Discurso da representante da ONU Mulheres Brasil, Anastasia Divinskaya, na audiência pública “Violações e violências contra as mulheres indígenas no Brasil”
17.09.2021
Brasília – 9 de setembro de 2021
Câmara dos Deputados – Comissão de Direitos Humanos e Minorias e Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher
Bom dia a todas e todos!
Senhor Deputado Carlos Veras
Senhora Deputada Joênia Wapichana
Senhora Deputada Erika Kokay
Recebam meus sinceros agradecimentos pela honra de me dirigir ao Congresso nesta Audiência Pública virtual organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
É uma satisfação constatar que o Congresso e ONU Mulheres compartilharmos a urgência e importância de debater o tema dos direitos humanos das mulheres e meninas indígenas no Brasil.
Desde já, gostaria de enfatizar que as mulheres indígenas experimentam um espectro amplo e complexo de violações e abusos dos direitos humanos que se exacerbam mutualmente.
Esse espectro é influenciado por múltiplas e interseccionais formas de discriminação e marginalização, baseadas em gênero, origem étnica e circunstâncias sócio-econômicas; bem como violações históricas e contemporâneas dos direitos à autodeterminação.
Portanto, analisando violação dos direitos humanos, temos que olhar suas causas, as estruturas a sistemas de direitos humanos existentes e ausentes, tanto internacionais quanto nacionais, e o significado do papel das mulheres indígenas na identificação das soluções e na tomada de decisões, que funcionam para elas.
Aqui eu gostaria de dar crédito e agradecer às mulheres indígenas do Brasil, seus grupos e organizações, que têm sido fundamentais para a formulação dos marcos normativos globais, influenciando o estabelecimento de um sólido regime de igualdade de gênero e direitos das mulheres nas Nações Unidas e outros fóruns.
São mulheres que destacam suas necessidades específicas e por décadas defendem a inclusão de seus direitos nas políticas de direitos humanos no Brasil, como o fazem as participantes da II Marcha Indígena organizada esta semana.
Os direitos das mulheres indígenas são protegidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, pela Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas e pelos Pactos Internacionais e subsequentes tratados de Direitos Humanos. E as mulheres tiveram um papel importante neste contexto.
Apesar do progresso feito com as estruturas internacionais de direitos humanos, adoção de políticas nacionais, legislação e estabelecimento de instituições dedicadas nos países membros das Nações Unidas, a atenção sistemática global à vulnerabilidade específica das mulheres indígenas tem permanecido limitada em relação à escala dos abusos contra elas.
Além disso, nem no Brasil nem globalmente, ao aplicar instrumentos internacionais de direitos humanos na formulação e implementação de políticas e leis nacionais, não houve foco suficiente no nexo entre direitos individuais e coletivos, nem em como as formas intersetoriais de discriminação e vulnerabilidade contribuem para violações e abusos contínuos dos direitos das mulheres indígenas.
Isso criou uma lacuna que tem contribuído para o progresso limitado contínuo na conquista da igualdade, respeito e proteção dos direitos, assim como a impunidade generalizada em relação aos direitos das mulheres e meninas indígenas.
É fundamental que as mulheres indígenas tenham a possibilidade de afirmar sua autonomia e papel que desempenham nas comunidades, alinhado com aquilo que é a pedra angular da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas: a autodeterminação como direito fundamental.
Portanto, o empoderamento das mulheres indígenas não deve ser considerado um fator de desintegração de sua cultura ou interpretado como imposição de direitos individuais sobre direitos coletivos.
A participação política e a representação das mulheres indígenas nos órgãos decisórios do Estado é essencial para assegurar o respeito e a garantia de seus direitos, assim como a inclusão de suas realidades e demandas nas políticas públicas.
Sua atual sub-representação deve-se não apenas à discriminação que sofrem por causa de seu gênero e normas sociais relacionadas, mas também à existência de barreiras aos seus direitos econômicos, sociais e culturais, tais como a falta de recursos econômicos, a inacessibilidade geográfica das instituições estatais e a incapacidade de se comunicar em sua língua.
Gostaria de reconhecer o papel das mulheres indígenas defensoras de direitos humanos. Elas têm enfrentado desafios particulares no exercício deste papel, estando frequentemente sujeitas à violência.
O recente relatório que abrange os países da América Latina, incluindo o Brasil, observou que ser mulher e promover a defesa de seus direitos, especialmente o direito à terra e ao meio ambiente, são dois fatores que aumentam o risco de atos de retaliação.
As mulheres indígenas são vítimas de múltiplos atos de violência: abuso sexual e estupro, violência doméstica, assassinatos, desaparecimentos, prostituição forçada, tráfico humano e o uso não consensual de suas imagens como objetos decorativos e exóticos pela mídia, são alguns dos tipos de violência que as mulheres indígenas enfrentam.
Elas também experimentam formas particulares de violência chamadas violência ecológica, referindo-se ao impacto prejudicial das políticas e práticas terrestres que afetam a saúde das mulheres, estilos de vida, status social e sobrevivência cultural.
Nada do que levantei hoje é novo e todos os tipos e formas de violações dos direitos humanos das mulheres e meninas indígenas foram cobertos nos relatórios do governo e da sociedade civil para a ONU e outros órgãos de direitos humanos, bem como nos estudos acadêmicos e na mídia brasileira.
Meu objetivo era ressaltar que os fatos de violência e violações não devem ser considerados isoladamente, as violações dos direitos humanos sofridas por mulheres e meninas indígenas devem ser vistas no contexto do amplo espectro de violações dos direitos humanos, devido a suas vulnerabilidades como membros das comunidades indígenas.
Os abusos e violações são alarmantes e constituem uma forma de violência estrutural, sendo as mulheres indígenas vítimas das realidades de sua vida cotidiana e da violação dos direitos e recursos, garantidos aos cidadãos.
Para proteger os direitos das mulheres indígenas, tanto uma mudança de paradigma como o desenvolvimento de uma abordagem multidimensional é necessária. O engajamento e a consulta com mulheres e meninas indígenas é fundamental para encontrar esse equilíbrio.
A ONU Mulheres está disponível para cooperar com todos os poderes, mulheres indígenas, seus grupos e organizações para apoiar o Brasil na identificação de soluções adequadas às necessidades das mulheres e meninas indígenas.
Muito obrigada a todos os membros da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, e a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
Aguardamos ansiosamente a oportunidade de contribuir ainda mais com seu trabalho.