Empoderar mulheres venezuelanas no Brasil, uma resposta humanitária da ONU Mulheres
17.09.2019
Antes das 8 horas da manhã, embaixo do sol quente equatoriano, dezenas de migrantes venezuelanas e mulheres refugiadas estavam na frente da Igreja de Consolata, em Boa Vista, capital de Roraima, situada no norte do Brasil e divisa com a Venezuela.
Entre elas, estava Briggitte Jimenez, de 49 anos. Ela chegou em Boa Vista em fevereiro de 2019, depois que o programa de saúde público venezuelano cortou o tratamento de câncer. Seu filho de 17 anos tinha câncer no estômago e Jimenez deixou seus três outros filhos na Venezuela na esperança de salvar seu filho mais velho. Por conta própria e incapaz de trabalhar enquanto cuidava de seu filho, quase inconsciente, Jimenez ficou na fila ao lado de outras mulheres na esperança de receber assistência da ONU Mulheres.
Com financiamento do Fundo Central da ONU de Resposta de Emergência, a ONU Mulheres ofereceu diversos serviços e treinamento de novembro de 2018 a março de 2019. Jimenez foi em busca de ajuda psicossocial e financeira. O programa teve foco em mulheres em situação de vulnerabilidade, como as que estão em situação de rua, com problemas de saúde e deficiências, com um familiar doente ou em risco de exploração sexual e/ou tráfico.
Briggitte Jimenez esperou muitas manhãs antes de ser uma das centenas de mulheres abrigadas e nomeadas para tratamento psicológico gratuito e auxílio financeiro.
‘’Essa foi a primeira ajuda que tive no Brasil’’, disse ela. ‘’Elas viram meu estado emocional e psicológico e me ajudaram a sair do buraco que eu estava presa e encarar a realidade como ela é. E, agora, eu estou muito mais ligada com a minha própria força”.
Com uma fé inquebrável, Jimenez ajudou seu filho e comprou comida que ele conseguisse digerir. Ela também participou de alguns workshops de empoderamento econômico.
‘’A gente vem com a ideia de que quando chegarmos aqui tudo irá ser fornecido para nós, mas não é verdade.’’ Ela admite: “O curso que eu fiz na ONU Mulheres sobre educação financeira me ensinou a guardar dinheiro e usar mais sabiamente’’.
Pela parceria entre a Defensoria Pública de Roraima, a Universidade Federal de Roraima, setores privados e as agências da ONU, as oficinas alcançaram 1.148 mulheres e 177 homens. Os temas eram decididos com base no que as mulheres mais precisavam: resolução de conflitos, qualificação profissional, empreendedorismo, aulas de culinária e artesanato e conversas com homens sobre a não-violência e responsabilidades compartilhadas.
Gabriela Avila, de 33 anos, instruiu Briggitte Jimenez e outras 107 mulheres em habilidades que ela também teve que aprender – como economizar, gastar e investir a ajuda financeira recebida.
Nos três primeiros meses de 2019, 609 mulheres eram apoiadas em Boa Vista pela equipe multidisciplinar da ONU Mulheres, composta por psicólogas, assistentes sociais e advogado. Após a triagem, 67 mulheres tiveram tratamento psicológico gratuito, 77 receberam aconselhamento jurídico e 443 obtiveram dinheiro de emergência para empregar em suas necessidades urgentes.
“Quando começamos a trabalhar no campo, as mulheres costumavam nos dizer que sentiam que eram ouvidas pela primeira vez desde que chegaram ao país”, diz Fernanda Givisiez, coordenadora de apoio psicossocial da ONU Mulheres.
O escritório de campo da ONU Mulheres foi aberto em Boa Vista, em novembro de 2018, para trazer a perspectiva de gênero à resposta humanitária nacional. Segundo as últimas estatísticas da Polícia Federal do Brasil, cerca de 500 venezuelanos e venezuelanas entram no Brasil diariamente. O estado de Roraima registra o maior número, com 10.000 venezuelanos e venezuelanas, metade dos quais atualmente moram em abrigos e outros que não têm condições de alugar uma casa, moram nas ruas ou ocupam prédios abandonados.
Em Pintolândia, em um abrigo de emergência exclusivo para grupos indígenas Warao e E’ñepá, vindos e vindas da Venezuela, as mulheres estão recebendo apoio para aprimorar suas habilidades para aumentar e a produção de artesanato.
”Estamos mostrando a cultura de nossos antepassados e isso nos faz sentir mais fortes”, diz Oriana Gonzalez*, uma líder de 54 anos do Warao que ensina mulheres mais novas a fazerem cestas, chaveiros, colares, arcos e flechas.
“Nosso papel aqui é salvar a vida das mulheres”, diz Flávia Muniz, coordenadora de Espaço Seguro da ONU para Mulheres. “E fazemos isso dando às mulheres esperança e ferramentas práticas – ajuda financeira, apoio psicossocial e jurídico, encaminhamento para serviços públicos, oficinas educacionais para desenvolver e fortalecer suas habilidades e espaços seguros para que as mulheres cuidem umas das outras”.
A ONU Mulheres também está treinando funcionários e funcionárias públicas sobre os obstáculos extras e únicos enfrentados pelas mulheres como migrantes e solicitantes de asilo.
Notas
* Os nomes foram alterados para proteger a privacidade das pessoas.
Atualização: o filho de Briggitte Jimenez morreu alguns meses após sua chegada a Boa Vista. Ela voltou para a Venezuela, apenas para retornar ao Brasil dois meses depois – movida pela fome e escassez. Ela continua a participar de atividades de qualificação profissional da ONU Mulheres e está recebendo apoio psicológico.