Desigualdades de gênero empurram mulheres e meninas para longe da ciência, avaliam especialistas, executivas e empresárias
18.02.2019
Mais de 150 participantes, entre especialistas, empresárias e executivas – entre elas as das empresas White Martins, Petrobras, L’Oreal, Fundação Unibanco, Copa D’or, Furnas e Instituto Brasileiro de Petróleo –, discutiram as causas da escassez de mulheres em áreas como engenharia, matemática e tecnologia
No mundo todo, há poucas mulheres nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, das iniciais em inglês). Nas universidades, as mulheres representam apenas 35% dos alunos matriculados nesses campos – o percentual é ainda menor nas engenharias (de produção, civil e industrial) e em tecnologia, não chegando a 28% do total. “É um quadro preocupante, sobretudo porque são essas áreas que vêm gerando mais oportunidades de trabalho”, diz Adriana Carvalho, gerente da ONU Mulheres para os Princípios de Empoderamento Econômico das Mulheres. “Não é possível avançar na igualdade de gênero sem atentar para o hiato em carreiras tão promissoras”, completou Carvalho.
Para discutir as causas que impedem as mulheres de se interessarem mais pelas carreiras STEM e também abordar possibilidades de mudança, a ONU Mulheres, Unesco, Pacto Global, com Firjan Sesi e White Martins, realizaram o debate Meninas na Ciência. O encontro aconteceu na Casa Firjan, no Rio de Janeiro, em 11 de fevereiro – Dia Mundial das Meninas e Mulheres na Ciência. Participaram mais de 150 pessoas, entre executivas de grandes empresas, professoras, estudantes e especialistas no tema. A jornalista Flávia Oliveira conduziu os debates, que contou com representantes de instituições como White Martins, Petrobras, L’Oreal, Fundação Unibanco, Copa D’or, Furnas, Instituto Brasileiro de Petróleo, além de novas empresas de tecnologia, como a Twist. Da academia, estavam cientistas e pesquisadores da COPPE/UFRJ ( Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia é a unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro), ITA-SP (Instituto Tecnológico de Aeronáutica de São Paulo), Universidade Federal da Bahia e Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste. Fundo Elas, Inspiring Girls e demais organizações de apoio às mulheres também contribuíram com as discussões.
Não há na vasta literatura científica nada que sustente a ideia de que as mulheres têm menos aptidões que homens para se desenvolver nas áreas de STEM. Há muitos estudos sobre os fatores biológicos no aprendizado, considerando por exemplo estrutura e funções cerebrais, genética e questões hormonais. Eles sugerem que pode até existir diferença de habilidades cognitivas entre indivíduos, mas não entre gênero, não entre homens e mulheres. “O fato de as mulheres estarem menos presentes em determinadas áreas de conhecimento tem muito mais relação com questões sociais e com expectativas que pais e comunidade propagam desde muito cedo”, diz Fabio Eon, coordenador de Ciências da Unesco no Brasil. Agência da ONU para Educação, Ciência e Cultura, a Unesco possui um amplo banco de dados, aberto ao público, com estatísticas detalhadas sobre meninas e ciências. Os dois estudos recentes que embasaram a palestra de Eon são: Relatório de Monitoramento Global de Educação e Decifrar o Código: educação de meninas e mulheres em STEM.
Nas escolas – As diferenças de interesse por matérias STEM começam a se mostrar na virada do ensino fundamental para o ensino médio, quando mais meninos que meninas realizam cursos avançados de matemática e física, por exemplo. Pesquisas do Instituto Unibanco com escolas no Brasil revelam que, durante o ensino médio, o interesse de meninos por carreiras de exatas já é quatro vezes maior que o de meninas, lembrou Ricardo Henriques, diretor-executivo do Instituto Unibanco e um dos grandes especialistas em educação e desigualdade social no Brasil.
O menor interesse das meninas por matérias de exatas é algo que começa a ser forjado ainda muido cedo, durante a infância, quando as crianças passam a assimilar estereótipos – os meninos ganham incentivo e espaço para desenvolver habilidades espaciais, por exemplo, e as meninas são levadas a acreditar que sua tarefa no mundo é cuidar da casa e da família e não pesquisar, liderar ou criar coisas. Depois, no ensino médio, encontram principalmente homens dando aulas de matemática, ciências e física e, dificilmente, recebem referências a mulheres de destaque nessas áreas.
Para Henriques, é fundamental que as escolas comecem a replicar ações afirmativas, de gênero e também para as diferentes etnias. “Temos de mudar a perspectiva de intenção das meninas. Escolas com mais professoras mulheres em matemática, com mais professoras negras, já produzem um contexto mais positivo”, diz Henriques. Sua ideia é corroborada pelos demais especialistas em educação presentes no encontro. Elas e eles defendem que é preciso repensar o processo de aprendizagem. Há possibilidades de ações simples – como a adequação de materiais didáticos que tragam mais mulheres como exemplos e fontes de conhecimento, além das mudanças na forma de ensinar as matérias STEM. Meninas, por exemplo, costumam demonstar muito mais interesse por física ou matemática quando são apresentadas à aplicação do que estão aprendendo.
Para a universidade, pública ou privada, cabe o papel de dar seguimento a esse processo, começando por realizar ações explícitas de captação de jovens de todos os gêneros para as exatas já nas escolas.
“Não existe escolha certa ou errada”, diz Adriana Carvalho, da ONU Mulheres. “Mas hoje, infelizmente, ainda existe falta de escolha. E as pessoas não podem decidir suas carreiras por acreditarem que pertencem a um mundo e não ao outro.”
Nas empresas – As empresas também têm responsabilidades para levar mais mulheres a se interessarem por carreiras em STEM. “É preciso motivá-las nos estudos dessas áreas. Mas é preciso também dar possibilidades para que tenham emprego quando se formarem”, diz o engenheiro Gilney Bastos, presidente da White Martins para América do Sul. Bastos tem dado apoio a uma série de mudanças em sua companhia para garantir que mais mulheres se candidatem às vagas nas áreas mais técnicas, criando mecanismos internos inclusive para suas promoções. “É verdade que por muitas décadas, a gente só tinha homens engenheiros. Quando comecei, por exemplo, era assim. Mas nós precisamos de talentos, de gente boa para garantir inovação. Ter uma equipe diversa, com mais mulheres e profissionais de diferentes etnias é fundamental para os bons resultados.”
Na L’Oreal, o apoio às mulheres na ciência veio por meio do Para Mulheres na Ciência. Em parceria com Unesco, o prêmio concede bolsa-auxílio para mulheres que tenham se destacado com pesquisas em ciência da vida, matemática, física e química. Entre as já premiadas estão a brasileira Mayana Zatz, e duas reconhecidas pelo Nobel, a israelense Ada Yonath e a estadunidense Elizabeth Blackburn
“Não é ideologia dizer que há desigualdade de gênero, que há racismo.”, diz Amália Fischer, cofundadora e coordenadora-geral do Fundo ELAS, o único fundo brasileiro de investimento social voltado exclusivamente para o protagonismo das mulheres. “A desigualdade é um fato e para acabar com ela, é preciso participação de toda a sociedade, incluindo escolas, universidades e principalmente as empresas”. Amália destacou os dados de um aprofundado estudo da consultoria McKinsey sobre o impacto da desigualdade de gênero. Se as mulheres em todos os países ocupassem o mesmo papel que os homens nos mercados haveria um acréscimo de US$ 28 trilhões na economia mundial até 2025 – ou 26% do PIB global.
ONU Mulheres – O debate Meninas na Ciência faz parte dos esforços da ONU Mulheres para garantir mais possibilidades às mulheres na sociedade e no mercado de trabalho. Garantir às mulheres o reconhecimento de seus direitos, acesso à própria renda e também ao controle e uso desses recursos é um dos temas centrais do mandato da ONU Mulheres.
Em uma de suas mais recentes iniciativas, a ONU Mulheres, com Organização Internacional do Trabalho (OIT) e União Europeia (UE), desenvolveu o Ganha-Ganha: Igualdade de Gênero Significa Bons Negócios. O programa busca fortalecer o protagonismo das mulheres no setor privado, oferecendo às empresas ferramentas para promover a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, na cadeia de fornecedores e nas comunidades com as quais se relaciona.