28.03.14 – Mulheres, Paz e Segurança: construindo pontes e superando desafios
28.03.2014
No dia 13 de março, o Instituto Igarapé e a ONU Mulheres organizaram o Seminário “Mulheres, Paz e Segurança: construindo pontes e superando desafios”. Palestrantes de diferentes setores – Nações Unidas, governos, Forças Armadas e sociedade civil – foram convidados a falar, sob diferentes pontos de vista, sobre a importância de incluir a perspectiva de gênero nos processos de consolidação da paz.
Foi consenso entre os participantes que as mulheres continuam subrepresentadas nos esforços para a paz, tanto nos processos de mediação e negociação, quanto na atuação nos terrenos de conflitos. Dos atores envolvidos nas negociações de paz no mundo, somente 8% são mulheres. A porcentagem média de mulheres nos contingentes de paz das Nações Unidas é de apenas 3%.
Dos 600 acordos de paz estabelecidos entre 1990 e 2010, apenas 16 deles faziam referência às mulheres.
Carreira
Mesmo quando estão presentes nas operações de paz, as mulheres acabam atuando em profissões identificadas tradicionalmente como femininas e, muitas vezes, relacionadas ao cuidado. Elas assumem posições como médicas, enfermeiras, psicólogas, intérpretes ou assessoras jurídicas, mas raramente ocupam papéis de decisão.
Alertou-se sobre a necessidade de investir na capacidade técnica das mulheres, com formações e treinamentos consistentes e preparação adequada, de modo que possam participar de maneira equitária nas mesas de negociação de paz e, assim, desmistifiquem comentários que ainda questionam a competência das mulheres em processos de mediação e resolução de conflitos.
Também foi apontada como imprescindível a incorporação de treinamentos que abordem a perspectiva de gênero desde o início da carreira militar de homens e mulheres, uma vez que essa educação poderia contribuir para a superação de desafios culturais organizacionais e de resistências à mudança, bem como para evitar a naturalização dos preconceitos sofridos pelas mulheres.
Mulheres Locais
Alguns palestrantes observaram que os contextos de conflito, em geral, exacerbam drasticamente as situações de violência contra as mulheres e pontuaram o uso dos crimes sexuais como armas de guerra, alertando que a violência sexual é uma forma de exercício de poder e de manter a subordinação das mulheres. Experiências têm revelado que a violência física e sexual contra as mulheres acabam sendo uma das últimas consequências a serem resolvidas no pós-conflito e, portanto, é preciso agir de modo a garantir que os direitos das mulheres estejam entre as primeiras respostas dadas pelas lideranças.
Também se chamou a atenção para a necessidade de treinamento dos militares presentes nos terrenos de conflito, de modo que saibam atuar a favor da proteção das mulheres e coletar informações precisas, em vez de considerarem, como normalmente acontece, que a violência exercida contra elas é algo cultural e, portanto, não deve sofrer interferências.
Outro ponto de atenção levantado pelos palestrantes foi em relação à confiança que as mulheres locais e a população de um modo geral depositam nas mulheres que fazem parte das forças de paz, e à qualidade da comunicação que resulta dessa interação, algo que não acontece com tanta frequência em relação aos homens que estão atuando no terreno.
Falou-se ainda sobre a necessidade de se levar em conta a voz das mulheres locais nos processos de negociação da paz, pois elas são portadoras de percepções, visões e análises únicas.
Há ainda que se pensar sobre a disseminação de informações sobre violência contra as mulheres, doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS para a população local.
Perspectiva integral
A adoção de uma perspectiva integral de gênero vai além de aumentar a porcentagem de mulheres presentes nos processos de paz.
Trata-se não apenas de garantir a paridade de gênero na prevenção, na gestão e na resolução de conflitos, mas também de levar em consideração que as situações de conflitos geram impactos diferentes para as mulheres, os homens, as meninas e os meninos e de incluir as necessidades de todas e todos nas tomadas de decisão.
A abordagem de gênero também precisa ser levada para a produção de dados e estatísticas sobre as situações que ocorrem nos terrenos de conflitos, sobre as denúncias de violências contra mulheres e meninas, sobre as punições efetivas e sobre a presença das temáticas de gênero nos acordos de paz.
Alguns palestrantes ainda chamaram a atenção para que as palavras “gênero” e “mulheres” não sejam tratadas como sinônimos e que a inclusão da perspectiva de gênero nas questões de Paz e Segurança não se reduzam aos casos de violência sexual. Foi ressaltada a necessidade de as operações de paz se apropriarem do entendimento de que, além de mulheres vulneráveis, também há crianças e homens vulneráveis nas regiões de conflito.
Em consonância com este ponto de vista, ressaltou-se, ainda, a relevância de trabalhar, com os homens envolvidos nos processos de paz e com os homens habitantes de regiões de conflito, os estereótipos que relacionam a violência e a agressividade à afirmação da masculinidade.
Durante os debates, ficou claro que todos os atores possuem responsabilidades para que a perspectiva de gênero esteja, de fato, presente e consolidada nos processos de Paz e Segurança. Em linhas gerais, os participantes assinalaram alguns papeis relevantes: cabe aos Estados preparar Planos Nacionais de Ação que garantam equidade de oportunidades para mulheres e homens; ao Legislativo, a criação de uma bancada para promover discussões sobre gênero e a proteção das mulheres; ao Judiciário, a criação de juizados especiais para os casos de violência doméstica e motivadas por questões de gênero; à Defesa, o treinamento de pessoal incluindo as temáticas de gênero de maneira transversalizada; à Academia, a produção de conteúdos com abordagens de gênero; às Nações Unidas, a promoção de estudos com especialistas da área, a criação de relatórios, informes anuais do Conselho de Segurança e a promoção de debates abertos sobre o tema; à sociedade civil, a difusão de conteúdos relacionados às temáticas de gênero e a promoção de fóruns de discussão e grupos de trabalho.
Resoluções
Os documentos internacionais também foram citados por diversos palestrantes e considerados de extrema relevância para a mudança de postura de governos e países.
Um exemplo concreto e bastante referenciado pelos participantes foi a criação da Resolução 1325, no ano 2000, que pedia aos Estados-Membros que aumentassem a representação das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão para a prevenção, gestão e resolução de conflito. A Resolução 1325 é vista como uma das consequências da Plataforma de Ação de Pequim, de 1995, resultado da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, e que possui como uma de suas áreas temáticas prioritárias “Mulheres e Conflitos Armados”.
Posteriormente, foram criadas as Resoluções 1820 (2008), 1888 e 1889 (2009), que se aprofundaram em medidas para a proteção de mulheres e meninas contra as violências baseadas no gênero e em outras formas de violência durante as situações de conflito armado.
Os participantes observaram que, além de representarem marcos simbólicos, as resoluções têm caráter consensual, legítimo, obrigatório e vinculante e, assim, estão na linha de frente para a integração das perspectivas de gênero, servindo como fagulha para a promoção do debate em torno do tema, para o encaminhamento de agendas e de leis nacionais e regionais que ratifiquem os compromissos assumidos.
O elogio à iniciativa de organização do evento foi unânime e todas/os reconheceram que as falas dos diversos atores envolvidos com a temática contribuíram para a troca de experiências e para o encaminhamento de políticas públicas e atitudes concretas relativas à inclusão da perspectiva de gênero no tema de Paz e Segurança no país.