Mulheres indígenas estão na luta pela terra e sofrem ameaças de madereiros
23.12.2015
Na segunda da série de cinco entrevistas com as participantes do projeto A Voz das Mulheres Indígenas, Maria Leonice Tupari mostra um pouco da realidade dos povos de Rondônia e compartilha sonhos sobre a militância e a vida para manter vivas as identidades indígenas
Assista aqui a série de depoimentos de mulheres indígenas participantes do projeto Voz das Mulheres Indígenas no Youtube da ONU Mulheres Brasil
Confira aqui a galeria de fotos do projeto Voz das Mulheres Indígenas
No seu sobrenome, Maria Leonice Tupari carrega a sua etnicidade. Seus antepassados e antepassadas foram forçadas a migrar do Mato Grosso para Rondônia, como resultado da escravização por seringueiros. É com os olhos marejados e a voz entrecortada que Maria relembra histórias de vida marcadas pela violência num tempo que as “mulheres indígenas eram dadas” e seu povo era alvo da expropriação cultural que lhes impedia de falar a língua materna.
Aos 39 anos e mãe de quatro filhas e um filho, Maria Leonice Tupari é da Terra Indígena Rio Branco, cortada pelo Rio Branco e Rio Guaporé, do município Alta Floresta do Oeste. Num território demarcado e homologado, convive com nove povos: Arua, Makurap, Kampé, Tupari, Dihoi, Jabuti, Sakirabia, Kanoê, Arikapú. Atualmente, vive na tribo indígena Sete de Setembro, habitada pelos Paiter Suruí, no município de Cacoal. Desde junho de 2015, Leonice é uma das multiplicadoras do projeto Voz das Mulheres Indígenas, o qual tem proporcionado o fortalecimento da consciência delas sobre a sua organização política.
A vez das mulheres – “Nas conversas, vemos que as mulheres querem ocupar os espaços como os homens. Não somente fora das aldeias, mas também dentro das aldeias, seja como professoras ou na área da saúde. Elas vêm falando sobre ter os mesmos direitos do que os homens nos nossos territórios. Elas querem ser reconhecidas. Estão na luta pela terra. Elas estão enfrentando dificuldades, porque estão sendo ameaçadas por madeireiros. Isso é algo que vem acontecendo não somente na nossa região. Vejo isso como ponto comum e ocorrência em outros estados”, constata.
Leonice é casada com um indígena do povo Paiter Suruí. E é das mulheres dessa etnia que ela resgata o modo de vida. “As mulheres Suruí costumam ficar em casa e têm pouco contato com outras sociedades. São muito reservadas. Gostam de artesanato e cuidar das crianças. Elas plantam e fazem cerâmica. As jovens estão vendo que precisam participar e se envolver mais com as questões políticas, principalmente diante dos problemas que enfrentamos com o Congresso Nacional e a violação dos direitos”, diz.
Diálogos intergeracionais – Nas andanças como multiplicadora do projeto Voz das Mulheres Indígenas, Leonice se deparou com a riqueza das trocas intergeracionais. “Numa oficina, observei que a participação das mulheres idosas anima a participação das mulheres mais jovens. Elas não falam Português, mas falam entre elas. As mais velhas faziam a discussão e as jovens traduziam para as demais pessoas. Elas estão vendo esse lado, mas querem manter o seu jeito reservado”, revela Leonice a sabedoria compartilhada pelas mulheres mais velhas e o seu papel no empoderamento das mulheres indígenas jovens.
No meio das duas gerações, Leonice Tupari demonstra o desejo de que suas filhas e filho continuem a luta dos povos indígenas. “Como liderança, a gente quer que nossos filhos sigam os nossos passos na militância. Meu maior sonho é ver minhas filhas dentro do movimento, defendendo o nosso povo. Trago-as e puxo mesmo para a reunião”, pontua.
Cheia de orgulho, ela conta que a filha Márcia, de 21 anos, é secretária da organização em que milita. E abre um sorriso que emoldura o rosto, revelador de um coração leve ao falar de sua descendência que casou cedo: “Pelo menos uma coisa eu tenho garantida. Elas são casadas com indígenas. Isso nos fortalece muito. O contrário é um desandamento”, conclui.
Sobre o Voz das Mulheres Indígenas – Por demanda das mulheres indígenas, a ONU Mulheres Brasil colaborou para a elaboração do projeto Voz das Mulheres Indígenas, numa cooperação com a Embaixada da Noruega, com o propósito de apoiar a incidência política. O projeto tem como objetivo identificar pauta comum de atuação política, norteando-se por cinco eixos: violação dos direitos das mulheres indígenas; empoderamento político; direito à terra e processos de retomada; direito à saúde, educação e segurança; e tradições e diálogos intergeracionais. O processo de coleta de informações e resposta ao questionário será concluído em fevereiro de 2016. Mulheres indígenas interessadas em colaborar, podem entrar em contato por meio do e-mail: mulheres.indigenas@unwomen.org
Mobilização das indígenas – As primeiras organizações de mulheres indígenas surgiram na década de 1980: Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro e Associação de Mulheres do Distrito de Taracuá. Contribua, resgatando o histórico dessas e de outras organizações de mulheres indígenas existentes do seu povo, estado e região.
Povos indígenas no Brasil – Conforme o censo de 2010, cerca de 900 mil indígenas vivem no Brasil. Destes, 450 mil são mulheres e têm menos de 22 anos. A população indígena brasileira está dividida em 305 etnias que falam 274 línguas.
Confira as entrevistas em vídeo:
Andreia Lourenço – Povo Guarani Nhandewa |Paraná
Iara Esmínia – Povo Wasso | Alagoas
Maria Leonice – Povo Tupari | Rondônia
Simone Eloy Amado – Povo Terena | Mato Grosso do Sul
Sônia Guajajara – Povo Tenetehara| Maranhão
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