22.11.13 – Ministra de Justiça e Paz da Costa Rica, Ana Isabel Garita, fala sobre Feminicídio no Brasil
22.11.2013
Ana Isabel Garita, ministra de Justiça e Paz da República da Costa Rica, primeiro país latinoamericano a tipificar o crime de Feminicídio, participou, nesta semana, em São Paulo, de debates sobre o tema, dividindo suas experiências.
Na segunda-feira (18/11), ela esteve presente no evento da Universidade de Brasília, organizado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e pela ONU Mulheres, e cujo tema era “Feminicídio: manifestação extrema de violência contra as mulheres”.
No dia seguinte, a ministra compôs a mesa da audiência pública requerida pela senadora Ana Rita (PT- ES) e promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para debater o projeto de lei do Senado que cria a figura do feminicídio na legislação penal brasileira como homicídio qualificado.
A ministra concedeu à ONU Mulheres uma entrevista sobre o assunto.
O que é feminicídio?
A definição que a Corte Interamericana de Direitos Humanos utiliza expressa de forma sintética que o feminicídio é o assassinato de mulheres por razões de gênero. Isso significa que a motivação do agressor é o desprezo, o ódio e, muitas vezes, até um sentimento de propriedade em relação ao corpo, à sexualidade e à alma da mulher.
Qual é a diferença entre femicídio e feminicídio?
Trata-se de uma diferença acadêmica. Na América Latina, as primeiras teóricas falavam de femicídio, o assassinato por motivação de ódio pelo fato de a vítima ser mulher. Posteriormente, a antropóloga e feminista Marcela Lagarde retomou o termo como feminicídio, incorporando a responsabilidade do Estado ao conceito de assassinato de mulheres por razões de gênero. Isso é muito importante, pois os agentes do Estado geram impunidade frente a esse delito quando não realizam a investigação de forma oportuna, ágil e certeira. Portanto, o feminicídio é um crime de Estado, na medida em que viola os direitos humanos fundamentais das cidadãs por meio da inoperância ou da indiferença estatal.
Qual é a importância de tipificar o feminicídio?
A tipificação do feminicídio é necessária sob alguns pontos de vista. Do ponto de vista político, com a tipificação, o Estado e suas autoridades transmitem a mensagem de que matar mulheres é um ato delitivo e de que responderá de forma racional, proporcional, mas com a mesma firmeza com que reage a outros tipos de morte.
Em termos estatísticos, a tipificação contribui para registrarmos com mais precisão a violência extrema contra as mulheres em um determinado momento ou local e dá visibilidade ao fato de que o assassinato de mulheres e meninas possui características específicas. Na América Latina, muitas vezes, não é possível sequer saber o número de mulheres que foram mortas em seus países, pois muitos casos são qualificados como mortes naturais por falta de investigação.
Do ponto de vista jurídico penal, significa tipificar o ato mais extremo de violência contra a mulher, e que normalmente é proveniente de um contínuo de outros atos de violência. Com esse tipo penal, se protege um direito fundamental que é a vida de uma mulher.
Com a tipificação, também é possível visualizar o comportamento dos operadores de justiça e saber em que medida eles são negligentes, favorecem a impunidade e criam obstáculos ou impedem o acesso das mulheres à justiça.
Entre os sete países que já tipificaram o feminicídio na América Latina, qual é o melhor exemplo de legislação?
Em termos de técnica legislativa, Guatemala, El Salvador e Nicarágua possuem leis integrais, que incorporam não somente o tipo penal feminicídio, mas outros delitos anexos importantíssimos, como a responsabilidade dos operadores de justiça.
São leis que incorporam processos penais especiais para proteger a vítima direta e indiretamente desse tipo de delito. A lei criou uma institucionalidade dentro do ordenamento jurídico: são fiscais especiais, policiais especiais e, na Guatemala, até mesmo juizados especializados em processar esse tipo de delito.
Nesses países, as leis preveem também uma série de medidas que previnem a violência contra as mulheres e querem erradicá-la não somente a partir do castigo aos agressores, mas também por meio de políticas públicas dirigidas à incorporação dos direitos das mulheres, à educação e à paz social a partir dos direitos igualitários.
No Brasil, o projeto de lei do Senado propõe incorporar o feminicídio como um agravante do crime de homicídio. Por outro lado, alguns grupos da sociedade defendiam a criação de um tipo penal específico para o delito. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
Como técnica jurídica, o melhor seria ter o feminicídio como um delito independente do homicídio, como duas categorias diferentes. A técnica legislativa mais adequada poderia ser a criação de uma lei integral, que cobrisse todos os delitos relacionados ao feminicídio. No entanto, acredito que o mais importante é o envolvimento dos diferentes atores da sociedade em relação ao tema. E, seguramente, na aplicação do feminicídio, será possível fazer interpretações e incorporar regras de instrumentos internacionais. Vejo o projeto de lei como uma oportunidade para continuar avançando no tema e que pode ser ampliado através de outros mecanismos.
Depois da tipificação do feminicídio, qual é o próximo passo para cada país latinoamericano nesse quesito?
A luta contra a impunidade. A lei está aí, é um grande benefício, mas queremos que seja uma realidade e, para isso, precisamos chegar à impunidade zero no delito de assassinato de mulheres. Esse será o maior desafio.
A senhora acredita que um dia chegaremos a zero mulheres mortas por razões de gênero?
Eu creio que sim. Há uma geração de homens e mulheres, não apenas no Judiciário, mas também na sociedade civil, cada vez mais convencida de que merecemos viver em sociedades em que a convivência e o respeito mútuo sejam as regras básicas. Trabalhamos para que esta seja a realidade: uma sociedade sem violência.
Foto: Moreira Mariz/Agência Senado