Mulheres lésbicas contam início da mobilização por direitos e desafios atuais para exercício de cidadania
29.08.2019
Durante o mês de agosto são realizadas atividades que buscam reconhecimento e valorização de mulheres lésbicas em diversas esferas da sociedade
Agosto é mês de mobilização de mulheres lésbicas por direitos. Duas datas – 29 de agosto, Dia da Visibilidade Lésbica, e 19 de agosto, Dia do Orgulho Lésbico – movimentam o calendário de atividades de coletivas, grupos e organizações em defesa dos direitos das mulheres lésbicas em todo o Brasil.
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29/8) foi destacado como data de referência há mais de duas décadas, no ano de 1996, durante o I Seminário Nacional de Lésbicas (Senale). O evento foi o primeiro encontro de mulheres homossexuais de todo o país em uma organização oficial. O Dia do Orgulho Lésbico (19/8) faz referência a episódio ocorrido em 1983, quando mulheres do grupo GALF ocuparam um bar em São Paulo. O ato aconteceu semanas após ativistas terem sido convidadas a se retirar do local pelo proprietário do bar por estarem divulgando uma revista sobre ativismo lésbico.
De acordo com ativistas lésbicas, os últimos dois anos têm sido marcados pela intensificação da mobilização por direitos. Elas avaliam que, desde 2017, há uma organização maior e agenda ainda mais unificada para a realização de atividades políticas e culturais durante todo o mês de agosto. Esse passo se deu a partir do Projeto de Lei (PL) da Visibilidade Lésbica, de autoria de Marielle Franco, que naquele período era vereadora do Rio de Janeiro. O PL foi rejeitado por dois votos na Câmara Municipal do Rio, ainda assim, a partir daquele momento, houve maior fortalecimento das redes envolvidas.
Segundo Yone Lindgren, fotógrafa aposentada e membra da Coordenação de Política Nacional da Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL), a criação desta celebração foi um ato muito importante para visibilizar o movimento de mulheres lésbicas. “Antes, era como se fosse uma luta gay focada nos homens, as mulheres ficavam apagadas”.
As especificidades das mulheres lésbicas e a resposta do poder público são questões que mobilizam as ativistas lésbicas. “Esses eventos pontuais mostram a necessidade de criação de políticas para fazer com que as pessoas vejam que somos sujeitas de direitos”, comenta Claudia Holanda, cantora e integrante da ABL. Para Claudia, ser visível é essencial para que as mulheres lésbicas sejam vistas sem estigmas e estereótipos. Além disso, ainda permite que meninas entendam sua sexualidade.
“A visibilidade não faz com que ninguém vire lésbica, mas vai ajudar aquelas que são a encontrarem apoio e ver que há nada errado na forma que seus desejos se manifestam”, acentua Claudia.
A cantora, que pesquisa sobre lésbicas na música, ressalta que é muito importante ocupar esse espaço, pois o campo da música tem um poder muito comovente. Claudia cita nomes de artistas como Leci Brandão, Sandra de Sá, Simone, Maria Bethânia e Cássia Eller. Ela lembra que foram as lésbicas que iniciaram a força das mulheres na composição dentro do campo música popular brasileira: “o único papel da mulher era o da cantora, o papel mais intelectualizado era dos homens”.
Ausência de políticas públicas – Apesar dos avanços em termos de representatividade, mobilização e união, as ativistas ressaltam o atraso em políticas públicas direcionadas a este grupo, principalmente em questão de saúde e segurança. “Tudo que se conquista neste campo são direitos muito frágeis e ainda estamos lutando para nos manter vivas”, realça Claudia Holanda.
Entre os desafios para o exercício pleno da cidadania de mulheres lésbicas está a impossibilidade de fazer avançar respostas às demandas das mulheres lésbicas. “Se for fazer uma análise, ainda estamos na mesma pauta de 10 anos atrás. Em comparação com outros movimentos LGBT, avançamos muito pouco. Pautas de 1996 do primeiro Senale ainda não foram atendidas”, enfatiza Michele Seixas, assistente social e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil (GASC) da ONU Mulheres.
Michele chama atenção para a falta de dados e pesquisas sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) que contemplem mulheres que se relacionam com mulheres. Ela alerta sobre a invisibilidade da população lésbica neste contexto: “Existem lésbicas com HIV, sífilis e outras ISTs, mas somos ignoradas nas pesquisas como se não existíssemos. Não há estudos para a prevenção e nem de métodos de barreiras sexuais, nós temos que fazer tudo na gambiarra”.
Outro ponto destacado pelo movimento é a questão da necessidade do empoderamento econômico. Há diversos casos de pessoas LGBT, que não são aceitas pelas suas famílias ao assumirem sua orientação sexual ou identidade de gênero. A partir disso, elas, muitas vezes, entram em estado de vulnerabilidade econômica por não terem mais apoio financeiro familiar.
O mercado de trabalho apresenta outros obstáculos, tais como como a desvalorização do trabalho exercido e dificuldade em conseguir contratações por causa de sua sexualidade. Todas essas questões que ainda podem ser somadas às discriminações de raça e classe de cada indivíduo. De acordo com o manual Construindo a igualdade de oportunidades no mundo do trabalho: combatendo a homo-lesbo-transfobia, das Nações Unidas, “o direito a trabalhar, é um desses direitos humanos que precisam ser garantidos às pessoas LGBT. Não se trata apenas do acesso ao emprego e a estabilidade no mesmo, mas do direito a um ambiente inclusivo onde todos possam desenvolver plenamente seu potencial, sem barreiras ou entraves à carreira, com tratamento respeitoso, equidade e liberdade para se expressar sem constrangimentos ou violências”.
Ani Ganzala é lésbica, negra, mãe e trabalha com arte profissionalmente em Salvador desde 2011. Seu trabalho nasceu da esperança de se criar uma arte lésbica, pois sentia uma ausência de representação de mulheres lésbicas e negras nas artes. “Ser sapatão para mim está muito ligado ao afeto, desde o amor próprio no processo de aceitação até o amor por outra pessoa. Todas essas coisas foram ponto de partida para a minha arte”, declara Ani.
A artista iniciou-se no graffiti com a elaboração de imagens femininas, mas após sofrer ameaças por causa de suas criações passou a trabalhar mais com ilustração e aquarela. Apesar do choque, a ilustradora relata que se sente muito feliz em ver hoje uma representação maior de mulheres que compartilham desta mesma identidade. “Quando a gente busca na internet sobre lésbicas aparece muita pornografia, muita violência, muito assassinato. Mas a gente também precisa de imagens positivas sobre nós, para que a gente não viva um eterno trauma”, expõe a artista.
A escritora e poeta Roza Bahia compartilha da mesma sensação. Ela conta que as mulheres lésbicas já estiveram bem mais invisíveis, mas que vê mudanças no cenário de autoras lésbicas: “Há livros de 20 anos atrás de autoras que eu não conhecia, as pessoas estão tendo mais acesso agora, a visibilidade é bem maior”.
Além disso, Roza frisa como não há aumento somente de escritoras, mas também de público. De acordo com a poeta, além de haver uma busca maior por esta literatura, atualmente existem mais meios de se encontrar autoras como ela. Um dos exemplos citados pela escritora são algumas hashtags do Instagram.
Lívia Ferreira, atriz, administradora e participante da Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras para Promoção em Saúde e Controle Social de Políticas Públicas Sapatá, tenta trazer informações por meio da escolha dos textos criados e interpretados em suas apresentações. Ela trabalha com o viés do teatro do oprimido, vertente artística que aborda realidades em forma de arte.
A atriz salienta a importância da valorização de presença de mulheres lésbicas, na retomada do afeto, em representações positivas e na ocupação de espaços de poder. “A gente precisa acreditar mais nas nossas potencialidades. Acreditar que existe afeto entre nós e podemos ocupar espaços de poder para decidir sobre nossos corpos. Precisamos colocar outras pessoas com outros olhares no poder. Nada de nós sem nós”, conclui Lívia.
Livres e Iguais – Partindo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidades e direitos, a campanha Livres&Iguais é uma iniciativa global das Nações Unidas cujo objetivo é promover a igualdade e os direitos humanos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis (LGBT).
O projeto é uma iniciativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), implementado em parceria com a Fundação Purpose. A campanha tem o objetivo de aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação homo-lesbo-transfóbica, além de promover maior respeito pelos direitos das pessoas LGBT por todo o mundo.
No Brasil, a inciativa sob a responsabilidade do Escritório de Coordenação do Sistema ONU no Brasil – é fruto de uma ação conjunta de diversos organismos da ONU (PNUD, ACNUDH, UNICEF, UNESCO, UNAIDS, UNFPA, OIT, ONU Mulheres e UNIC Rio) e diferentes parceiros como governos, empresas, artistas e sociedade civil organizada.