“A gente está buscando visibilidade e reconhecimento para o nosso trabalho”, diz Luiza Batista, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas
01.05.2018
Dirigente concedeu entrevista à ONU Mulheres Brasil no Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas, comemorado anualmente em 27 de abril, e falou sobre desafios para a categoria, a exemplo de direitos ainda pouco acessados, e avanços, tais como a equiparação de direitos por meio de emenda constitucional, há cinco anos, e a recente mobilização pela internet por meio do aplicativo Laudelina
Há dois anos, Luiza Batista preside a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), que reúne 26 sindicatos e mais uma associação. A Fenatrad representa uma das categorias profissionais mais numerosas no Brasil, formada por mais de 6 milhões de pessoas – a maior parte composta por mulheres (92%) e, entre elas, mulheres negras (60%).
Surgida na década se 1930 pela pioneira Laudelina dos Campos Melo, que fundou a primeira associação em Campinas, no interior de São Paulo, a mobilização das trabalhadoras domésticas conta com as novas tecnologias de informação para estar mais perto da base. Em dezembro de 2017, a Fenatrad lançou o aplicativo Laudelina, um projeto desenvolvido com financiamento do Google em parceria da Themis e apoio de Criola e da ONU Mulheres Brasil.
De lá para cá, os relatos são reveladores da usabilidade do aplicativo pela base e do entusiasmo das dirigentes. “A gente viu que o aplicativo Laudelina é extremamente necessário para a categoria, para divulgar os nossos direitos. Muitas vezes, a trabalhadora não tem tempo de ir até o sindicato. Então, ela baixa o aplicativo e vê os direitos dela”, conta Luiza Batista.
Com origem na escravização negra, o trabalho doméstico atravessou o século 20, firmando-se no sindicalismo para a organização profissional e a reinvidicação de direitos. No processo de redemocratização do país, nos anos 1980, foi a atividade profissional que não se beneficiou da isonomia de direitos trabalhistas e previdenciários, abrindo uma frente de mobilização que culminou com a aprovação da Emenda Constitucional nº 72, em 2013, e Lei Complementar 150, de 2015, para regulamentação de direitos. Em dezembro de 2017, o Brasil ratificou a Convenção sobre Trabalho Decente para Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos (nº 189) e a Recomendação sobre o Trabalho Decente para Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos (nº 201), ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambos pelo decreto legislativo n. 171 do Senado Federal. A ratificação foi depositada na OIT, em janeiro deste ano, e entregará em vigor em 31 de janeiro de 2019.
“A luta da categoria já tem 82 anos. São 45 anos que conseguimos o primeiro direito, que foi a carteira assinada. Tem cinco anos de emenda constitucional e tem três anos que os nossos direitos foram regulamentados. Então, nós estamos avançando”, avalia Luiza.
Contudo, a mobilização não cessou, porque direitos importantes ainda estão em disputa. “Claro que o avanço foi lento e a própria Lei Complementar 150 nos deixou algumas lacunas. Por exemplo, o seguro desemprego. Os outros trabalhadores têm direito a cinco parcelas. Nós, só temos direito a três. Ou seja, estamos em situação diferenciada. Na questão dos atestados médicos, a Lei Complementar 150 não tem um artigo explicando claramente identificação clara como são so atestados médicos para a categoria. E aí fica aquela questão de jurisprudência. Então, nem todo empregador aceita atestado médico até 15 dias. Tem que pagar. Então, tem que fazer todo aquele argumento. Se a Emenda Constitucional igualou os nossos direitos, então esse direito também foi igualado. Mas a gente continua na esperança e na luta de que a gente possa ter alguma ampliação dos nossos direitos dentro da Lei Complementar 150”, acrescenta.
Outro aspecto salientado pela dirigente pernambucana é a oscilação da questão das trabalhadoras domésticas na agenda política. “Em Brasília, a data era comemorada pelo governo federal. Nesse ano e no ano passado, nós não fomos lembradas. Para alguns políticos, isso só existe em época de eleição. A gente não foi lembrada e não teve nenhum ato nacional”, comenta Luiza Batista.
Se na agenda nacional o tema está com menos expressão, a presidenta da Fenatrad cita a agenda dos sindicatos com apoio de governos estaduais e municipais na Semana de Valorização do Trabalho Doméstico. “Nos estados, a gente tem feito sim. A gente faz café da manhã no sindicato. Ontem mesmo, a gente fez palestra com o INSS e o programa de educação previdenciária. Na Bahia, a Secretaria do Trabalho, Emprego e Renda toda vez chama o sindicato e montam um estande no shopping com programação de 26 a 28 de abril, falando sobre direitos e tirando dúvidas de todas as pessoas que procuram o sindicato. Não são somente as trabalhadoras, muitos empregadores também têm dúvida. E aí, procuram o sindicato para tirar dúvidas. Em São Luís, hoje, é feriado para as trabalhadoras domésticas. São Luís é a primeira capital que aprovou lei de feriado municipal em homenagem às trabalhadoras domésticas”, conta Luiza. E resume: “A gente está buscando visiblidade e reconhecimento para o nosso trabalho”, completa Luiza Batista.
Rio de Janeiro teve atividade de mobilização do aplicativo Laudelina na Semana de Valorização do Trabalho Doméstico, em 28 de abril, na sede do sindicato.
Caravana Aplicativo Laudelina – Lívia Zanatta, assessora jurídica e membra do Coletivo Temático de Trabalho Doméstico da Themis, informa a receptividade do aplicativo Laudelina. “Até o momento, nós temos 3 mil usuários ativos. Em geral, são mulheres, na faixa etária de 40 a 55 anos, o que coincide bastante com o perfil das trabalhadoras domésticas. Neste momento (a entrevista foi concedida em 27 de abril), a gente está fazendo uma atividade em Porto Alegre de divulgação do aplicativo e a gente tem recebido bastante pedidos de orientação pelo facebook na página Laudelina. Muitas diaristas, muitas trabalhadoras domésticas, muitas cuidadoras de idosos, que não sabem se a lei se aplica ao caso delas. Então, há realmente um desconhecimento sobre a lei e a abragência dela na prática nas relações do trabalho doméstico”, conta.
A Caravana Aplicativo Laudelina tem mais três atividades programadas até o final deste semestre: em 27 de maio, haverá oficina em São Paulo; em 29 de junho, será a vez de Pelotas; e, entre junho e julho, será organizada oficina estadual, em Porto Alegre, com trabalhadoras domésticas do interior do Rio Grande do Sul.
Lívia recupera o início da parceria entre a Themis e a Fenatrad. “A Themis trabalhou historicamente com a questão dos direitos sexuais e direitos reprodutivos, violência doméstica baseada em gênero e percebeu a importância de trabalhar os direitos econômicos e sociais. E, nessa discussão, nós percebemos que quem está na base da pirâmide socioeconômica são as mulheres, especialmente as mulheres negras. E muitas delaas exercebendo o trabalho doméstico como fonte de autonomia de renda e econômica”, resgata.
De acordo com Lívia, a aliança mostrou-se propícia “em 2013, por conta do projeto Fundo de Igualdade de Gênero (FIG), da ONU Mulheres, em parceria com o Fundo Elas, nós fizemos uma espécie de caravana nos principais sindicatos do país, para fazer a troca entre as advogadas da Themis e as sindicalistas do movimento de trabalhadoras domésticas organizadas, para saber, no marco da Emenda Constitucional nº. 72 e da Lei Complementar nº 150, como estava a organização sindical e de base das trabalhadoras”, relembra.
Dali em diante, identificaram a sinergia entre as duas organizações – Themis e Fenatrad. “Por causa da discriminação histórica que o trabalho doméstico enfrenta, que tem reflexo inclusive no marco jurídico de proteção do trabalho, percebemos uma certa dificuldade de estruturação dos espaços que nunca puderam recolher imposto sindical ao contrário de outras categorias que sempre puderam. Então, a gente percebeu a importância de estar debatendo sobre esses direitos. Nós trabalhamos pelo acesso à justiça das mulheres. Nós entendemos que a gente precisa fortalecer a luta das trabalhadoras domésticas, que estão na linha de frente da vulnerabilidade socioeconômicas do Brasil por causa dessa relação histórica do trabalho escravo e da forma como as relações de trabalho se deram no pós-abolição. Isso ainda está muito arraigado e se reflete muito nas relações de trabalho”, afirma Lívia Zanatta.
Abordagem inovadora de direitos – A advogada dimensiona as funcionalidades do aplicativo e o apelo como instrumento tecnológico inovador, que não dispensa a mediação política e pública. “O aplicativo é mais uma ferramenta, mas ele não substitui outras formas de mobilização, organização e empoderamento. Na verdade, ele vem para somar e dar certa visibilidade. É uma forma inovadora de abordagem de direitos. Considerando que as trabalhadoras domésticas estão isoladas nas residências, muitas vezes, elas acessam as informações pelo rádio. E elas não têm contato com os sindicatos. A gente queria estreitar esses laços da trabalhadora com os órgãos de proteção, com os sindicatos, e fazer essa incidência pública, divulgando essas informações para influenciar, de certa forma, a cultura de emprego doméstico no Brasil”, finaliza.
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