e abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo.
Os especialistas trabalham de forma voluntária; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho, além de serem independentes de qualquer governo ou organização.