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Brasil

Naiara Leite: “Precisamos que os Estados tenham dados com um olhar interseccional, porque se não tivermos, há um processo muito sutil de invisibilidade, de negação”



30.07.2024


Naiara Leite é uma ativista do movimento de mulheres negras no Brasil. Desde jovem, faz ativismo político. Combina seu ativismo com temas de comunicação, tecnologia, cuidados e segurança digital. Faz parte da cooordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, uma rede brasileira que reúne 34 organizações de mulheres negras dos nove estados deste território. De maneira mais ampla, a articulação de mulheres negras brasileiras conta com mais de 60 organizações de mulheres negras a nível nacional, fazendo um trabalho de denúncia do racismo patriarcal no Brasil.

 

Por que você acha que é importante lembrar o Dia das Mulheres Afrolatinas, Afro-caribenhas e da Diáspora?

Eu acredito que o 25 de julho nasce como um processo de organização e articulação das mulheres da região latino-americana. Marca um processo histórico em que as mulheres negras falam do racismo sem articulação, com uma perspectiva de denúncia dos impactos patriarcais do racismo que não são considerados ao falar sobre todas as violências que atravessam seus corpos. É uma oportunidade para convidar as mulheres de todos os países a se articularem e se juntarem em nome de uma agenda política produzida, criada, fortalecida e protagonizada pelas mulheres negras.

A partir desse momento é que as mulheres fazem uma denúncia sobre o processo de colonização do racismo nas Américas, no qual as mulheres negras juntas criam uma rede afro e, a partir de então, vão forjando e realizando processos que permitem fortalecer nossa rota. Isso provoca um processo de mudança na região. Já o Brasil contava com uma experiência mais antiga nesse sentido, porque em 1978 as mulheres negras já haviam feito nosso primeiro encontro de mulheres negras. Ao falar do 25 de julho, trata-se do primeiro encontro latino-americano de mulheres negras na República Dominicana, onde ocorre um processo regional que tem um impacto para a América Latina e Caribe.

Quais são os desafios atuais enfrentados pelas mulheres negras?

É muito complexo, no caso do Brasil, mudar em 50 anos mais de 400 anos de escravidão. O impacto é real. É um impacto que está na estrutura, um projeto de genocídio das populações negras. Não só no Brasil, mas em toda a América Latina.

As mudanças levam muitos anos, especialmente as conquistas em matéria dos direitos das mulheres. Não é possível pensar em violência contra as mulheres, em mudanças climáticas, migração, políticas de cuidados, direitos sexuais, saúde sexual e saúde reprodutiva sem falar de racismo, sem falar de uma perspectiva interseccional que leve em conta as múltiplas realidades que as mulheres negras vivem nos países.

Então, é complexo falar de mudanças porque os desafios são muitos, porque estamos falando de processos que levam anos em função de uma história de escravidão na diáspora, na região. Hoje, nossa narrativa está posta nas sociedades, nos países. Falem conosco, nós conseguimos ações. Saímos de uma invisibilidade. Somos um grupo político forte, mas os Estados demoram muito para fazer mudanças a partir da agenda que estamos propondo. É preciso falar sobre as mulheres negras. As políticas devem incluir a perspectiva interseccional e se deve pensar em políticas que enfrentem o racismo patriarcal, que não é somente o patriarcado. É um desafio que tem a ver com o imaginário, com temas de privilégios dos quais não se quer falar.

Sim, existe uma parte das sociedades que foram beneficiadas pela escravidão. Isso tem a ver com o jogo de poder. Isso tem a ver conosco, que estamos rompendo com a sub-representação e com uma ideia de democracia que não nos inclui. Não é democracia se as mulheres e as populações negras não estão. Vivemos em países racistas. Não temos democracia. Não podemos ter uma participação limitada. Isso é uma mudança de poder.

Apesar disso, há avanços. Temos leis, temos instituições públicas, por exemplo. No Brasil temos o ministério da mulher e o ministério da igualdade racial, mas isso não é suficiente para mudar uma realidade tão perversa e enfrentar os projetos políticos genocidas. Acredito que temos avanços, mas temos desafios porque precisamos garantir o direito à vida das mulheres afro.

Como podemos abordar a invisibilidade histórica, social e política das mulheres afrodescendentes em diversas áreas, por exemplo, tanto na participação política e social quanto no mundo da arte, nas ciências, na academia? Como podemos abordar essa invisibilidade?

Eu acredito que primeiro precisamos ter dados. É preciso falar sobre violência política, sobre ameaças contra defensoras, sobre violência doméstica, feminicídio, sobre mortalidade materna, sobre violência obstétrica. Onde estão as mulheres afro nisso? Porque não é possível ter dados que não tenham a perspectiva interseccional para visibilizar esta situação. O outro aspecto é a luta das mulheres afro. Que dados temos, por exemplo, de mulheres nas universidades, que estão ocupando espaços políticos, porque precisamos mudar o imaginário das meninas. As meninas precisam conhecer nossa história positiva também, histórias que demonstrem que na luta das mulheres negras estão sendo alcançadas mudanças.

Então, acredito que são as duas coisas: os dados para visibilizar nossa situação de violência e os dados para visibilizar as conquistas que mudaram neste tempo. Precisamos construir e resgatar. Precisamos que os Estados tenham dados com um olhar interseccional, porque se não estamos, é um processo muito sutil de invisibilidade, de negação.

Que futuro você imagina para as meninas jovens afrodescendentes?

Meu sonho é que todas as meninas sejam livres, que tenham liberdade sobre seu cabelo, seu corpo, sua educação, na tomada de decisões, sem estarem presas ao racismo e que tenham uma boa autoestima.

O que você pensa sobre o ativismo virtual? Que recomendações você pode dar, principalmente porque é um ambiente onde a juventude tem uma atuação importante?

Do ponto de vista do ativismo, acredito que a Internet e as novas tecnologias têm produzido um impacto positivo, porque há um maior alcance de nossas narrativas, mas também há uma situação de insegurança muito grande com a perspectiva reacionária, de ódio, racista e misógina muito grande no meio virtual.

Precisamos construir estratégias para a denúncia, mas também para que possamos ter nos países marcos legais de como consumimos e como vivemos na era da Internet. Embora a parte virtual seja importante, precisamos compreender que nosso lugar é na rua. Precisamos falar nesse espaço que não é virtual. Precisamos falar com as pessoas, com as mulheres. Precisamos ir a esses espaços públicos, institucionais para falar sobre o que queremos, precisamos estar em nossas comunidades e nossos territórios com as meninas, com os jovens, com as mulheres, porque precisamos fazer ativismo fora desse espaço virtual, porque esse espaço virtual tem um limite sobre quais mudanças vamos fazer e também tem um limite sobre a mudança de compreensão crítica do mundo.

A ação política formativa e de reflexão que os movimentos de mulheres afro têm realizado nos territórios tem um impacto que transforma a vida das meninas. Isso se consegue a partir da presencialidade, participando de protestos, fazendo denúncias nas ruas. O ativismo virtual tem um papel importante, mas deve ir além. As juventudes têm que ser convocadas porque a luta contra o racismo, por exemplo, é um caminho longo que não terá fim na minha geração.

Outro tema importante que deve ser considerado em marcos legais é a segurança digital, porque para nós, por exemplo, no Brasil, vemos que, ao falar sobre o assassinato de uma mulher negra, as reações em um ambiente virtual são piores. As pessoas não têm empatia por nós. Então, nesse ambiente virtual também prevalece o ódio.

 

Nota: Estas publicações buscam estimular um debate propositivo em torno dos principais temas de interesse para o avanço da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres na América Latina e no Caribe. Os conceitos expressos pelas pessoas entrevistadas para a produção de nossos conteúdos editoriais não refletem necessariamente a posição oficial da ONU Mulheres e agências do Sistema das Nações Unidas.