Discurso do Secretário-Geral da ONU durante a abertura da 69ª Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW)
11.03.2025

UN Secretary-General António Guterres addresses the Town Hall Meeting in the General Assembly Hall with Civil Society on the occasion of the sixty-ninth session of the Commission on the Status of Women (CSW69/Beijing+30). Crédito: UN Photo/Evan Schneider
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, discursou na abertura da 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), em Nova York, nesta segunda-feira (10/3).
A CSW é a maior reunião anual da ONU sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e meninas, com participantes dos países-membros da organização, representantes da sociedade civil, de governos e do setor privado.
Leia a seguir o discurso de António Guterres na íntegra:
____________________________________
Senhor Presidente, Excelências, caros amigos,
Permitam-me dedicar uma saudação especial aos nossos amigos da sociedade civil – vocês impulsionam a igualdade de gênero.
Diante de imensos obstáculos, vocês se esforçam para tornar nossas sociedades mais justas, mais equitativas, mais representativas – e, como resultado, mais resilientes e prósperas para todos.
Eu cumprimento e agradeço vocês.
Excelências, caros amigos,
Nos reunimos enquanto o mundo marca trinta anos desde que países se encontraram em Pequim…
Reafirmaram os direitos das mulheres como direitos humanos…
E prometeram, e cito: “Igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres, em todos os lugares”.
É claro que sempre soubemos que isso não aconteceria da noite para o dia – ou mesmo ao longo de alguns anos.
Mas, três décadas depois, essa promessa parece mais distante do que poderíamos imaginar.
Os direitos das mulheres estão sob ataque. O veneno do patriarcado voltou – e voltou com força:
Freando ações, destruindo avanços e assumindo novas e perigosas formas.
Mas há um antídoto.
Esse antídoto é a ação.
Agora é o momento para que aqueles de nós que se preocupam com a igualdade para mulheres e meninas se levantem e se manifestem.
Agora é a hora de o mundo acelerar o progresso e cumprir a promessa de Pequim.
Excelências, caros amigos,
Nos últimos trinta anos, o mundo avançou:
Na ampliação da educação para meninas, na redução da mortalidade materna, no aumento das proteções legais e em outras áreas.
Mas as lacunas permanecem imensas.
Horrores antigos, como violência, discriminação e desigualdade econômica, ainda são comuns.
A disparidade salarial de gênero ainda é de 20%.
Globalmente, quase uma em cada três mulheres já sofreu violência.
E a violência sexual em conflitos ocorre em países como Haiti e Sudão.
Em muitas nações, mulheres e meninas ainda são privadas dos direitos mais básicos:
O direito de não ser estuprada pelo próprio marido…
O direito de possuir bens ou conceder cidadania em igualdade com os homens, ou de acessar crédito sem a permissão do cônjuge.
E em todo o mundo, conquistas duramente alcançadas estão sendo revertidas:
Os direitos reprodutivos estão sob ataque, e iniciativas de igualdade estão sendo descartadas.
No Afeganistão, mulheres e meninas foram privadas de seus direitos mais básicos – proibidas até mesmo de levantar suas vozes em público.
Enquanto isso, novas tecnologias – incluindo a Inteligência Artificial – criam condições para novas formas de violência e abuso, normalizando a misoginia e a vingança digital.
Cerca de 95% de todos os deepfakes online são imagens pornográficas não consensuais. 90% retratam mulheres.
E o acesso desigual às tecnologias agrava as desigualdades existentes.
Excelências, caros amigos,
Por que não avançamos mais?
Sem dúvida, as crises globais prejudicaram o progresso:
A COVID-19 provocou um aumento da violência contra mulheres e meninas e uma queda na participação no mercado de trabalho.
A crise da dívida está drenando recursos e reduzindo o espaço fiscal para programas de igualdade de gênero.
Os desastres climáticos crescentes afetam mais duramente mulheres e meninas.
E a igualdade de gênero tem sido afetada pelos conflitos em ascensão ao redor do mundo.
No entanto, as crises globais não são os únicos obstáculos.
Novas leis foram criadas, mas não foram acompanhadas dos investimentos necessários para torná-las realidade…
E nem sempre foram baseadas nos padrões e princípios internacionais de direitos humanos.
Normas discriminatórias persistem…
A vontade política muitas vezes é fraca…
E a prestação de contas também.
O financiamento para organizações de direitos das mulheres caiu drasticamente.
O espaço cívico está diminuindo.
Defensoras dos direitos das mulheres enfrentam assédio e ameaças cada vez maiores.
E ao redor do mundo, os arquitetos da misoginia estão ganhando força, confiança e influência.
Vemos isso nos ataques dirigidos às mulheres em ambientes online.
Vemos isso nas tentativas de desmantelar os direitos humanos das mulheres e suas liberdades fundamentais.
E vemos isso em líderes dispostos a sacrificar a igualdade.
Caros amigos,
A igualdade para mulheres e meninas é um direito humano.
É uma questão de justiça.
É a base do desenvolvimento sustentável e da paz duradoura.
E é essencial para a humanidade.
Ao garantir educação de qualidade para meninas e abrir portas para oportunidades de trabalho digno para mulheres, impulsionamos o crescimento econômico e fortalecemos as economias.
E ao garantir que mulheres e meninas tenham seu lugar à mesa, aumentamos nossas chances de enfrentar desafios globais – do clima aos conflitos.
Então, como acelerar o progresso?
Primeiro – impulsionando o financiamento sustentável para o desenvolvimento sustentável – garantindo financiamento adequado para a igualdade de gênero.
O Pacto para o Futuro, acordado no ano passado, avança de forma ousada.
Os direitos das mulheres e meninas estão no centro desse Pacto.
Exorto todos os países a cumprirem integralmente seus compromissos…
E a priorizarem investimentos na igualdade de gênero:
Investimentos em educação e capacitação…
Investimentos no empoderamento econômico – incluindo salários e pensões adequadas para cuidadores – a maioria dos quais são mulheres…
E investimentos para erradicar todas as formas de violência e assédio – a Iniciativa Spotlight das Nações Unidas demonstra o impacto positivo que isso pode ter.
Segundo – precisamos aumentar o apoio às organizações de mulheres.
Elas desempenham um papel vital na prestação de contas – impulsionando o progresso, defendendo direitos e garantindo que mulheres e meninas – e seus interesses – sejam ouvidos.
Governos devem ampliar o espaço para a sociedade civil.
E proteger as defensoras dos direitos das mulheres, garantindo que aqueles que as ameaçam sejam responsabilizados.
Também precisamos fortalecer os mecanismos institucionais de prestação de contas dentro dos governos para impulsionar o progresso.
Terceiro – precisamos de ação na tecnologia:
O Pacto Digital Global compromete-se com ações para mulheres e meninas:
Para encorajar a liderança delas…
Corrigir dados enviesados por gênero…
Eliminar todas as formas de violência digital…
Garantir iniciativas de construção de capacidades direcionadas para mulheres e meninas…
E promover a participação delas em ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Quarto, precisamos garantir a plena e significativa participação das mulheres na construção da paz.
Essa é uma via comprovada para soluções mais duradouras – conforme reconhecido pela Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, adotada há 25 anos.
O Pacto para o Futuro compromete-se a integrar as mulheres em todos os aspectos da prevenção de conflitos e da construção da paz. Isso deve ser cumprido.
Por fim, precisamos garantir a participação plena e igualitária das mulheres na tomada de decisões – em todos os níveis e setores.
Precisamos de mulheres liderando governos e empresas.
Sabemos o que funciona: medidas especiais temporárias, como cotas e metas de paridade, devem ser adotadas.
Falo por experiência própria.
As Nações Unidas lideraram pelo exemplo.
Pela primeira vez na história, alcançamos e mantivemos a paridade de gênero entre a alta liderança na sede da ONU e ao redor do mundo.
E fizemos isso de forma simples: ampliamos a busca por candidatas qualificadas.
Nunca comprometemos a competência.
Apenas nivelamos o campo de jogo.
E descobrimos uma verdade fundamental: um maior pool de talentos beneficia a todos.
Caros amigos,
As Nações Unidas são mais fortes porque são mais representativas do mundo que servimos.
E estamos determinados a fazer ainda mais pelas mulheres e meninas do mundo.