Aprovação do projeto de lei do feminicídio é avanço para enfrentar aumento de assassinatos de mulheres, diz ONU Mulheres Brasil
04.03.2015
País poderá ser a 16ª nação latino-americana a instituir lei que classifique requintes de crueldade no assassinato de mulheres como crime hediondo. A partir de aprovação no Congresso Nacional, projeto de lei será submetido à sanção presidencial
“É um avanço político, legislativo e social a aprovação do projeto de lei de classificação do feminicídio como crime hediondo e qualificação do assassinato de mulheres por razões de gênero. De iniciativa do Senado Federal, em seguimento às recomendações de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a omissão do poder público à violência contra as mulheres no Brasil e no sentido de fortalecer a aplicação rigorosa da Lei Maria da Penha, o ordenamento jurídico brasileiro tem a possibilidade de ser alterado para que as mulheres tenham assegurado o direito de viver sem violência como vem sendo reivindicado publicamente pelo movimento feminista e de mulheres há mais de 50 anos”, afirma Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil.
O projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados, na terça-feira (3/3), após ter obtido aprovação no Senado, em dezembro de 2014. Será submetido à sanção presidencial. O texto modifica o Código Penal para incluir o crime – assassinato de mulheres – entre os tipos de homicídio qualificado.
O feminicídio é um “crime motivado pelo ódio, planejado, calculado e cometido numa das demonstrações finais de posse e misoginia com que a relação da vítima com o agressor foi marcada. Além de dar nome e visibilidade a esses crimes, a tipificação do feminicídio poderá aprimorar procedimentos e rotinas de investigação e julgamento, com a finalidade de coibir os assassinatos de mulheres. Acreditamos que esse é um passo decisivo para reduzir e eliminar o quadro perverso de 5 mil assassinatos de brasileiras por ano”, afirma Nadine.
Ela ressalta a conquista como um marco dentre as atividades alusivas ao Dia Internacional da Mulher no Brasil e na América Latina e Caribe, considerando que outros 15 países já garantiram a tipificação do feminicídio em leis nacionais num ciclo iniciado em 2007: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela.
Em 2013, a 57ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) das Nações Unidas manifestou, por meio de resolução, a preocupação com mortes de mulheres e meninas com motivação de gênero, embora reconhecesse os esforços para resolver esta forma de violência em diferentes regiões, inclusive em países onde o conceito de feminicídio ou feminicídio foi incorporado na legislação nacional.
“Outro aspecto é o tema das reparações nos casos de sequelas e morte. É importante que fomentemos a discussão sobre a reparação financeira, lembrando que muitas mulheres morrem e deixam filhos e filhas menores de idade que serão criados por avós, tias, familiares, que muitas vezes não contam com as condições e recursos necessários para isso. A reparação financeira deve ser pedida no curso do processo e defensores e defensoras públicas podem e devem atuar nisso. A reparação também se refere ao direito à verdade e à reparação da imagem da vítima junto à família, comunidade e sociedade”, completa a representante da ONU Mulheres.
Investigações dos crimes – O Brasil foi selecionado pelo escritório regional da ONU Mulheres para América Latina e Caribe e o Alto Comissariado dos Direitos Humanos como país-piloto no processo de adaptação do Modelo de Protocolo Latinoamericano para Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero – documento . A seleção está baseada nos índices e na crueldade de mortes violentes de mulheres, na capacidade de execução do sistema de justiça, nas parcerias existentes entre os órgãos públicos e na capacidade técnica dos escritórios da ONU Mulheres em implementar o projeto com apoio da embaixada da Áustria.
O projeto se realiza com o apoio das seguintes instituições: Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público e Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais. Essas instituições integram o Grupo de Trabalho Interinstitucional composto por profissionais representantes das diferentes regiões do país para garantir a diversidade de boas práticas de segurança pública e justiça e as realidades distintas sobre as situações de violência de gênero.
O protocolo latino-americano tem enfoque multidisciplinar e reúne o esforço didático para que as investigações e processos penais integrem fatores individuais, institucionais e estruturais como elementos para entender de maneira adequada o crime e responder adequadamente à morte violenta de mulheres pelo fato de serem mulheres.
Aumento de assassinatos – Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no Brasil. Segundo o Mapa da Violência de 2012, divulgado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos e da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um aumento de 230%. Já o Mapa da Violência 2013 revela que, de 2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%, com a morte de mais de 48 mil brasileiras nesse período. Só em 2011 mais de 4,5 mil mulheres foram assassinadas no país.
De 2001 a 2011, o índice de mulheres jovens assassinadas foi superior ao do restante da população feminina. Em 2011, a taxa de homicídios entre mulheres com idades entre 15 e 24 anos foi de 7,1 mortes para cada 100 mil, enquanto a média para as não jovens foi de 4,1, conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2013.