ARTIGO – Para todas e por todas nós: o compromisso global com a igualdade de gênero e empoderamento feminino
12.03.2025

A representante interina da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, lembra que, três décadas mais tarde, persistem muitos dos desafios que deram origem à Declaração e à Plataforma de Ação de Pequim. Crédito: ONU Mulheres / Pedro Nogueira
Em artigo publicado originalmente no Estadão, no marco do Dia Internacional das Mulheres (8/3), a representante interina da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, destaca que ainda há muito trabalho a ser feito para que a declaração de Pequim possa ser integralmente entregue à sociedade. Leia o texto na íntegra a seguir:
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Para todas e por todas nós: o compromisso global com a igualdade de gênero e o empoderamento feminino
Celebramos o Dia Internacional da Mulher há 50 anos. E a ONU Mulheres está, também, integralmente no clima de outra marca: comemorando o aniversário de 30 anos da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim, um dos documentos internacionais mais importantes para a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas.
1995 foi um ano de virada de jogo para os movimentos de mulheres e feministas. Naquele ano, o mundo chegou a um consenso: os direitos das mulheres são direitos humanos. Mais de 17 mil ativistas de 189 países, incluindo chefes de Estado, parlamentares e representantes da sociedade civil, foram à capital da China acordar um roteiro visionário e debater estratégias para promover esses direitos. A cada cinco anos, os países revisam os progressos alcançados na implementação da declaração, ao passo que buscam mantê-la fiel aos seus princípios fundantes, por meio de declarações políticas acordadas em encontros realizados em Nova York, durante a Comissão sobre o Status das Mulheres (CSW). Ainda hoje, três décadas mais tarde, esse documento revolucionário continua orientando nossa atuação e inspirando uma gama cada vez mais ampla de parceiros na sociedade.
Em 2025, persistem muitos dos desafios que deram origem à declaração e à Plataforma de Ação de Pequim. Desafios estes combinados com adversidades recentes que também impactam a vida de mulheres e meninas de forma desigual, tais como: a emergência climática, novos conflitos humanitários e o avanço veloz da inteligência artificial, sobretudo a generativa. E embora 69% dos países tenham estruturas especializadas para lidar com a discriminação baseada em gênero e 78% deles aloquem orçamento para enfrentar a violência contra as mulheres, nenhum deles atingiu a plena igualdade de gênero. Tanto é que o Índice Global de Desigualdade de Gênero passou de 0.66 em 2006 para apenas 0.68 em 2023.
Nesse ritmo, uma menina nascida hoje terá 40 anos quando mulheres e homens ocuparem o mesmo número de cadeiras no Congresso Nacional. Quando o casamento infantil for erradicado, ela terá 68 anos. E pode nem testemunhar a eliminação da extrema pobreza, pois levaremos 137 anos para erradicá-la. Não é possível ficarmos apáticos diante de uma realidade que nos mostra que uma mulher é assassinada a cada 10 minutos pelo simples fato de ser mulher, segundo dados de um relatório global da ONU Mulheres e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (Unodc) em novembro do ano passado.
Defendemos que para enfrentar o feminicídio, é crucial investir em três níveis de prevenção. O nível primário envolve ações educativas e culturais para mudar estereótipos e normas sociais e comportamentais que perpetuam a violência baseada em gênero. Em nível secundário, a prevenção deve focar na identificação precoce de casos de violência contra a mulher, além da intervenção ágil em situações de risco para que não haja uma escalada. Já a prevenção terciária busca apoiar e reabilitar as vítimas, bem como garantir que os agressores sejam responsabilizados.
Sabemos que a violência contra meninas e mulheres é uma realidade mundial e viola outros direitos humanos. Não por acaso, é uma das 12 áreas críticas de preocupação estabelecidas na Plataforma de Ação de Pequim. Além da violência de gênero, as áreas mencionadas no documento são infância; meio ambiente; mecanismos institucionais; economia; direitos humanos; saúde; poder e tomada de decisão; meios de comunicação; conflitos armados; educação; e pobreza. Esses campos são os que demandam mais ações concretas para que a igualdade de gênero seja alcançada.
No escritório da ONU Mulheres no Brasil, em especial, temos reforçado junto a instituições de Estado a importância de um orçamento sensível a gênero e raça em nível municipal, estadual e nacional. Para além de destinar recursos para o enfrentamento à violência de gênero, ele deve contemplar as mulheres e pessoas negras de maneira transversal, assegurando que todas as áreas de políticas públicas, desde saúde e educação até segurança e meio ambiente, integrem a perspectiva de gênero em suas ações e investimentos.
Outro ponto caro para nós é a chamada economia do cuidado: embora importantíssima para a reprodução das sociedades, as tarefas de cuidados afetam de forma desproporcional as mulheres e contribui para perpetuar desigualdades de gênero. Trabalhamos por políticas públicas que apoiem a conciliação entre trabalho e vida familiar e que reconheçam a responsabilidade dos Estados no acesso ao cuidado de qualidade. Recentemente, comemoramos a aprovação e sanção da Política Nacional de Cuidados, cuja elaboração contou com a parceria estreita da ONU Mulheres, e queremos que isso seja realidade também em outros países.
Ainda que o comprometimento dos governos seja fundamental, sabemos que não é suficiente para fazer com que as determinações da plataforma se tornem uma realidade concreta. A garantia de uma vida digna para meninas e mulheres, livre de todas as formas de violência, demanda também o engajamento e compromisso do setor privado, da academia e de homens e meninos, além do ativismo e controle social exercidos pela sociedade civil. Por isso, a ONU Mulheres aposta em ações mais amplas de comunicação e advocacy e em construir pontes e alianças com parceiros diversos.
Assim, 30 anos depois, ainda há muito trabalho a ser feito para que a declaração de Pequim possa ser integralmente entregue à sociedade. A hora é agora! Lançamos uma nova campanha global dedicada a reforçar o apelo deste instrumento que é o coração do mandato da ONU Mulheres. Seu mote – For All Women and Girls (Para Todas e Por Todas as Meninas e Mulheres) – sinaliza que o nosso compromisso é com todas elas e em toda a sua diversidade, a partir de uma abordagem interseccional, destacando a voz e o poder de agência das mulheres. Em vez do medo, escolhemos agir. Em vez do desespero, escolhemos a esperança. Queremos igualdade, direitos e empoderamento, sem admitir nenhum retrocesso.