“O machismo é tão grande que favorece o aumento das mudanças climáticas”, diz Geovania Machado Aires, liderança quilombola maranhense
22.03.2022
Parceira da ONU Mulheres, Geovania ilustra o protagonismo das mulheres quilombolas na liderança da busca por soluções às mudanças climáticas, no alcance da igualdade e na construção de um futuro mais sustentável para todas e todos
A pedagoga Geovania Machado Aires ensina que da palmeira do babaçu nada se perde, tudo se aproveita e se transforma pelos conhecimentos tradicionais, transmitidos de geração em geração. Da folha é possível fazer os telhados das casas e os cestos que carregam os cocos, além de objetos de decoração. Do óleo da amêndoa são produzidos cosméticos como sabonetes, óleos e ainda pode servir de combustível. O óleo também pode ser utilizado em forma de azeite para cozinhar. Já a casca do coco babaçu vira carvão. A comercialização dos produtos é uma importante fonte de renda para as comunidades quilombolas brasileiras.
Moradora do quilombo Bairro Novo, localizado no município de Penalva (MA), Geovania Machado Aires é uma mulher quilombola de 34 anos que faz parte do grupo de Mulheres Quilombolas, Extrativistas e Quebradeiras de Coco Babaçu. Pedagoga e pesquisadora, a maranhense trabalha na administração pública do município e é parceira do projeto “Direitos humanos das mulheres indígenas e quilombolas: uma questão de governança!”, desenvolvido pela ONU Mulheres. Financiada pela Embaixada da Noruega, a iniciativa está sendo implementada nos estados do Maranhão e do Pará com o intuito de colocar os direitos humanos das mulheres indígenas e quilombolas no centro da gestão governamental, com o desenvolvimento de políticas estatais e municipais que respondam às necessidades dessas mulheres e assegurem a melhoria contínua de suas condições econômicas e sociais.
Filha de Maria Nice Machado Aires, importante liderança quilombola do Brasil, a trajetória de Geovania ilustra o protagonismo das mulheres quilombolas na busca por preservação ambiental e adaptação às mudanças climáticas, no alcance da igualdade e na construção de um futuro mais sustentável para todas e todos. De acordo com pesquisas realizadas pelo projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (Universidade Estadual do Maranhão), o Brasil tem cerca de um milhão de quebradeiras de coco que trabalham com o babaçu. Destas, ao menos 400 mil integram o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, mobilização que propiciou visibilidade da atuação dessas mulheres contra as devastações ambientais, em favor da equidade de gênero, em defesa dos territórios, da lei de livre acesso aos babaçuais, e por uma tecnologia que seja socialmente apropriada.
Geovania alerta que as mudanças climáticas são um problema que há muitos anos afeta as comunidades tradicionais por conta das derrubadas dos babaçuais, das queimadas e dos conflitos em torno dos campos naturais. “Os impactos estão em todos os cantos das áreas de proteção ambiental e quem sofre são os moradores que estão na base lutando para sobreviver às mazelas”. De acordo com a liderança, as mulheres estão à frente dessa defesa porque a maioria vive do extrativismo. “A derrubada das áreas nativas, as palmeiras de babaçu, açaí, mangaba e demais componentes afeta toda uma cadeia de alimentação já conquistada naquele espaço. Nós observamos que o machismo é tão grande que favorece o aumento das mudanças climáticas”, afirma.
Uma das participantes do curso “Políticas públicas para mulheres e interseccionalidades”, realizado no âmbito do projeto da ONU Mulheres, a líder quilombola conta que multiplicou seus saberes com sua comunidade. “Aprendi muito com os textos que mencionavam o empoderamento de nossas mulheres. Ainda há muita dificuldade de nossas guerreiras lutarem pelo seu direito e seu lugar de fala”, sinaliza Geovania Machado Aires. Muita ativa em sua comunidade, Geovania promove encontros com as mulheres penalvenses e trabalha com cerca de duas mil mulheres. “Lido diretamente com o público e aplico todos os dias o empoderamento dos valores passados pelo curso. Eles precisam ser respeitados enquanto direito e enquanto deveres”, conclui a pedagoga.
Geovânia é pedagoga e mestra em Ciência Política e Relações Internacionais pelo programa de Pós-Graduação Cartografia Social e Política da Amazônia da Universidade Estadual do Maranhão e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. É, ainda, pesquisadora do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, do grupo de pesquisa “Literatura e Antropologia: cartografias e outras formas narrativas” e do projeto “Centro de Ciências e Saberes: experiência de criação de Museus Vivos na afirmação de saberes e fazeres representativos dos povos e comunidades tradicionais”, coordenado pela professora Heloísa Maria Bertol Domingues e pelo professor Alfredo Wagner Berno de Almeida. Em seu currículo acumula cargos como secretária Municipal de Meio Ambiente de Penalva (Maranhão), secretária de Igualdade Racial de Penalva (Maranhão), e assessora da Associação das Comunidades Negras Rurais e Urbanas Quilombola do Estado do Maranhão (ACONERUQ). Atualmente, é educadora, diretora regional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas do Estado do Maranhão e secretária de Administração de Penalva (Maranhão).